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Por um julho em que celebremos nossas mulheres pretas em vida

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Por Anielle Franco   

Chegamos a mais um julho das pretas, mês em que reconhecemos e celebramos a trajetória, história e força de luta das mulheres negras. Julho também é o mês do Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha, comemorado no dia 25; o dia 27 é aquele em que nasceu Marielle Franco. Neste ano, minha irmã completaria 43 anos de vida.

Algumas pessoas que conheciam Marielle costumam dizer que ela era, em si, uma celebração, e não só porque ela adorava festejar — de fato, lembro quando saíamos escondidas para o Baile Funk na Maré e deixávamos Dona Marinete de cabelo em pé. Marielle carregava uma energia que contagiava todos à sua volta. Ela fazia da celebração uma luta e da luta, uma celebração. Ela era, em si, encontro — de pessoas, de pautas, de lutas; ela era a junção de diferentes perspectivas que transformava toda a sua construção política em algo único. E uma das coisas que minha irmã gostava de fazer era celebrar a vida. 

Há quatro anos, assassinaram Marielle e Anderson, um crime brutal que escancarou as fragilidades da democracia brasileira, e para o qual ainda não temos respostas: quem foi o mandante ou tampouco quais foram os motivos. São quatro anos também desde que Mari ficou conhecida em todo o mundo como um símbolo de luta, de resistência e de justiça. Hoje, por meio do Instituto Marielle Franco, atuamos para enfrentar a violência política de gênero e raça, para que não haja outras Marielles e para que mais nenhuma mulher negra que esteja na política tenha sua trajetória interrompida.

Por isso, um dos pilares do Instituto é o de regar as suas sementes. Somos muitas as sementes que Marielle deixou e precisamos que as nossas existências e perspectivas sejam celebradas em vida. Não vamos tolerar que mais nenhuma de nós tombe, nem devemos esperar para celebrá-las. Que a política da celebração da vida (das nossas vidas) que Marielle nos ensinou possa se tornar nossa prática política, assim como é a ética do bem-viver, construída historicamente pelas mulheres negras e pelas populações indígenas e quilombolas.

Para isso, para reconhecer e consolidar nossa memória viva enquanto mulheres negras, precisamos contar nossas próprias histórias, precisamos ter reconhecido o lugar de donas das nossas próprias narrativas, precisamos que nossas vozes sejam ouvidas e replicadas em todos os espaços e nas diferentes frentes de atuação. Quando uma mulher negra age no sentido de solucionar os problemas enfrentados pelo seu grupo, ela atende as demandas causadas pelos problemas mais estruturantes da sociedade brasileira. Nós estamos prontas para liderarmos os projetos políticos para um país mais justo e melhor de se viver porque produzimos respostas e descobrimos saídas para as crises que surgiram ao longo dos últimos séculos.

Como Lélia Gonzalez já disse, são as mulheres negras anônimas que estão fomentando uma revolução cotidiana no tecido da sociedade brasileira. Que possamos reverenciá-las, escutá-las, celebrá-las e fazer com que protagonizem as suas narrativas. E mais: que possamos seguir as respostas que elas criam para o futuro e construir coletivamente um país a partir da sua radical imaginação política. Por isso, nas eleições de 2022, espero que todas e todos reflitam sobre que Brasil queremos para os próximos quatro anos; que ele seja construído a partir das mãos de mulheres negras. O voto por Marielle é um voto por um país de esperança, trabalho, comida, saúde e fortalecimento da democracia.

Anielle Franco é professora, jornalista, escritora, palestrante, ativista, mãe de duas meninas, mestra em Relações Etnicorraciais e doutoranda em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É colunista da ECOA UOL e diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, criado pela família com a missão de inspirar, conectar e potencializar mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas para que elas sigam movendo as estruturas da sociedade por um mundo mais justo e igualitário.

Cadu Barcellos recebe homenagem na data em que faria 36 anos

Comunicador e cineasta deixa legado de trabalho em comunidade 

Por Jéssica Pires

Cria não morre, vira lenda. Essa certeza é comum entre aqueles que tiveram a oportunidade de conviver com Cadu Barcellos e se reuniram na última quinta, no Pontilhão da Maré,  para uma homenagem ao cineasta que completaria 36 anos. Cadu, jovem, negro, cria da Maré foi brutalmente assassinado em 10 de novembo de 2020, no Centro do Rio de Janeiro.

A ação de moção e aplausos a Cadu Barcelos foi uma iniciativa da mandata da deputada estadual Renata Sousa (Psol). Estiveram presentes em uma mesa de abertura da homenagem o amigo e também cineasta Wava Novaes, Maria Leticia Barcelos, irmã de Cadu e a deputada. A emoção e a possibilidade de reunir pessoas potentes com o compromisso de seguir com a história e legado de Cadu foi mencionado pela irmã do cineasta. A energia, sempre positiva, e a disposição de realizar em coletivo foram destaque nas falas e lembranças da mesa de homenagem ao jovem.

Referências da Maré

Em memória de Cadu a mandata também homenageou algumas pessoas que fizeram parte da trajetória do mareense: Willian da Silva (pai de coração do Cadu), Maria Letícia (irmã), Gabi Alves (companheira), Kamila Camillo (fotógrafa e fundadora do Coletivo Crias do Tijolinho), Vitor Santiago (amigo), Willian Oliveira (produtor local), Naldinho Lourenço (comunicador), Gizele Martins (jornalista), Eduardo Chininha e Wava Novaes (diretor, roteirista e professor de cinema).

Cadu fez parte do Projeto Cinemaneiro, foi integrante do Corpo de Dança da Maré, formou-se na Escola Popular de Comunicação Crítica (ESPOCC), do Observatório de Favelas e na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Filho de Dona Neilde Gomes Barcelos e William da Silva, irmão de Letícia Barcellos, companheiro de Gabi Alves e pai de Bernardo Alves, construiu uma trajetória potente como diretor de cinema e comunicação popular. Na lista dos trabalhos de destaque de Cadu estão o curta-metragem, produzido pelo Observatório de Favelas; o programa “Crônicas da Cidade”, exibido no Canal Futura; o longa “5X Favela – Agora Por Nós Mesmos” – uma releitura do filme “Cinco Vezes Favelas” de 1962 -, dirigido por Cacá Diegues. A obra foi escolhida para a seleção oficial do Festival de Cannes de 2010 e ganhou os prêmios de melhor filme de ficção – pelo júri oficial e popular, melhor atriz e ator coadjuvante, melhor roteiro, melhor trilha sonora e melhor montagem no Festival de Paulínia de 2010; a produção de “5x Pacificação” em 2012; a gravação da vinda do Papa ao Brasil no ano de 2013; a participação da equipe de pesquisa do documentário “Favela Gay”.

A disponibilidade em compartilhar saberes sempre foi marca do cineasta. Foi professor de audiovisual, foi um dos fundadores do “Maré Vive”, coletivo de comunicação da Maré, foi diretor artístico do grupo de pagode “No Lance” e, também, foi coordenador do projeto “Jpeg”, da ONG Promundo, no qual liderava grupo de jovens que promovia ações ligadas à saúde e à equidade de gênero. Antes de sua execução precoce, Cadu estava atuando como assistente de direção no programa “Greg News”, do canal HBO.

Foto: Gabi Lino Neilde Barcelos, mãe de cadu, com a homenagem recebida

Operação no Complexo do Alemão resulta em mais uma chacina

Mais de 20 pessoas mortas foram mapeadas pela Defensoria Pública e organizações locais

Por Jéssica Pires e Samara Oliveira, em 22/07/2022 às 9h22

Na madrugada desta quinta-feira, moradores do Complexo do Alemão amanheceram com um intenso tiroteio em decorrência de uma operação policial encabeçada por equipes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM e da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil. Segundo organizações locais e a Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, ao menos 20 pessoas morreram na ação, no entanto, a Polícia Militar confirma 18 mortes. 

Ao longo do dia, denúncias e pedidos de socorro foram publicados redes sociais pelos próprios moradores, ativistas, coletivos e organizações sociais e de comunicação do Complexo do Alemão. De abuso de poder, invasão de domicílio e cárcere de moradores, sem mandados policiais, até agressão física e verbal, além da morte de muitas pessoas. O uso do helicóptero como plataforma de tiro também foi registrado na ação. Uma parte do dia foi destacada pelo uso de panos brancos dos moradores pedindo o cessar da ação.

Pedidos pelo fim da operação foi feito por moradores usando panos brancos

Em nota, o Ministério Público do Rio de Janeiro informou que está acompanhando a operação no Alemão e que vai adotar as medidas cabíveis. Segundo dados do Instituto Fogo Cruzado, somente neste ano foram registrados 19 tiroteios no Complexo do Alemão.

No fim da operação, em coletiva de imprensa, o subsecretário operacional da Polícia Civil foi questionado sobre a quantidade de mandados de prisão expedidos para a ação e quantos foram cumpridos. O representante não soube responder.

O Coletivo Papo Reto publicou um vídeo-manifesto com imagens que resumem o dia da ação da polícia esta quinta no Complexo do Alemão.

‘Medida Provisória’, filme dirigido por Lázaro Ramos, terá exibição gratuita na Maré

Obra com mais de meio milhão de espectadores pelo Brasil pode ser assistida amanhã (22) no Galpão Bela Maré e no dia 30 de julho na Arena Carioca Dicró

Por Redação, em 21/07/2022 às 11h02

Após passar por “censura burocrática”, o filme Medida Provisória estreou e superou os 500 mil espectadores nos cinemas de todo o país. Nesta sexta-feira (22), a obra dirigida por Lázaro Ramos terá exibição gratuita no Galpão Bela Maré, na Nova Holanda. O Observatório de Favelas também vai promover uma sessão na Arena Carioca Dicró, na Penha, no próximo dia 30.

“Promover estas sessões gratuitas é importante pela possibilidade de democratização de uma obra cinematográfica de tanta qualidade produzida no Brasil. Além disso, o filme tem como princípio uma equipe majoritariamente de pessoas negras e de origem popular e isso representa uma oportunidade singular, de públicos de regiões periféricas e faveladas, pessoas pretas a se identificarem com o que vão se encontrar nas telas”, analisa Isabela Souza, diretora do Observatório de Favelas. 

O filme retrata uma distopia na qual o governo brasileiro estabelece uma medida provisória que obriga os cidadãos negros a ‘voltarem’ à África como uma suposta reparação para tempos de escravidão. O advogado Antônio (Alfred Enoch), sua companheira, a médica Capitu (Taís Araújo), e seu primo, o jornalista André (Seu Jorge) decidem resistir, uns confinados em suas casas, outros no Afrobunker – movimento que vai lutar pelo direito de permanecerem em seu país. Medida Provisória é uma adaptação da obra dramática, do também ator Aldri Anunciação, intitulada “Namíbia, Não!”.

Para Isabela, o momento histórico vivido atualmente acaba por gerar identificação com a trama. “Em tempos de tantos retrocessos e ameaças, sentir esperança, se encontrar, encontrar afago, na história, nos personagens, no amor, nas relações, na poesia, nas artes são elementos que garantem direitos que vêm sendo negligenciados. E para nós, do Observatório, ter a Maré e a Penha como palcos para uma experiência gratuita com este conteúdo é um marco”, diz.

Medida Provisória

Dia 22 de julho de 2022, às 16h
Local: Galpão Bela Maré
Rua Bittencourt Sampaio, 169
Entrada Franca

Dia 30 de Julho de 2022, às 17h
Local: Arena Carioca Dicró
Rua Flora Lobo, s/n – Parque Ary Barroso
Entrada Franca

Repúdio ao pedido de investigação do Ministério da Mulher contra o Portal Catarinas e o The Intercept Brasil

Associação de Jornalismo Digital chama atenção para a coerção ao trabalho da imprensa livre e plural no país

Por AJOR – Associação de Jornalismo Digital

Na última sexta feira (15), foi divulgado que, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos solicitou a abertura de investigações contra os médicos que realizaram o aborto legal em uma criança de 11 anos vítima de estupro, assim como dos veículos  Portal Catarinas e The Intercept Brasil, que revelaram o caso. 

Em junho, uma reportagem especial em parceria entre as organizações trouxe à tona a história de uma criança, grávida após ser vítima de um estupro, que estava sendo mantida pela justiça de Santa Catarina em um abrigo há mais de um mês para evitar que ela fizesse um aborto legal.

Em 28 de junho, a deputada bolsonarista Ana Campagnolo (PL) enviou um requerimento ao presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), deputado Moacir Sopelsa (MDB), pedindo a instauração de uma “CPI do Aborto”. A primeira justificativa para abertura da CPI é apurar se “o aborto foi realizado legalmente ou se houve cometimento de crime”.

Em mais um capítulo da história, o Ministério da Mulher, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), pediu a investigação do caso com um ofício que traz como recomendações “apurar a responsabilidade cível e criminal do The Intercept, por veicular as imagens e o áudio do depoimento especial sigiloso”.  O presidente Bolsonaro apoiou a abertura de investigações em uma mensagem publicada em seu Twitter. 

Em editorial publicado neste domingo (17), o Portal Catarinas recordou o histórico de ações inconstitucionais da pasta e criticou a tentativa de intimidação da imprensa pelo governo: “São tempos difíceis para meninas, mulheres, jornalistas e defensores dos direitos humanos brasileiros. Querem nos fazer sentir medo de trabalhar, mas não pretendemos recuar. A liberdade de imprensa, de expressão e o direito de informação, bem como o sigilo da fonte, continuam sendo garantias constitucionais no Brasil. Estamos amparadas pela lei”.

Já o The Intercept condenou a tentativa do governo de criminalizar o jornalismo: “Já passamos por isso – não foi a primeira e não será a última. Essas ameaças são nosso combustível para continuar denunciando abusos de poder e violações de direitos humanos. Enquanto houver Constituição e estado de Direito nesse país, Bolsonaro pode tentar. Mas não vai nos intimidar”. 

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) encaminhou ofício ao Ministério pedindo explicações “em relação ao teor das investigações solicitadas sobre o site The Intercept Brasil, bem como a origem e fundamentação de tal ato administrativo”. Em nota publicada no sábado (16), a organização cobrou um  posicionamento da pasta e reforçou a importância da liberdade do jornalismo para denunciar o descumprimento de direitos. 

A Ajor considera que o pedido por investigação ataca diretamente o direito à liberdade de imprensa, garantido pela Constituição. Repudiamos qualquer tentativa de perseguição aos comunicadores no exercício de sua profissão e reforçamos a importância de termos uma imprensa livre e plural no país, que investigue autoridades e garanta o bom funcionamento das instituições democráticas, especialmente no período que antecede as eleições presidenciais.

A  proteção da liberdade de imprensa, assim como do sigilo da fonte, é dever do governo e precisa ser garantida. Prestamos solidariedade ao Portal Catarinas e ao The Intercept Brasil e apoiamos ambos os veículos em seu direito de produzir jornalismo de interesse público. 

O Maré de Notícias é um dos associados da AJOR.

Eleições 2022 – qual é o poder das redes sociais?

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Com mais de 70% da população conectada, ferramentas digitais de socialização ganharam, no cenário eleitoral, importância ainda pouco mensurada

Por Jorge Melo 

No Brasil, mais de 150 milhões de pessoas utilizam redes sociais, o que representa 70,3% da população. Segundo dados de 2020 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 147.918.483 brasileiros estão aptos a votar. Ou seja, o número de usuários das redes sociais e de eleitores é praticamente o mesmo.   

“As redes sociais começaram a exercer uma governança privada sobre a deliberação pública e sobre a liberdade de expressão. Não é mais apenas o Estado que realiza esse papel”, analisa Juliana Fonteles, pesquisadora do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Universidade de São Paulo (USP). Há um longo caminho a ser percorrido até compreendermos o real impacto das plataformas digitais na democracia brasileira.

Redes sociais e fake news

Em 2018, as redes sociais foram largamente usadas, definindo um novo momento nas campanhas eleitorais, segundo políticos, jornalistas, publicitários, cientistas políticos e pesquisadores. E o que chamou atenção foi o grande número de fake news — informações falsas que procuravam atingir candidatos.

O uso de mentiras no processo eleitoral não é uma novidade, mas a maneira como foram propagadas — via dispositivos capazes de disparos massivos de mensagens — teve resultados preocupantes. Segundo a advogada Samara Maria de Castro, vice-presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), as eleições de 2018 foram marcadas pelo uso intenso das redes sociais, mas esse fenômeno não teve início naquele ano e, sim, em 2014.

Samara afirma que o fato de a TV e o rádio desempenharem parte importante (e bem regulamentada) na estratégia dos partidos fez com que a internet representasse um campo livre. “O que mudou não tem a ver com o uso das redes sociais e sim, com o fato de, com elas, o processo de desinformação se torna mais eficiente. O uso das bases de dados, identificando as características dos indivíduos, torna mais fácil conduzi-los a opiniões específicas”, explica.

E o que é base de dados? Ela é o conjunto de informações sobre seus usuários que cada rede social acumula quando é usada, na forma de comentários, conversas privadas, buscas, perfis visitados, publicações que o usuário curtiu etc. Com esses dados é possível estabelecer perfis detalhados. Os disparos de mensagens são direcionados para grupos específicos, com elementos que podem sensibilizá-los. Ou seja, milhares de pessoas são alcançadas e, em grande número, vão reproduzir a desinformação.

Busca pela verdade

Raniery Soares, 25 anos, mora no Parque Maré, estuda Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e utiliza redes sociais desde 2011. Ela participa de vários grupos de estudo e ativismo e lembra que, desde 2014, as fake news circulam: “Nunca fui vítima de nenhuma, no sentido de compartilhar mentiras. Já acreditei brevemente em notícias falsas, porém sempre investiguei a veracidade das informações.” Ele alerta os amigos quando eles reproduzem desinformação e as denuncia.

Um estudo desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) lista alguns cuidados que devem ser tomados: 

  1. Descobrir quem é a fonte da informação; 
  2. Pesquisar sobre o assunto em plataformas de busca; 
  3. Identificar o público-alvo do conteúdo e observar o propósito da publicação, pois, para que sejam compartilhadas, as fake news buscam manipular e provocar sentimentos de indignação e raiva.

Ellen Batista da Silva aprendeu da forma mais difícil (“Já fui vítima de fake news, inclusive repassei e uma pessoa me alertou.”), e garante que aprendeu a lição: “Sempre vejo a fonte da notícia e pesquiso na internet”. Aos 18 anos, ela mora na Nova Holanda, e participa do programa Jovem Aprendiz, que auxilia jovens, de 14 a 24 anos, na busca pelo primeiro emprego. Recorreu às redes sociais para obter informações sobre candidatos e ouviu também as opiniões de familiares e amigos. Segundo a estudante, “são pessoas que, como eu, têm acesso à informação, mas mantêm opinião própria”.

Ellen usa WhatsApp, Twitter e Instagram, mas não é assídua. Participa de grupos mas nenhum de política (“Não interajo muito.”). Ela se preocupa, no entanto, com a possibilidade de as fake news influenciarem a eleição. “A partir do momento em que você é manipulado, corre o risco de colocar o poder nas mãos de alguém que tem opiniões contrárias às suas”, pondera.  

 Transparência

A falta de transparência das plataformas — principalmente dos aplicativos de mensagem, onde é mais difícil acompanhar a circulação de conteúdo — é uma das principais preocupações. Segundo Samara de Castro, “uma questão fundamental a qual as plataformas têm se negado a colaborar é abrir espaço para pesquisadores. O essencial é que elas permitam que pesquisadores escrutinem sua capacidades de serem ou não transparentes e, a partir disso, se comprometam a melhorar”.

Raniery está preocupado com a eleição de 2022. Ele usa as redes sociais para acompanhar os candidatos e admite que elas influenciam suas escolhas políticas: “Essa eleição de 2022 será a mais importante da história do país, é a decisão entre o medo e a barbárie.”  

Segundo a pesquisadora Juliana Fonteles, os aplicativos tomaram medidas para reduzir a desinformação. “Twitter, YouTube, Kwai, Instagram e Facebook proíbem conteúdo desinformativo a respeito da participação no pleito como, por exemplo, data e local de votação ou como votar. O Twitter instituiu uma central de informações sobre eleições e um novo mecanismo de denúncia de desinformação sobre eleições no Brasil pelos próprios usuários. Isso não existia antes”, afirma.

O TSE aprovou uma resolução que proíbe a divulgação de inverdades ou dados descontextualizados que atinjam os processos de votação, apuração e totalização de votos. Estão proibidos também disparos em massa de mensagens em aplicativos como WhatsApp e Telegram para pessoas que não se inscreveram para recebê-las.

Samara considera que essas medidas representam um avanço, mas não atacam o problema em si. “O TSE e os partidos compreenderam o processo de 2018 de forma equivocada. O WhatsApp não funcionou com disparos para uma base enorme de usuários com uma mensagem certeira, que transformava todos os pensamentos de uma pessoa. Não é assim que funciona.”

Ela afirma que o fenômeno da desinformação é sutil. “O WhatsApp funciona como uma rede social fechada e também como um canal de troca de informações. Sendo assim, em 2018, usando-se da liberdade de expressão, mensagens construíram narrativas, mas os disparos só reforçaram uma concepção que já estava consolidada. Por isso, defendo que o importante é barrar essas narrativas. A incompreensão desse fenômeno fez com o que a gente atacasse a tecnologia, esquecendo a proteção de dados.”   

Digital unido pelo real

Em fevereiro deste ano, o TSE firmou acordos com oito plataformas digitais para combater as fake news: Twitter, Tik Tok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai se comprometeram a colaborar com o tribunal. Presidente do TSE, o ministro Edson Fachin afirmou que “nosso objetivo é desenvolver ações para coibir e também neutralizar a disseminação de notícias falsas nas redes sociais durante as eleições deste ano”.

O Telegram, porém, não aderiu ao acordo. Criado em 2013, o aplicativo russo tem mais de 200 milhões de usuários. No dia 18 de março, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ordenou o bloqueio do Telegram por desrespeitar inúmeras decisões judiciais — a medida foi suspensa dois dias depois, quando o Telegram aceitou monitorar os cem canais mais populares do Brasil e restringir postagens públicas depara usuários banidos por espalhar desinformação.

Samara avalia que “a falta de diagnóstico correto do que nos aconteceu nos últimos anos nos levou a essas conclusões — muitas delas, em minha opinião, equivocadas. Mas as medidas tomadas pelo TSE talvez sejam suficientes para garantir um processo eleitoral seguro e íntegro. Podem não ser a melhor composição jurídica, mas tenho certeza de que são importantes para garantir que nosso sistema sobreviva”.