Home Blog Page 263

Primeiro Festival Imersivo das Favelas chega em agosto e reunirá convidados ilustres como DJ Rennan da Penha, Nina da Hora e Alice Pataxó

0

Iniciativa visa dar visibilidade a projetos tecnológicos e afrofuturistas de jovens negros e indígenas de periferias e zonas rurais do Brasil; inscrições já estão abertas 

Por Redação, em 15/07/2021 às 10h31

Amplificar vozes de artistas e VR filmmakers negros e indígenas de periferias e zonas rurais de todo o Brasil. Este é o objetivo do Festival Imersivo das Favelas (FIF), que ganha sua primeira edição, em formato online e gratuito, nos dias 27, 28 e 29 de agosto. Durante todo o mega evento, a proposta é potencializar a atuação revolucionária de jovens inovadores que trabalham com tecnologias sociais, ancestrais, low tech e high tech, a partir das artes visuais e mídias imersivas.

Em sua edição de estreia, o FIF terá como obra principal a experiência “Na Pele VR”, primeiro documentário em realidade virtual interativo produzido no Complexo do Alemão, que estreado no IDFA 2020 – Doc lab Competition for Digital Storytelling e teve apresentação ilustre no festival South by Southwest, em Austin, no Texas. Com produção e estética afrofuturista da produtora Sete Léguas, em parceria com a escola GatoMÍDIA e Coletivo Papo Reto, os participantes poderão acompanhar talk shows e workshops ao vivo para aprender sobre as diferentes vertentes da realidade virtual, através de uma plataforma digital em 3D e 360°, que simula o contato presencial.

“A ideia após a criação do ‘Na Pele VR’ era fazer uma grande aparição no Brasil para chamar outros jovens negros e indígenas de periferias do Brasil a apresentarem suas produções visuais imersivas. Nós queremos ser um canal para abrir portas para esses artistas que são capazes de transformar a sociedade a partir de suas vivências e projetos”, explica a fundadora da GatoMÍDIA, Thamyra Thâmara.

O evento tem apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil e da FordFoudation, que desde o desenvolvimento do documentário no Morro do Alemão ajudam a financiar projetos que saem das periferias. Para complementar a experiência dos participantes, grandes personalidades engajadas em causas sociais confirmaram presença. Entre eles, o DJ Rennan da Penha e o criador da Batekoo Brasil, Mauricio Sacramento. Além disso, também integram o FIF Nina da Hora, referência do afrofuturismo, a ativista e comunicadora indígena Alice Pataxó, curadores de arte e designers da África do Sul e Senegal, como Dan Minkar e Thokozani Madonsela, entre outros convidados.

— O time de apoiadores tem o propósito de inspirar, neste período de pandemia, jovens artistas e ajudá-los a realizar sonhos. Nadando contra as perspectivas de vida que apontam aos favelados, queremos dar oportunidades a adolescentes e adultos que têm medo da violência policial, de não conseguirem ajudar a família e de não poderem se sentir realizados com as coisas que gostam de fazer — aponta Raull Santiago, fundador do Coletivo Papo Reto, que atua no Complexo do Alemão, e um dos idealizadores do FIF.

A chamada para submissão dos projetos começou na sexta-feira, dia 09 de julho, e deve ser feita pelo Google Formulário. Para participar, os jovens devem ter de 17 a 30 anos e estar desenvolvendo trabalhos contemporâneos que remixam artes visuais e tecnologias imersivas, como projeção mapeada, 360º, 3D, programação, animação ou games, levando em consideração a estética afrofuturista. Podem se inscrever artistas de todas as regiões do país, desde que sejam indígenas ou negros, e moradores de periferias e zonas rurais. O evento será aberto ao público em geral, sem necessidade de inscrição prévia. Pessoas que já tenham projetos em realidade virtual prontos, também podem entrar em contato com a produção do evento para apresentá-los no FIF.

— Queremos a participação de jovens artistas que trabalham com cinema, música ou tecnologia. Eles podem ter feito faculdade, curso técnico ou aprendido a mexer com tecnologia e artes por serem curiosos. Também são bem-vindos aqueles que já tentaram participar ou participaram de algum projeto da Lei Aldir Blanc e queiram mostrar seu trabalho para o mundo — complementa João Inada, criador do documentário “Na Pele VR” e fundador do coletivo Sete Léguas.

Serviço

Dia do evento: 27, 28 e 29 de agosto de 2021

Início da submissão de projetos: 09 a 31 de julho de 2021

Link de acesso: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfMbi_mroRnRjA207Z7P7pi5aFxUfe43dwliOuTQszSFr9pgg/viewform   

Preço: gratuito para jovens artistas e para a população em geral, que poderá acompanhar a programação através do site do FIF. Aqueles que não forem submeter projetos, não necessitam de inscrição prévia no evento.

Podcast Ronda Maré de Notícias #08 – 05 a 11/07/21

0

Moradores e entidades reunidas em um encontro para debater a questão de saneamento básico na Maré. A assinatura de um acordo entre Secretaria de Juventude do Rio e a Casa do Menor para dar assistência psico-social aos jovens do Jacarezinho. A nova leva de análises feitas pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, o CeSec, com base nos dados das abordagens feitas pela polícia militar e civil.

Estudante de oito anos lança livro na Escola Municipal IV Centenário, na Baixa do Sapateiro

Por Hélio Euclides, em 14/07/2021 às 11h26

Editado por Edu Carvalho

Na minha opinião, ser escritor não é apenas escrever livros, é muito mais uma atitude perante a vida, uma exigência e uma intervenção”, esse pensamento de José Saramago expressa o desejo de inúmeros escritores periféricos. Como muitos desses autores de histórias, a arte da escrita começa bem cedo. Um exemplo mareense é Alicia Rocha, de apenas oito anos, moradora da Baixa do Sapateiro e estudante na Escola Municipal IV Centenário, que transformou o desejo de escrever no livro ‘’O Menino e o Cachorro’’, com direito a momento de autógrafos, na manhã de ontem (13/07).

A pandemia mudou a rotina no mundo e atingiu principalmente professores e estudantes, que tiveram que se adaptar com aulas de forma remota e on-line. Com Alicia não foi diferente. O diferencial foi que ela transformou as aflições infantis em livro. A menina tinha como sentimento a saudade do pai, que por trabalhar na área da Saúde como enfermeiro, ficava muitas horas longe de casa. Na história, ele se tornou um herói para a criança. Outra figura da obra é um cachorro, que retrata muitos animais que estão abandonados na Maré. 

O pai e a mãe de Alicia estudaram na EM IV Centenário, e contam que se emocionam com os dois filhos seguindo os mesmos caminhos. Ambos esperam que a filha siga o desejo de sempre escrever. “Estamos alegres pelo interesse que ela tem pela leitura. Fazer parte da história dela foi uma surpresa. Essa repercussão serve como incentivo para que esse seja o primeiro de muitos”, conta Lucas Pereira, pai da escritora. Sua mãe lembra do talento precoce da menina. “Esse momento é muito importante, o interesse pela escrita começou desde pequenininha quando gostava de escrever cartinhas. Esse livro é de mérito dela, que além de escrever ainda fez os desenhos. No original foi ela que fez os furinhos e com fitilho uniu as folhas. Depois sempre o pegava para ler”, detalha Jussara de Lima, mãe de Alicia.

A cerimônia de lançamento do livro trouxe emoção para toda a escola, onde a Alicia cursa o segundo ano. “O incentivo à escrita e à leitura nasce de um projeto de produção textual, que começou em 2019. Mostramos aos alunos o sítio de Monteiro Lobato, que ficaram encantados com os personagens. Algo realizado via contação de histórias”, expõe Verônica da Silva, professora da sala de leitura. A docente avalia que o livro exalta a leitura infantil. “Percebemos que o isolamento social trouxe uma grande ausência da escola na vida das crianças, principalmente na escrita e leitura. Hoje incentivamos que o aluno leve um livro para casa, leia para a família, sendo uma viagem nos lares, isso tira o foco da televisão e da tecnologia, tão massificados na pandemia”, conclui.

Na vida de Alicia, Deise Barros está presente desde os três anos de idade, como explicadora, realizando o reforço escolar. “Emoção em ver o esforço dela. Tenho muito orgulho e o livro me surpreendeu pela iniciativa dela de criá-lo em casa”, diz. Para a divulgação, a escola apoiou o projeto da Alicia e organizou a impressão. “Percebemos a vontade da leitura e escrita, algo muito importante. O papel da escola é estimular esse desejo e incentivar a continuidade na vida da criança”, resume Alessandra Aguiar, diretora da EM IV Centenário.

No evento, a escritora mirim relembrou como nasceu o livro. “Eu sentia saudades do meu pai, e conversava com ele por telefone. Transformei o sentimento em imaginação para escrever a história. Penso em escrever o próximo livro sobre países e cidades”, revela Alicia. A menina dá dica para os novos escritores. “É importante tentar construir uma história, para isso o conhecimento da leitura vai colaborar para entender e ter boa imaginação”, finaliza.

Para quem desejar conhecer o livro, a autora doou um exemplar para a Sala de Leitura Maria Clara Machado, espaço infantil da Biblioteca Popular Lima Barreto, que fica na Rua Sargento Silva Nunes, 1014, na Nova Holanda.

Destacamento de salvamento da Praia de Ramos pode ser desativado

0

Militares alertam para o fim da unidade de prevenção de afogamentos 

Por Hélio Euclides, em 13/07/2021 ás 15h40

Editado por Edu Carvalho

No final do mês de junho, a Rádio Tupi divulgou reportagem mostrando que o Corpo de Bombeiros iria desativar o quartel da corporação localizado no bairro de São Cristóvão, informação confirmada pela assessoria de imprensa dos bombeiros. A reformulação não atingirá apenas o grupamento de fogo, segundo militares da instituição e moradores, o destacamento de salvamento localizado no Piscinão de Ramos será o próximo a encerrar suas atividades.

O Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro vem realizando uma reestruturação do planejamento operacional das unidades. No início de julho, um dos militares lotados no Destacamento 2/Marítimo da Praia de Ramos foi realocado em outra unidade. Segundo colegas da corporação, esse foi o primeiro passo. “O ato não vai mudar o nosso salário, mas mexe com nossas vidas, pois gostamos desse ambiente de trabalho e não sabemos para onde vão enviar a gente. Acredito que podem não fechar, mas vão colocar no lugar uma empresa privada de guardião de piscina”, comenta o bombeiro que preferiu não se identificar.

Um outro colega destacou que há militares lotados há mais de 20 anos no destacamento e que a unidade já funcionava antes da criação do piscinão. “Quando o trabalho era realizado pela Polícia Civil, antes de 1984, esse destacamento já funcionava. Passou para o Corpo de Bombeiros e continuou. Uma pena que essa história possa ser interrompida no dia 30 de julho, quando está previsto o anuncio em Diário Oficial estadual”, conta. O contingente da unidade é de 30 bombeiros militares.

Com a suposta “privatização” ou desativação do destacamento, a população local vai perder o socorro de doentes, o combate ao incêndio e o atendimento imediato aos esportistas, com vidas salvas em segundos. “Estão aqui há muitos anos. Com o destacamento próximo, os bombeiros são acionados e há a resposta de imediato, além de usarem a ambulância da unidade para socorrer moradores, com mais chance de vida pela rapidez no atendimento. Sem esquecer o projeto Botinho, que além de ensinar crianças a nadarem, ainda ajudam na formação de futuros atletas”, expõe Heloisa Gomes, moradora da Praia de Ramos. Há previsão de manifestações para os próximos dias, quando moradores estudam ocupar a Avenida Brasil.

Uma história que começou no século passado

Antes da construção do Piscinão de Ramos, a praia ficou abandonada por muito anos. Contudo o destacamento fazia o seu papel de monitorar o mar. Osni Pinto realizou o trabalho acadêmico ‘’Elementos Históricos da Prevenção do Afogamento no Brasil“, no qual retrata a chegada dos bombeiros ao destacamento. “Em 1984, o governador do Estado, Leonel Brizola, passou a competência e atribuições do Corpo Marítimo de Salvamento para o Corpo de Bombeiros. Em 16 de outubro de 1984, foi ativado o Grupamento Marítimo, com base operacional em Botafogo e três destacamentos principais: Ramos, Copacabana e Barra da Tijuca, mantendo em suas estruturas os Centros de Recuperação de Afogados anteriormente criados, de forma a estabelecer atendimento integrado entre o resgate realizado nas praias e o atendimento médico”, destaca.

Mesmo com decisão que restringe operações, Instituto Fogo cruzado aponta alta na violência

0

Grande Rio enfrenta explosão de mortes por armas de fogo no primeiro semestre deste ano

Por Edu Carvalho, em 13/07/2021 às 10h25

Poderia ser diferente: em junho do ano passado, uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin limitava as operações policiais, em grande parte, nas favelas e periferias do Rio de Janeiro, sob a justificativa da pandemia do coronavírus, hoje em seu segundo ano. O feito virou um marco para entidades e instituições marcadas pela luta à vida e segurança pública, e o que era nomeado como ADPF 635 passou a ser chamada de ‘ADPF das Favelas’. 

Só que um ano depois, a ação parece ter sido simplesmente ignorada, e o que atesta a realidade são os números. Segundo o mais recente relatório lançado pelo Instituto Fogo Cruzado, divulgado ontem (12), a população na Região Metropolitana do Rio de Janeiro teve que enfrentar um aumento desordenado da violência armada, registrando uma média de 15 tiroteios por dia. 

Dados do relatório disponibilizado pelo Instituto Fogo Cruzado apontam que ações de rotina e operações policiais aumentaram significativamente neste ano (7%), inclusive com crescimento do número de mortes por armas de fogo nessas ações (19%). 

Em maio deste ano, o Jacarezinho foi palco da operação mais letal da história do Rio de Janeiro, que terminou com 28 pessoas mortas. O panorama aponta que ações policiais de alta letalidade mantiveram a rotina e, só nesse semestre, cresceram 67% se comparadas ao mesmo período de 2020.

“Outra tendência importante que ajuda a caracterizar o comportamento atual das polícias do estado do Rio de Janeiro como desrespeito às decisões no âmbito da ADPF são as ações policiais que resultam em três ou mais mortos civis, classificadas pelo Fogo Cruzado como chacinas. Todas essas chacinas são casos que escancaram a tendência de recrudescimento da violência policial na região metropolitana do Rio e colocam em xeque a capacidade das instituições que deveriam exercer o controle sobre o uso da força. Na ausência de respostas efetivas, a tendência clara é de escalada de mortes”, comenta Maria Isabel Couto, diretora de programas do Instituto Fogo Cruzado.

Em 2021, o Leste Fluminense, apesar de estar em terceiro lugar no ranking de tiroteios (594), atrás da Zona Norte (871) e da Baixada Fluminense (630), liderou a lista de disparos feitos na presença de agentes, assim como no número de mortos e também no de feridos no Grande Rio. Nesses últimos seis meses, a região, que foi palco do maior número de tiroteios envolvendo policiais do Grande Rio (34% do total), acumulou o mais alto risco de morte para a sua população. Metade dos casos de disparos de arma de fogo deixaram mortos e/ou feridos.

O que acontece na Baixada não pode ficar na Baixada

De acordo com os dados, a Baixada Fluminense foi a região que concentrou mais chacinas – quando há três ou mais pessoas mortas por arma de fogo no mesmo caso. Nos últimos seis meses, das 37 chacinas que aconteceram no Grande Rio, 32% delas foram nos territórios. 

Ainda de acordo com o levantamento, as chacinas aumentaram seis vezes e o número de mortes subiu mais de oito vezes na região. Já as regiões sul e oeste apresentaram queda, tendo destaque a última, que caiu 20% nesse período em comparação aos mesmo de 2020.

Vidas em risco 

O policial civil André Frias foi morto a tiros durante a operação policial no Jacarezinho. Além dele, o Instituto Fogo Cruzado registrou 94 agentes de segurança baleados na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 38 morreram e 56 ficaram feridos. O número de baleados já é 27% maior que o registrado no mesmo semestre de 2020. Cerca de 44% dos agentes foram atingidos quando estavam em serviço, o que indica que as operações policiais são um risco para toda a comunidade.

“Esse cenário é resultado de escolhas políticas falidas, que oferecem violência policial ou abandono como resposta à insegurança crônica que afeta o Rio de Janeiro. Enquanto nossos governantes não passarem a, de fato, cuidar da sua população, oferecendo condições dignas de vida, oportunidades e atuando com inteligência, infelizmente mortes como as de Kathlen Romeu e Thiago Freitas de Souza continuarão sendo rotineiras”, aponta Maria Isabel Couto.

A jovem Kathlen Romeu, 24 anos, grávida de 14 semanas, foi atingida com um tiro de fuzil no tórax, no Conjunto do Lins, quando visitava a avó. O fotógrafo Thiago Freitas de Souza, 32 anos, foi alvejado em Niterói após pedir silêncio para que o seu bebê pudesse dormir.

ADPF de volta ao plenário do STF

No início de julho, o ministro Edson Fachin determinou que o Ministério Público Federal apure se houve descumprimento da decisão que restringe operações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia.

No despacho, Fachin acatou o pedido dos representantes da ação – nomeada por entidades, coletivos e instituições de direitos humanos no Rio como ‘ADPF das Favelas’ – dando acesso às comunicações das operações policiais e relatórios finais das incursões.

No entanto, o ministro fez ressalvas para casos em que “haja informações de inteligência que não digam respeito ao cumprimento, pelo governo fluminense e pelo MPRJ [Ministério Público do Rio de Janeiro], das decisões cautelares proferidas no âmbito desta ADPF”.

Território de memórias: As historiadoras obstinadas

0

“Pro mundo em decomposição. Escrevo como quem manda cartas de amor”.

Por Ana Clara Alves

Minha avó se chama Josenita Fernandes Paiva nos documentos, inclusive na minha certidão de nascimento, mas é chamada por todos de Dona Edinha. Ultimamente eu estou chamando ela de baú de memórias, das minhas e das dela, que são paralelas e se cruzam em alguns momentos. 

Descobrir que nossas narrativas são paralelas, mas não iguais, e ver a luta dela para que nenhuma mulher da família que viesse depois tivesse a mesma narrativa, que não sofresse nem o pingo do que ela passou. Preenchi um buraco e abri outro.  

Minha família veio do interior do estado da Bahia, minha mãe disse que da cidade natal dela dava pra ver o Monte Pascoal, Itamaraju. Eu não sei se realmente dá, mas ela se orgulha em dizer que dá e que foi o primeiro pedaço de terra visto pelos invasores portugueses, também não sei se é verdade. 

Mas aqui vai uma verdade que descobri nesse reconhecimento: Minha avó sempre costurou a vida com fios de ferro, parafraseando Conceição Evaristo.

O fio de ferro da minha avó foi a educação. Uma mulher preta do interior da Bahia, filha mais velha de 7 – criou os seis irmãos, mãe de 4 – por mais que uma tenha se ido, avó de 3 garotas e bisavó de 1. Estudou só até a quarta série, mas faz as contas de cabeça e me ensinou a tabuada. Ajudou minha mãe em todo o meu processo de alfabetização – a ver as horas e as cores… –  e quando chegou o momento em que ela não “conseguiria me ajudar pelo nível escolar dela”, ela continuou. Nem que fosse pra ficar sentada enquanto outra pessoa me explicava, mas ela estava lá. 

Me lembro de estar sentada na mesa da cozinha com ela do meu lado e com os livros que foram dos meus tios e da minha mãe ali. Lembro disso durante o fundamental, durante o ginásio – onde o grande desgosto e respeito pela matemática apareceu, durante o ensino médio e principalmente durante o vestibular. Minha avó é uma das maiores inspirações da minha vida e sempre fez questão de deixar claro que o fio de ferro que ela costurou a vida seria mais leve para mim. 

Durante a pesquisa, que foi um um processo intenso de diversas formas, eu me reconheci e aprendi a reconhecer a Josenita, que é muito mais que minha avó. 

Aprendi a vê-la como mãe, filha, irmã e, principalmente, como mulher. Uma mulher que agarrou todas as oportunidades que a vida lhe ofereceu e fez um para costurá-la. Um fio de ferro.

Se fosse para descrever o sentimento de participar da coletiva e da exposição eu diria que precisamos chamar o Emicida e tocar AmarElo e citar bastante bell hooks, ter um pouco de Taís Amordivino e agradecer a Conceição Evaristo e à imensa biblioteca que a Julie montou. Agradecer a todos eles não só pela influência na pesquisa, mas também na vida. E o fato de ter vivido momentos bem intensos do lado de pessoas que eu amo tão profundamente. Eu sei que toda vez em que ouvir alguma faixa de AmarElo ou esbarrar com o nome de alguma dessas autoras, isso vai me trazer alguma memória desses encontros. 

Começaria com a faixa Principia, rememorando 2018 – onde tudo ainda era meio mato e meio Festival Mulheres do Mundo WOW -, e depois iríamos para Eminência Parda, para a minha própria eminência na verdade que entraremos em algum tópico ou não. E vim parar em uma pesquisa que começou em 2019, que talvez a faixa seja A Ordem Natural das Coisas e o último capítulo de No seu pescoço de Chimamanda Ngozi “a historiadora obstinada”, mas aqui vamos colocar no plural: as historiadoras obstinadas. Ana Clara, Julie Any, Stefany, Rayanne, Lorena e todas as mentoras ao longo dos anos.

Agradecer à Kelly Marques e ao Daniel Remilik por acharem que seria a melhor coisa do mundo reunir 15 adolescentes, isso em 2018, que nem se conheciam direito, com personalidades fortes e mil e uma diferenças. Facilitaram um caminho e, como em todo percurso, algumas ficam por sentirem que finalizaram ali o seu caminho e outras continuam. No fim, acabaram juntando esses jovens que querem e contam suas histórias, mas que buscam no passado coisas para se protegerem no presente. Para eles: Cananéia, Iguape e Ilha Comprida.

À Juliana Sá, que me ensinou tanta coisa que tenho a sensação de que nunca agradeci. Ju foi quem deu o start na faixa A Ordem Natural das Coisas, deu a ideia de pesquisar as nossas famílias e acolheu quando o processo foi dolorido. Já aqui nessa mesma faixa também podemos agradecer a Tais Amordivino pelo incrível filme Motriz e por nos explicar, já em 2020, o que a gente estava sentindo desde de 2018. “Você sabe a diferença entre saudades e falta?”, eu não sabia até aquela conversa no WOW 2020, a saudade pode ser “matada”, mas a falta pode ser preenchida? Alguns professores aceitam atestados médicos para isso, a gente achou que, catucando, o buraco preencheria. 

À Luana, por ter me mostrado uma nova forma de me expressar. E eu não fui a melhor aluna. Por ter lembrado o porquê do texto Vivendo de Amor de bell hooks ter que ser sempre revisitado e que, às vezes (ou sempre), eu posso deixar meu corpo Libre assim como a minha mente. E por reforçar que nem todo buraco é bom de se enfiar, em alguns casos, é melhor deixar as coisas do jeito que estão. E, especialmente, por, em um momento tão difícil, atar alguns nós frouxos nas pesquisas e em nós mesmas.

Lu, também te dedico um capítulo de Olhos d’água de Conceição, pois você me lembrou de um pacto silencioso que vem com o nosso nascimento: A gente combinamos de não morrer.

À Casa das Mulheres por nos abrigar e ajudar a fechar um ciclo de pesquisas e concretizar um sonho.

Para a Coletiva Maré de Nós, um agradecimento pela experiência e por conseguir preencher um buraco, abrir outro e a me reconhecer.

Porque a minha experiência foi essa. Reconhecer-me como a menina magra, de cabelo quase sempre rebelde, sorrindo nas fotos e nas histórias da minha avó. 

“elas se tornaram mais vis, eram gritadas por minhas ancestrais, por Donana, por minha mãe, pelas avós que não conheci, e que chegavam a mim para que as repetisse com o horror de meus sons, e assim ganhassem os contornos tristes e inesquecíveis que me manteriam viva.”

Torto Arado, Itamar Vieira Junior.

Para a minha coletiva, minha mãe, minha avó e todas as ancestrais que me deram um fio de ferro.

Registro durante prática corporal na Casa das Mulheres | Foto: Bia Pires