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Ministério Público cria canal para receber denúncias de abusos policiais

Após Audiência Pública da ADPF das Favelas, Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) cria canal para receber denúncias de violências e abusos durante operações policiais no Rio

Por Daniele Moura em 17/05/2021 às 12h

O serviço vai funcionar em plantão de 24h para que os abusos policiais sejam denunciados de imediato às autoridades. A iniciativa foi anunciada em reunião do Ministério Público do Rio com a presença de representantes do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, da Redes da Maré, da Justiça Global, da Unisol, da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência e do Movimento Negro Unificado.

O promotor Reinaldo Lomba, coordenador-geral de Segurança Pública e do Grupo Temático Temporário do MPRJ, lembrou que possíveis abusos policiais cometidos fora do contexto da operação deverão ser encaminhados à Ouvidoria do Ministério Público. “O grande diferencial da iniciativa é permitir que um promotor de Justiça atue imediatamente para evitar ou conter eventuais violações de direitos que possam ocorrer em operações policiais. Nem todos os casos vão permitir que isso aconteça, pois por vezes é difícil para a pessoa que está denunciando ter informações que possam levar a esta ação. Mas, desde o último dia 4 de maio, temos esse canal direto de acesso para notícias de violação de direitos no curso de operações policiais e para coleta de informações complementares e registro de evidências que permitam um contato imediato com os órgãos de comando e controle das forças policiais”.

O coordenador-geral de Segurança Pública explicou que, a partir do recebimento da denúncia, existe um protocolo de atuação, que inclui o mapeamento de instituições que possam auxiliar na tarefa de atendimento das demandas. O fluxo prevê a elaboração de um relatório preliminar, com a verificação de dados da operação policial, que é encaminhado ao promotor natural e alimentará o banco de dados do MPRJ.

Desde 2017, a partir de monitoramento dos confrontos armados na Maré, houve 78 mortes decorrentes das 112 operações policiais. São 78 vidas perdidas por uma lógica bélica da segurança pública que não tem trazido resultados na diminuição de crimes, segundo a 5a edição do Boletim de Segurança Direito à Segurança Pública da Maré, levantamento feito pelo projeto De Olho na Maré, da Redes da Maré.

Operações na pandemia

A pandemia afetou drasticamente a população de favela e de periferias, escancarando as desigualdades históricas enraizadas nesses territórios. Desde o início das medidas de restrição, moradores e instituições da Maré denunciam o descaso do poder público frente às dificuldades do acesso a direitos indispensáveis para o controle da pandemia, como a falta de equipamentos nos serviços de saúde; precariedade no fornecimento de água; ineficiência da política de assistência social para garantir o direito ao isolamento; falta de uma política pública de segurança alimentar durante a emergência sanitária e ações da política de segurança pública, que contrariam as orientações de prevenção ao vírus.

Entre março e abril de 2020, período no qual o município do Rio de Janeiro e particularmente a Maré chegaram próximo ao primeiro pico de contaminação pela covid-19, foram realizadas cinco operações policiais nas favelas da região, frequência superior ao mesmo período em 2018 e 2019.

Este ano em 6 de maio, uma operação policial deixou 28 mortos no Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro. Foi a mais letal da história do Rio.

ADPF das Favelas

Foi neste contexto pandêmico que medidas judiciais romperam a lógica das operações policiais como solução para o problema da segurança pública no Rio. Assim como aconteceu em 2017 – com a Ação Civil Pública (ACP) da Maré, que determinou medidas protetivas nas ações policiais –, em junho de 2020 outra decisão levou à diminuição dos impactos negativos da política de confronto. O ministro do STF Edson Fachin determinou a suspensão da realização de operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante o período de pandemia, salvo em casos excepcionais devidamente relatados e acompanhados pelo Ministério Público. Para que ocorram, devem ser adotadas medidas que não exponham a população a risco ainda maior nem impeçam a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária realizadas por moradores e organizações que atuam nesses territórios. Essa decisão foi tomada liminarmente, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) 635, chamada de “ADPF das Favelas” e protocolada em novembro de 2019.

Os dados de 2020 confirmam os impactos favoráveis da decisão do STF na vida da população mareense. Em 2019, foram registradas 39 operações policiais na Maré, um aumento de 144% em relação a 2018. Porém, com a suspensão das operações durante a pandemia, houve uma redução de 59% neste número, passando de 39 para 16 em 2020. Ainda que tenham sido registradas cinco mortes e 17 pessoas feridas por arma de fogo, houve, segundo o Boletim, uma diminuição de 85% no número de mortes em operações policiais em relação a 2019. Um saldo de 29 vidas mareenses salvas.

Essas vitórias são frutos da mobilização dos moradores de favelas, das organizações e dos movimentos sociais que atuam na Maré. Shirley Rosendo é coordenadora de mobilização do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, mora no território desde que nasceu e sabe da importância dessa luta: “Temos que celebrar e continuar insistindo na ACP e na ADPF, pois são esses instrumentos jurídicos, junto à força dos moradores, que podem vir a tornar possível e real o pleno exercício de direitos, seja ele segurança ou qualquer outro.”

Desde a decisão do Supremo Tribunal Federal que impôs regras para incursões em favelas durante a pandemia, mais de 500 operações das polícias do Rio foram comunicadas ao Ministério Público. Destas ações, 44 viraram inquéritos. Até agora, um ano depois da determinação do STF, nenhuma investigação foi concluída .

O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para o próximo dia 21 de maio o julgamento de um recurso sobre operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia. Relator do caso, o ministro Edson Fachin submeteu o recurso ao plenário virtual da Corte no mesmo dia em que uma operação policial no Jacarezinho, Zona Norte do Rio, resultou na morte de 25 pessoas.

Coleta de resíduos sólidos é a chave do próximo Encontro de Saneamento da Maré

Nesta terça-feira, moradores das 16 favelas da Maré poderão compartilhar quais as suas demandas sobre saneamento básico para o bairro

Por Mariane Rodrigues, em 17/05/2021 às 11h
Mobilizadora territorial do projeto Maré Verde e do Eixo de Desenvolvimento Territorial da Redes da Maré e assistente de coordenação e comunicação do projeto Conexão Saúde
Editado por Andressa Cabral Botelho

No dia 18 de maio acontecerá o IV Encontro de Saneamento da Maré, que busca traçar estratégias, compartilhar saberes e nos fazer refletir sobre as questões sobre o saneamento básico, com um olhar de dentro, do nosso território. O evento é uma iniciativa dos projetos Cocôzap (data_labe) e Maré Verde (Redes da Maré) e tem como a questão do descarte de resíduos sólidos o ponto chave deste encontro.

No ano passado, em meio a pandemia, o encontro atualizou a Carta de Saneamento da Maré, que tem por objetivo reunir diversas reivindicações dos moradores sobre saneamento. O documento faz parte das agendas locais 2030, organizadas pela Casa Fluminense, e foram apresentados aos candidatos à prefeitura nas eleições de 2020.

A Carta trouxe alguns dados esquematizados, mas que podem ser sentidos diariamente pelos moradores da Maré. Um deles é que cerca de 417 domicílios ainda possuem água apenas na parte externa, onde 453 pessoas não possuem acesso a esse bem comum.

A carta e os temas em debate

Os pontos mais importantes da carta seguem divididos a partir dos grupos de trabalhos que desenvolveram cada tema no primeiro encontro de saneamento em 2019: 1. Esgoto e Baía de Guanabara; 2. Abastecimento de água e manejo de água pluvial; 3. Resíduos sólidos e 4. Saúde e bem estar. Todos esses temas buscam aprofundar demandas locais quando pensamos no saneamento básico na Maré.

Resíduos sólidos é o ponto norteador do próximo Encontro de Saneamento da Maré e está relacionado com todos os outros temas tratados nos encontros anteriores. No documento, questiona-se que os serviços da Comlurb não tem investimento proporcional ao crescimento da Maré, o que causa uma defasagem no sistema de coleta. O acúmulo de lixo nas ruas provoca o entupimento dos bueiros em dias de chuva e ainda contribui para a propagação de doenças. Um dado importante em destaque na Carta de Saneamento é que aproximadamente 55% das reclamações na Central de Atendimento ao Cidadão na Maré são sobre a proliferação de roedores

Uma demanda urgente é a criação de alternativas para o descarte de lixo, com ajuste nas escalas de horários de coleta e pontos apropriados para realizar esse descarte. Ainda sabemos que é extremamente necessária a promoção de atividades de educação ambiental para que a população possa repensar seus modos de lidar com essas questões e entender seus direitos e deveres.

Esgoto e Baía de Guanabara é um dos mais importantes para os que vivem na Maré, pois afeta diariamente a vida de cerca de 140 mil moradores. Na carta, entendemos que transbordamento de esgoto e valões e gestão de resíduos contemplam as problemáticas que devemos enfrentar para que possamos atingir qualidade de vida da população. Entre as sugestões dos moradores, podemos destacar a necessidade de criação de estratégias de mobilização comunitária, que envolvam nesse assunto jovens, ativistas locais, ONGs, postos de saúde e os demais grupos da comunidade. Além disso, é fundamental o compromisso do poder público em promover políticas que garantam que o esgoto da Maré seja tratado, bem como apoiar ações no entorno dos valões.

Abastecimento de água e manejo de água pluvial traz questões sobre a infraestrutura de abastecimento, distribuição de água, inundações e o cuidado que temos de ter frente aos nossos recursos hídricos.

No III Encontro de Saneamento, os moradores relataram que a maioria das queixas junto às associações são sobre a CEDAE. Uma das alternativas apresentadas é a adoção de soluções sustentáveis para os problemas das enchentes e alagamentos, como pisos drenantes e jardins de chuva. A carta ainda nos lembra que a Maré tem um sistema público de encanamento da década de 1960 e que não supre a demanda atual dos moradores. Outra questão fundamental é a disponibilização dos mapas de abastecimentos de rede de água e esgoto, para estudos aprofundados e a criação de políticas públicas mais efetivas para solucionar esses problemas estruturais.

Em Saúde e bem estar, refletimos sobre as consequências dos modelos e estilos de vida impostos pelo déficit de saneamento básico. A grande quantidade de vetores transmissores de doenças, como os ratos e mosquitos, também é uma queixa relatada pelos moradores. Um dado importante dessa conversa é que os espaços de convivência costumam ser muito próximos a locais com acúmulo de muito lixo, áreas extensas bem próximas a escolas, praças e locais onde pessoas se exercitam diariamente. A carta reforça a necessidade do poder público pensar em melhorias no atendimento das Clínicas da Família e maior atenção a campanhas preventivas, para que os moradores se sensibilizem aos cuidados necessários em cada época de risco à saúde.

Aqui fica o nosso convite para que você se aproprie dessas informações, acessando na íntegra a Carta de Saneamento e participando conosco do próximo encontro. Para pensarmos juntos em outras formas de cuidar de nós e de onde vivemos, criando propostas reais de enfrentamento dos nossos problemas, traçando possibilidades de uma Maré melhor.

Você pode acessar a carta nos sites da Redes da Maré, Casa Fluminense e Data_labe. Para se inscrever, basta preencher o formulário e basta acessar o link da sala na plataforma Zoom, que será enviado por e-mail, whatsapp e também estará disponível no Instagram @cocozapmare

De vassoura na mão, garis não deixam o lixo no chão

Profissionais da limpeza enfrentam desafios do dia a dia com amor à profissão

Maré de Notícias #124 – maio de 2021

Por Hélio Euclides

Quando realizou o primeiro serviço de limpeza urbana, em 1876, a pedido do imperador Dom Pedro II, o francês Pedro Aleixo Gary não imaginava que o seu nome ainda seria diariamente lembrado, 145 anos depois. São os garis – homens e mulheres – que recolhem o lixo e limpam diariamente as cidades do Brasil os homenageados do dia 16 de maio, data instituída pela Lei Municipal n° 212, de 1962.

Os garis são profissionais socialmente invisíveis (ou ignorados) pela população por desempenharem um trabalho que não infere glamour e status, embora seja de extrema importância. Para o doutor em psicologia Fernando Braga da Costa, o fenômeno da invisibilidade social se dá a partir de dois fatores: coisificação e humilhação social. Na coisificação, ele entende que a pessoa é o que ela produz. Como consequência disso, vem a humilhação social. Segundo o pesquisador, o gari e o lixo seriam um único elemento, o que permitiu a ele entender o porquê de as pessoas ignorarem ou tratarem esses servidores municipais como profissionais inferiores.

Basta lembrar o episódio ocorrido durante a cobertura jornalística do Réveillon de 2009, na qual o jornalista Boris Casoy ofendeu dois garis ao fim do telejornal: “Dois lixeiros desejando Feliz Ano Novo do alto de suas vassouras. O mais baixo da escala de trabalho”. À época, a TV Bandeirantes e o âncora foram condenados a pagar R$60 mil a Francisco Gabriel de Lima, um dos garis que apareceram na imagem.

Embora a fala do jornalista tenha rebaixado os profissionais e reforce a tese do pesquisador, os garis são trabalhadores primordiais e a interrupção de seus serviços leva as cidades ao caos. Basta lembrar o carnaval carioca de 2014: depois de terem o pedido de aumento de salário negado, os profissionais da limpeza fizeram greve, o que fez com que a cidade transbordasse de lixo em meio à folia. Foi preciso o incômodo coletivo para que a população notasse a importância de quem está à frente da limpeza pública.

A relevância do trabalho dos garis foi o que impulsionou, no início de abril, a aprovação do Projeto de Lei n° 1.011, que pôs esses trabalhadores no grupo prioritário para receber a vacina contra a covid-19. “Achei isso maravilhoso, uma vez que os nossos serviços não pararam. Nosso trabalho é de suma importância para a saúde de nossa cidade”, diz Valdenise Brandão, mais conhecida como Val, que atuou em diversos espaços na Maré.

Diferentemente do que o senso comum imagina, os garis atuam em outras frentes além da coleta domiciliar, como varrição manual e mecanizada, limpeza de hospitais e escolas, roçada, capina e raspagem, limpeza das praias, podas de árvores, coleta seletiva, remoção de resíduos de encostas e manutenção de parques, canteiros e jardins. A ação da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) pode-se notar, por exemplo, nos locais de descarte indevido de lixo que se transformaram em canteiros. “Atuar na Maré é um grande prazer e também um desafio. No território, eu trabalhava com revitalização de pontos críticos de acúmulo de resíduos”, conta Val, que hoje faz reviver as praças através de pintura e plantio. Segundo ela, há muita satisfação em dar vida e cores aos espaços. 

A Comlurb nasceu depois da fusão do Estado da Guanabara com o do Rio de Janeiro, com a extinção da Companhia Estadual de Limpeza Urbana (Celurb), em 1975. Criada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, hoje ela é uma companhia vinculada à Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (no período de sua criação, ela fazia parte da Secretaria Municipal de Obras).O Maré de Notícias, na edição 105, de outubro de 2019, trazia a história de Jaqueline Macena, cuja família é composta por garis e que conheceu seu companheiro, Jeferson dos Santos, no trabalho. Hoje, ela conta a felicidade da espera do seu segundo filho e da sua vivência de 12 anos como gari. “Eu me orgulho muito da profissão, amo o que eu faço. Só fico desanimada quando vejo moradores que descartam o lixo em qualquer lugar”, diz. Ela trabalhou por sete anos na Nova Holanda e agora faz o serviço de varrição na Praia de Ramos. Jaqueline lembra que a maior dificuldade em sua rotina são as operações policiais, que já a deixaram em situações delicadas. Contudo, isso não a faz desistir, pois seu objetivo maior é deixar a rua limpa, algo que pretende fazer por toda sua vida.

O casal Jeferson dos Santos e Jaqueline Macena no trabalho antes da pandemia – Foto: Douglas Lopes

A limpeza com um sorriso no rosto

“Viva o Gari Sorriso. Saudações pra essa galera, que rala na chuva, no sol, nas enchentes. Não tem tempo ruim, pra manter nossa cidade limpa”. Esse é o refrão da música Gari Sorriso, do cantor e compositor Bhega Silva, morador do Parque União, em homenagem a um dos profissionais da área mais conhecidos do país: Renato Luiz. Mais conhecido como Sorriso, ele se destacou em 1998 ao varrer a Marquês de Sapucaí depois do desfile de cada uma das escolas de samba do Grupo Especial, sempre com o samba nos pés. Resultado: o público não parou de aplaudir o show do gari.

Depois disso, por conta de doenças, apenas em dois anos ele não repetiu seu espetáculo no palco maior do samba. “Na madeira dá cupim e no ferro, ferrugem. Nós, garis, nos esforçamos ao máximo para realizar um bom trabalho, mas, às vezes, o corpo não suporta”, desabafa. Sorriso já participou de diversos programas de televisão, além de viajar para mais de 14 países. Ele chegou a ser um dos escolhidos para carregar a tocha olímpica nos preparativos da Rio 2016. Mas confessa: a sua maior felicidade é tomar café com os colegas garis. 

Além de varredura, o gari também exerce a tarefa de conscientização, quando visita escolas nas favelas, incluindo as da Maré. “Trabalhamos com as crianças para que elas aprendam que a rua limpa traz bem-estar. Isso chega até os pais. Um exemplo é o óleo usado, que não deve ser jogado no lixo. Na Maré, nosso amigo Bhega faz a coleta. É preciso cuidar do meio ambiente, pois a natureza cobra”, explica. Sorriso confessa que a vassoura não é vergonha e sim, uma responsabilidade.

Legenda: Renato Luiz, o Sorriso, durante o carnaval na Marquês de Sapucaí – Foto: Comlurb

Um lixo no meio do caminho

De acordo com a Comlurb, são recolhidas, diariamente, em todo o município, entre 200 mil e 250 mil toneladas de resíduos sólidos – incluídos lixo domiciliar e público, resíduos de construção civil e remoção gratuita. Na Maré, são 50 trabalhadores comunitários e 76 garis da própria companhia. Os trabalhos são realizados com apoio de oito microtratores, duas pás carregadeiras, seis caminhões compactadores e oito caminhões basculantes, entre outros equipamentos. Os moradores do território contam com oito caixas metálicas de 5m³, oito compactadoras de 15m³, duas de 30m³, além de 105 contêineres para o descarte de resíduos. O número de caçambas ainda é pouco; são comuns os equipamentos cheios de lixo e muitos resíduos espalhados chão.

Apesar de a companhia afirmar que os serviços de limpeza são diários na Maré, incluindo coleta domiciliar duas vezes ao dia, presidentes de associações reclamam de falhas em algumas partes, o que ocasiona acúmulo de resíduos em pontos da região. “A Comlurb está dentro da Maré, mas hoje faz um trabalho um pouco precário, com falta de material humano, caminhão e trator para recolher o lixo”, reclama Vilmar Gomes, mais conhecido como Magá, presidente da Associação do Rubens Vaz.

Outro problema é o tratamento diferenciado que garis comunitários vivenciam, em comparação aos concursados. “Gosto de trabalhar, não posso ficar parado. Apesar de fazer o mesmo serviço de outros garis, não tiro férias e não temos direito ao ticket refeição”, reclama Edinaldo Pereira, de 65 anos, que atua como gari comunitário há 23 anos. Ele faz a varrição da Praça do 18, parte da Rua Principal e outras ruas da Baixa do Sapateiro.

O projeto Gari Comunitário foi criado em 1995 com o objetivo de permitir que moradores das próprias favelas fossem contratados pela associação de moradores para desempenhar funções de limpeza (sem a necessidade de utilização de transporte para locomoção ao trabalho), com boa interlocução, tendo conhecimento geográfico da área e das necessidades territoriais. Além de haver uma diminuição natural de mão de obra em função de aposentadoria e óbito, a Comlurb vem reduzindo, gradativamente, a quantidade de garis comunitários, atendendo a uma decisão judicial do Ministério Público do Trabalho, de 2010, para que sejam substituídos por garis concursados da Companhia.

A Associação Círculo Laranja, fundada em 2015 por profissionais da limpeza urbana, fez críticas à Comlurb durante a pandemia. Aline Lucena, diretora jurídica da entidade, afirma que álcool em gel e máscaras foram distribuídos nas gerências apenas no início da pandemia. Outro ponto levantado é a escala de revezamento, que foi extinta. “Muitos garis do grupo de risco, assim como eu, não foram liberados do trabalho porque a empresa não aceitou os laudos apresentados, comprovando doenças crônicas. Só conseguimos assegurar esse direito por meio do setor jurídico da associação”, reclama.

A Círculo Laranja aponta que desde o início da pandemia os garis não pararam em nenhum momento de trabalhar, prestando um serviço essencial para a cidade. Mas, apesar de serem considerados essenciais, sua inclusão no grupo prioritário para vacinação contra a covid-19 aconteceu somente depois de muita luta. Aline ressalta a importância da profissão. “O gari impede pestes e pragas de proliferarem. É responsável pela manutenção da limpeza, logo cuida da saúde ambiental da cidade”, sintetiza.

Sobre as reclamações apresentadas, a Comlurb afirmou manter uma unidade na Maré dedicada integralmente ao atendimento das 16 comunidades da área. A empresa garante que todas recebem serviços diários de limpeza e coleta de resíduos. Sobre os garis comunitários, explicou que o projeto é uma parceria com as associações de moradores locais, que administra e contrata os trabalhadores, ficando ao seu cargo apenas o repasse da verba e a fiscalização. Quanto à reclamação de que estaria faltando material de proteção contra a covid-19 para os garis, a Comlurb respondeu que distribui máscaras de proteção individual laváveis, disponibilizando ainda água, sabão, produtos de limpeza e de higiene, além de recipientes com álcool em gel em todas as gerências. A companhia municipal de limpeza assegurou que dispensa do trabalho todos aqueles com mais de 60 anos e que, antes da fase de flexibilização, determinou o escalonamento de horário de chegada e saída nas gerências, a redução da jornada de trabalho e o regime de escalas em dias alternados, dependendo da área de atuação e demanda do local de lotação.

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Ronda Maré de Notícias: Cidade do Rio se aproxima dos 300 mil casos de Covid-19

Embora todas as regiões tenham melhorado, índice de ocupação de leitos segue alto

Por Andressa Cabral Botelho em 14/05/2021 às 21h. Editado por Dani Moura.

Em pouco mais de um ano desde o primeiro caso de covid-19 no país, a cidade do Rio fecha a semana próxima dos 300 mil casos da doença, sendo hoje um dos nove estados onde os casos voltam a avançar. Após o país ter apresentado um recorde de 77 mil novos casos em 27 de março e vir em leve queda em abril, as infecções e notificações diárias voltaram a subir. Somente hoje (14), o país registrou mais de 85 mil novos casos.

Embora ainda exista o risco, nesta semana, toda a cidade recuou no nível de risco e saiu o risco muito alto para o risco alto. Com isso, o Prefeito Eduardo Paes cogita, até, em realizar os grandes eventos da cidade, como réveillon e carnaval, caso seja possível cumprir o cronograma de vacinação. O grupo de trabalho segue analisando o cenário da cidade para pensar nos próximos passos.  

Entre 03 e 10 de maio, as taxas de ocupação de leitos apresentaram queda em boa parte dos estados, mas o Rio é o único da região Sudeste que se encontra na zona crítica, mas vem em um movimento de queda, segundo o Boletim Epidemiológico da Fiocruz. Nesta sexta-feira, o estado está com 75% de ocupação de leitos de UTI e 63% de leitos de enfermaria, de acordo com painel da Secretaria de Estado de Saúde. A capital tem 82% de ocupação. 1.378 pessoas internadas e 14 pessoas na fila de espera.

Na cidade hoje são 299.976 casos confirmados e 25.194 mortes. Na Maré são, até o momento, são 4.313 casos confirmados – 365 no intervalo de uma semana – além de 270 pessoas que morreram e que moravam no conjunto de favelas.

Produção de vacinas interrompidas

Com a falta de insumos vindos da China, a Fiocruz ameaça suspender a produção de vacinas já na próxima semana, o que pode ser uma barreira no planejamento do governo municipal de imunizar a população da cidade acima de 18 anos. Justamente pela fala do IFA, o Instituto Butantan informou que a partir de hoje (14) suspendeu a sua produção. Nesta sexta-feira, a cidade recebeu remessa do imunizante produzido em São Paulo e seguiu vacinando a população acima de 60 anos que deveria receber a segunda dose (D2).

Até o momento, 850.698 pessoas tiveram acesso às duas doses de vacinas e 1.764.710 receberam a primeira dose. Entre as pessoas acima de 60 anos, 96,8% já foram imunizadas. Na área de planejamento 3.1, que a Maré faz parte, 218.205 pessoas já foram imunizadas com a primeira dose e 118.463 receberam a D2. Destas, apenas 15.703 pessoas tomaram a D1. Quando olhamos para a D2, o número é ainda menor: 6.295 pessoas imunizadas.

Maré em tempos de coronavírus

Celebrando o último domingo, dia das mães e o Dia das Mães e também o Dia Internacional das Mães Vítimas de Violência do Estado. No último episódio do podcast Maré em tempos de coronavírus mães da Maré fala sobre o processo vivenciado por muitas mães de favelas: o luto que vira luta, convidando mães da Maré que perderam os seus filhos diante a violência de estado. Além disso, Bruna Silva, Claudia Oliveira e Irone Santiago falaram sobre os planos para o futuro e sonhos dessas mães de favela, que são ainda mais atravessados pelas questões que a pandemia impõe à essas mulheres nos territórios. Confira o episódio no perfil da Redes da Maré no Spotify.

Herança africana: o 14 de maio

Começa a partir desta sexta (14) uma série de lives do projeto Herança Africana, do Espaço Marcio Conde, de Padre Miguel, Zona Oeste, falando sobre o impacto da escravização na população brasileira e o que veio depois do dia 13 de maio e as faltas de políticas públicas para inserir a população negra na sociedade.

#LivesQueMovem

Aproveitando a proximidade com o 13 de maio, neste sábado (15) o coletivo Negras Que Movem vai fazer uma live comemorativa em homenagem ao Dia da(o) Assistente Social, tendo em vista que grande parte da categoria ser formada por uma parcela significativa de pessoas negras. A live vai reunir quatro nomes do setor para dialogar sobre a importância do/a assistente social, quais os espaços que ocupam e a importância da Política de Assistência para a promoção da igualdade. A live vai acontecer o perfil do Instagram do Negras que Movem a partir das 10h30.

Perdeu alguma matéria da semana do Maré de Notícias, a gente acha para você. Confira os destaques da semana (08/5 a 14/5):

Dia 8/5, sábado
Coluna no Marcello Escorel – “O Inferno são os outros” (Sartre*)

Dia 09/06, domingo
“Mãe de favela”: o retrato das mães mareenses. Por Andressa Cabral

Dia 10/5, segunda-feira
Premiado de plantação de hortaliças em favelas, ‘Hortas Cariocas’ sofre com precarização. Por Hélio Euclides
Campanha de vacinação avança no município. Veja quem pode se imunizar esta semana.
O ambicioso plano do MIT para digitalizar as ruas e becos da Rocinha. Por Fala Roça

Dia 11/5, terça-feira
Anvisa investigará morte em grávida que recebeu vacina Astrazeneca; Por Edu Carvalho
Em segunda semana de sabatinas, CPI da Covid receberá diretor da Anvisa para esclarecimentos. Por Edu Carvalho
Mais 266 escolas retomam aulas presenciais. Profissionais de Educação recebem máscaras PFF2
Por que defendemos o impeachment de Bolsonaro
Ministério Público do Rio cria ‘força-tarefa’ para investigar chacina em Jacarezinho
EDITAL PARA SELEÇÃO DE EDITOR/A/E DE TEXTO
Mais 266 escolas retomam aulas presenciais. Profissionais de Educação recebem máscaras PFF2

Dia 12/5, quarta-feira
Observatório de Favelas lança nova cartilha de combate ao coronavírus. Por Dani Moura
Pfizer: Rio recebe vacina e volta a imunizar grávidas com comorbidades
“Nem bala, nem fome, nem Covid”: Dia 13 de maio será marcado por ato contra racismo e genocídio.

Dia 13/5, quinta-feira
A pandemia da fome nas favelas: A difícil sobrevivência entre a luta, o luto e o estômago vazio. Por RioonWatch
Frente Nacional Antirracista faz grande ato de protesto nacional ao dia 13 de maio, dia da “abolição”
Moradores da Maré reclamam de suspensão de atendimento odontológico nas clínicas da família. Por Amanda Pinheiro
Vacinação no Rio: antecipação de calendário e cronograma até outubro marcam a semana
Dia 14 de maio: o que veio depois da libertação? Por Andressa Cabral
Dia 13 de maio é marcado por manifestações em todo o país. Por Amanda Pinheiro

Dia 14, sexta-feira
Mães rompem o ciclo da violência. Por Kelly San
A arte como resistência. Por Dinho Costa e Hélio Euclides

A arte como resistência

Grafite na Vila dos Pinheiros faz homenagem a Marielle Franco, Marcus Vinícius e Cadu Barcellos

Maré de Notícias #124 – maio de 2021
Dinho Costa e Hélio Euclides

Quem passa pela Linha Amarela não fica sem perceber um grafite que chama atenção bem na entrada da Vila dos Pinheiros. A ocupar o grande muro, além de um agradecimento aos profissionais de saúde que estão na linha de frente contra o covid-19, está a ilustração intitulada Sonhos interrompidos, homenageando a vereadora Marielle Franco, o estudante Marcus Vinícius e o cineasta Cadu Barcellos. As artes têm em comum o poder de provocar quem passa pelo local, seja a pé, de moto ou de carro; elas geram uma reflexão do porquê de aquelas imagens estarem ali e serem relevantes para a nossa sociedade, transformando o cinza sem graça do muro em um mural cheio de cores, histórias e, principalmente, memórias.

A arte traz como protagonistas três mareenses, vítimas da violência armada na cidade. Marielle Franco, socióloga e vereadora, foi executada em 2018, no bairro do Estácio. No mesmo ano, Marcus Vinícius foi baleado em operação policial na Vila dos Pinheiros, quando estava a caminho da escola. Em 2020, o cineasta Cadu Barcellos foi assassinado no Centro do Rio.

 O autor do mural é um dos muitos artistas que colorem o território: Rogério de Souza Libone, mais conhecido como Bone, morador da Maré há 26 anos. Bone é um artista de street art (ou arte de rua, caracterizada por grafites e frases que narram o cotidiano). Seu trabalho é presença constante em muros, paredes e portões da região.

O mural do estacionamento começou a ser feito no começo deste ano e levou cerca de duas semanas para ficar pronto. “Muito bom o trabalho juntar Cadu e Marielle, personalidades que, ao longo de suas vidas, somaram muito na luta pelos direitos sociais e humanos das favelas, e o menino Marcus Vinicius, estudante do Ciep Operário Vicente Mariano, na Baixa do Sapateiro”, disse Bone.

Trabalhos como esse ajudam na luta pela resistência da memória dos mareenses, como também são importantes para conscientizar a população. Bone também homenageou profissionais da saúde, retratando uma enfermeira com uma seringa na mão, ressaltando a importância da vacinação contra o coronavírus em toda a população para conter a pandemia. “São grandes heróis diante de tudo que estamos vivendo”. O mural tem 15 metros de comprimento e fica a 20 metros da Clínica da Família Adib Jatene, na Vila dos Pinheiros.

Além dos três moradores da Maré, profissionais da saúde também fazem parte da ilustração, reafirmando a importância da vacinação. Foto: Dinho Costa

A ação foi financiada pelo gestor do estacionamento, que cedeu o espaço para a ‘tela’, além de material e ajuda de custo para o artista. Durante a execução, familiares do cineasta Cadu Barcellos, um dos homenageados, estiveram presentes e levaram lanche para o artista. Bone ressalta que a maioria desses projetos que surgem na favela deriva de investimentos dos próprios moradores, seja em mão de obra, materiais, recursos ou financiamento.

Por ser querido pelas crianças, o artista já foi questionado algumas vezes por moradores sobre a possibilidade de dar aulas de arte para jovens da Maré. Ele se sente honrado, mas não vê como parar de pintar para lecionar, pois seu sustento ainda vem do trabalho como artista. Outra barreira seria o espaço para as aulas acontecerem, pois não é fácil encontrar um local adequado (cedido e não, alugado) para o desenvolvimento de um trabalho comunitário social.

Marcus Vinícius, filho de Bruna Silva, foi imortalizado no muro sorridente. Foto: Dinho Costa

A emoção aos olhos das mães

Bruna Silva, mãe de Marcus Vinícius, morto vestindo seu uniforme escolar em uma operação policial, conta que, no dia 8 de abril (dia do aniversário dela), recebeu um presente inusitado e emocionante. Bruna estava em uma farmácia quando olhou para o céu e viu um enorme arco-íris e, no fim dele, justamente o desenho do Marcus Vinícius. “Senti que era um sinal vindo do céu e que meu filho, de alguma forma, estava ali me olhando e dizendo que estava tudo bem”. Bruna acredita que o grafite ultrapassa o artístico por ter uma mensagem por trás. “É um gesto de protesto, para mostrar à sociedade o que acontece com moradores nas favelas, que essas pessoas não são mais um número: elas têm nome, sobrenome e histórias de vida.”

Agradecida a todas as pessoas envolvidas na homenagem ao filho, Bruna lembra que Marcus Vinícius sempre disse que o verdadeiro cria não morre, vira lenda. “Como mãe, só me faz bem olhar para o mural e ver o rostinho lindo dele, aquele sorriso, todos os dias. É uma energia tão boa quando eu vejo para aquele grafite, sinto que meu filho está em paz. É muito bom saber que meu filho ainda vive imortalizado na pintura aqui na Maré.”

 “Achei muito bacana. Cadu merecia essa homenagem dos mareensse, os conterrâneos dele. Ele é uma estrela que deu muito orgulho para a família e para muitas pessoas que o conheceram. Tenho uma tristeza de não ter mais o meu menino, mas muito orgulho do homem que ele se tornou e o que representou para os jovens e para a Maré” comenta Neilde Barcellos, mãe de Cadu, feliz pela arte estar na Linha Amarela, uma via expressa importante na cidade.

Neilde Barcellos, mãe do cineasta Cadu Barcellos, ao lado da arte de Marcelo Augusto na Tabacaria Dread Locks. Foto: Dinho Costa

Um amor pela Maré

Outro artista que está colorindo espaços na Maré é Marcelo Augusto. A sua street art está presente na Tabacaria Dreads Lock, da Vila dos Pinheiros, que traz o rosto de Cadu Barcellos. “Fiquei muito emocionada porque era um ponto de encontro que ele gostava muito de frequentar. O Cadu encontrava ali os amigos. Até eu mesma, quando não conseguia falar com ele pelo celular, ia direto lá e o achava”, conta a mãe do cineasta.

Cadu teve seu primeiro lar na Vila dos Pinheiros; depois, foi morar ainda criança nos conjuntos que levam o mesmo nome. “O desenho me passa um sentimento do quanto aquele lugar pertencia a ele. Meu filho era Maré de corpo e alma, gostava muito da favela. Em todos os lugares do Brasil e nos países em que esteve, sempre falou com orgulho que morava na Maré”, revela sua mãe, acrescentando que, nos anos 1970, havia muito preconceito com quem morava na Nova Holanda.

Ilustração da Fiocruz, pólo de produção de vacina vizinho à Maré. Foto: Dinho Costa

Uma arte que mostra vidas

O grafite transformou-se em uma referência na arte nos anos 1960 – uma expressão dos jovens do Bronx, o mais pobre dos cinco distritos que formam a cidade de Nova York. Com o passar do tempo, o grafite se tornou um cotidiano artístico. No Brasil, virou um instrumento de inserção social e resistência, se naturalizando nas favelas. Como arte popular, ele mostra que a população oprimida tem um poder de reconstrução e ressignificação.

Felipe Reis atuou por 13 anos na Maré como professor de hip-hop, estilo musical que engloba quatro pilares, entre eles o grafite. Ele compreende que essa forma de se expressar é uma tática de voz, de fazer parte da sociedade através de imagens e frases. Para ele, o hip-hop é uma cultura influente, que cresce a cada dia, com pessoas que se expressam por meio da música, dança ou pintura urbana. “O hip-hop atua como um grande incentivador porque ele oferece política, cultura e socialização para as pessoas. Especificamente sobre o grafite, ele leva esperança para a população da comunidade. Quando vejo uma pintura dos nossos que já foram é como levantar estátuas em homenagem aos amigos e guerreiros. Hoje, vemos a pintura da Marielle em muitos lugares e isso incomoda bastante a sociedade. Precisamos continuar a relembrar essas pessoas, ainda tão mobilizadoras, mesmo não estando fisicamente com a gente”.

Mães rompem o ciclo da violência

Depois de períodos de violência doméstica, mulheres buscam apoio em espaços de acolhimento

Maré de Notícias #124 – maio de 2021
Kelly San
Cria da Maré, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV- UFRJ)

No Brasil, 1,3 milhão de mulheres são vítimas de violência doméstica por ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE); em média, cinco mulheres são vítimas de feminicídio por dia, de acordo com dados da Rede de Observatório da Segurança. Os números podem ser ainda maiores do que os notificados, já que muitos casos não chegam ao conhecimento das autoridades de segurança pública. Algumas das vítimas conseguem romper o ciclo da violência, mas qual o próximo passo a ser dado? Alguns espaços na Maré oferecem suporte, permitindo que elas possam recomeçar a vida com autonomia e com apoio psicológico e jurídico.

Muitas mulheres que são mães não denunciam por medo de que isso prejudique seus filhos, seja de forma psicológica ou financeira, como aponta o artigo Violência doméstica: sinônimo de mulheres/mães culpadas?, da doutora em sociologia Rosana Morgado. A autora explica que a decisão das mulheres – tanto se permanecem ou se saem da relação – está relacionada, também, a ter suporte da família e acesso a profissionais que possam entender as suas demandas, assim como lidar com a pressão social.

Val (nome fictício), moradora da favela Rubens Vaz, Maré, e mãe de três filhos, conta que começou a namorar e tudo aconteceu de forma muito rápida. Ao engravidar, decidiu morar com o pai das crianças; com o nascimento do primeiro filho, ela precisou parar de trabalhar para se dedicar aos cuidados do bebê. E nessa convivência começou a rotina de insultos, chantagens, constrangimentos, manipulação e injúrias contra ela:  “Eu sinto a minha perna doer até hoje por conta de um chute que ele me deu. As crianças estavam por perto, peguei o mais novo e pedi ao mais velho para ligar para a avó me socorrer”. O medo de ficar sozinha para cuidar das crianças a fazia tolerar as violências. “De vez em quando ele trabalhava à noite e chegava em casa com cheiro de bebida. Descobri que essas saídas noturnas eram para encontrar outras mulheres; quando cobrei isso dele, as agressões se intensificaram”, lembra. 

Assim como Val, Michele Cristina (37) é nascida na favela Rubens Vaz, Maré, e viveu uma situação de violência parecida. Mãe de três filhos, ela é uma mulher preta que engravidou aos 14 anos e saiu de casa para morar com o seu companheiro em Minas Gerais, porém, ela já sofria violência doméstica aqui no Rio. “Eu tentava reagir às agressões, mas naquela época não tinha muito que fazer. Já pelo fim da relação, as agressões ficaram ainda mais difíceis de evitar, pois ele me via na rua e já queria me bater”, conta.

Depois de um tempo juntos, já com o segundo filho do casal, ela decidiu voltar para o Rio, rompendo, assim, o ciclo da violência. Hoje ela fala com orgulho dos três filhos que criou sozinha após o falecimento do seu companheiro: Rayanne Soares (24) cursou Gestão Pública na Universidade Federal do Rio de Janeiro, trabalha como assessora parlamentar e é mãe do Miguel (5); Michel Soares (22) já viajou o país atrás do sonho de ser pugilista; e Raynner Soares (20) tem seu próprio negócio, um lava-jato que funciona na quadra da favela Rubens Vaz.

Michele com os filhos Michel, Rayanne e Raynner. Foto: Arquivo pessoal

Onde buscar ajuda na Maré?

Muitas mulheres se articulam em uma rede de apoio a fim de romper esses ciclos que violam os direitos das mulheres. Priscilla Monteiro é psicóloga e moradora do Morro do Timbau. Junto com outras moradoras da Maré, fundou o Espaço Casulo, local de acolhimento que incentiva práticas de autonomia de mulheres, prioritariamente pretas. “O nosso objetivo está na conscientização e no estímulo do autoconhecimento, desenvolvimento, reencontro e a afirmação dessa nova mulher”, explica a psicóloga. O projeto funciona no Morro do Timbau e oferece atendimento psicológico, dança pélvica, roda de gestantes, roda de ervaria e fitoterapia, entre outras atividades.

A Casa das Mulheres funciona desde 2016 na favela do Parque União. É um espaço concebido pela Associação Redes da Maré a fim de fortalecer o protagonismo de mulheres mareenses. Antes de ser decretada a pandemia, foram 150 mulheres alfabetizadas; 86, formadas em gastronomia básica e avançada; 84 tornaram-se assistentes de cabeleireiro e 58 passaram a atender em casa ou trabalhar para alguma empresa de beleza. No enfrentamento à violência contra a mulher através do atendimento sociojurídico e psicológico, foram realizados 337 acolhimentos pelo Maré de Direitos.

A Rede de Apoio às Mulheres da Maré (RAMM) surgiu a partir de iniciativa da ONG Luta Pela Paz e é voltada para a formação de pessoas que farão atendimento a essas mulheres que sofrem algum tipo de violência. “A ideia da RAMM é instrumentalizar profissionais da Maré que recebem essas mulheres, com informações sobre organizações que podem apoiar e acolher as vítimas”, explica Lola Werneck, coordenadora de articulação da ONG Luta Pela Paz e representante da Luta pela Paz na RAMM. 

Com o aumento do número de casos de violência doméstica no início da pandemia e as instituições fechadas, algumas articuladoras de instituições da Maré foram convocadas pela RAMM para receberem um curso de capacitação para atender mulheres vítimas de violência doméstica neste momento. “Todo mundo sabe que a Maré é um território protagonizado por mulheres. Só estamos dando continuidade a essa história”, explica Lola. Fazem parte da rede a ONG Luta pela Paz, o Centro de Referência de Mulheres da Maré (CRMM), o Centro de Referência para Mulheres Suely Souza de Almeida (CRM), a Casa das Mulheres (Redes da Maré), o Observatório de Favelas, Caps II – Carlos Augusto da Silva (Magal) e a Coordenadoria de Atendimento Primário CAP 3.1.

Não se cale! Busque apoio.

Casa das Mulheres
Rua da Paz, 42. Parque União.
Centro de Referência de Mulheres da Maré Carminha Rosa (CRMM)
Rua 17, Vila do João – Maré (anexo ao Posto de Saúde) Tel/ Fax: (21) 3104-9896
Centro de Referência para Mulheres Suely Souza de Almeida – CRM-SSA/UFRJ
(21) 3938-0623
Centro Especializado de Atendimento à Mulher Chiquinha Gonzaga
R. Benedito Hipólito, 125 – Praça Onze – Centro T: 2517-2726
Espaço Casulo
www.instagram.com/espacocasulomare

A lei na teoria e na prática

Em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei nº 11.340, que criminaliza a violência doméstica e familiar. Ela é popularmente conhecida por Lei Maria da Penha em homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes e que, desde então, se dedica ao combate da violência contra as mulheres. Sendo uma política pública de enfrentamento a casos de violência doméstica, a lei trouxe avanços à luta da violência contra mulher, como, por exemplo, a criação de outras leis, como a de número 13.104/2015, que determina ser o feminicídio um qualificador que transforma o homicídio de mulheres em um crime hediondo.

Ainda que a lei Maria da Penha seja considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores legislações para o enfrentamento da violência contra as mulheres, nem toda vítima, considerando classe, raça, etnia e orientação sexual, usufrui dos mesmos direitos da proteção garantida por ela. No caso das favelas, a violência doméstica e de gênero muitas vezes pode ser silenciada devido à existência de um poder paralelo, seja o tráfico ou a milícia, que acaba fazendo com que as mulheres acreditem mais na eficiência dessa instância do que a das autoridades oficiais de segurança.

Além disso, muitas das vítimas desconfiam dos agentes de segurança pública como uma alternativa de proteção, já que muitas delas já assistiram a policiais agredindo seus filhos, irmãos e sobrinhos. (nome fictício), moradora da Nova Holanda, foi vítima de violência doméstica e conta que, ao procurar a Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM), se sentiu violentada novamente; ela não conseguiu fazer o registro da ocorrência. “Chegando na DEAM, o inspetor disse que não ia adiantar o registro porque ele não teria como mandar uma viatura na favela para fazer cumprir a medida protetiva”, conta.

“Essa ação descrita é ilegal e, em casos como esse, eu sempre digo à mulher para reduzir os danos procurando outra delegacia, pois o mais importante é garantir o bem-estar e a segurança dela” explica a advogada Camila Claro. Dessa forma, Camila incentiva as vítimas a não desistirem de denunciar as agressões nas delegacias e também a procurar outras formas de ajuda, como os espaços de apoio.

Espaços de denúncia:

DEAM Centro 
Av. Visconde do Rio Branco, 12 – Centro T: 2334-9859 / 3657-4323 
DEAM Jacarepaguá 
Rua Henriqueta, 197 – Tanque T: 2332-2578/ 2332- 2574 
DEAM Oeste 
Rua Cesário de Melo, 4138 – Campo Grande T: 2333-6941 / 2333-6944
Defensoria Pública 
Av. Marechal Câmara, 314 Ouvidoria: 0800 282 2279 
Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública (NUDEM) 
Rua do Ouvidor, 90, 4º andar – Centro T: 129 ou 2332-6371