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#CaiuNaRede: É falso que vídeo “Argentina está conseguindo” vai hackear seu celular

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Facebook garante que não é possível hackear aparelho a partir de vídeos no WhatsApp

Thaís Cavalcante (Maré de Notícias, especial para a Lupa)

Circula nas redes sociais uma imagem que alerta os usuários do WhatsApp para não clicarem no vídeo chamado “Argentina está conseguindo”, sob o risco de ter sua conta no aplicativo invadida. O vídeo mostraria como a curva de Covid-19 estaria se achatando na Argentina. O conteúdo foi analisado no Caiu na rede: é fake?. Confira:

“No WhatsApp começará a circular um vídeo que mostra como a curva de covid-19 está se achatando na Argentina. O arquivo se chama “Argentina está conseguindo”, não abra nem veja, ele hackeará seu telefone em 10 segundos e não poderá ser interrompido de forma alguma.”

Trecho da mensagem que está sendo compartilhada em grupos de WhatsApp

FALSO

A informação é falsa. Não há informações de que alguém de fato tenha recebido o vídeo. O Facebook, proprietária do WhatsApp, garante que não é possível hackear contas de WhatsApp por meio de  vídeo. Além disso, a curva de casos de Covid-19 na Argentina não está se achatando. De acordo com publicação oficial da Casa Rosada, sede da presidência argentina, as medidas de isolamento e distanciamento social tiveram de ser estendidas por mais 14 dias. Houve inclusive uma nova escalada de mortes por Covid-19 na Argentina, que ocupa a 10ª posição no ranking global dos países com mais mortes por 1 milhão de habitantes.

Em 2019, aconteceu um bug e houve um erro parecido ao descrito, mas o Facebook se pronunciou e corrigiu a tempo que nenhum usuário fosse prejudicado.


Nota da redação: o projeto Caiu na rede: é fake? é uma parceria da Agência Lupa com Voz das Comunidades, Favela em Pauta e Maré de Notícias e conta com o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil. 

#CaiuNaRede: É falso que insetos no morango transmitem hepatite

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Informação circula em vídeo que orienta a lavar frutas com vinagre; aprenda a higienizá-las

Thaís Cavalcante (Maré de Notícias, especial para a Lupa)

Circula nas redes sociais um vídeo que mostra bichinhos em morangos e afirma que eles transmitem as hepatites A e E. Outro trecho do vídeo orienta higienizar a fruta com vinagre e bactericida hidrosteril. O conteúdo foi verificado no Caiu na rede: é fake?. Confira:

“O morango, por exemplo, tem-se destacado como um dos transmissores dos vírus das hepatites A e E, que causam inflamação no fígado”

Trecho de texto que aparece no vídeo compartilhado em grupos de WhatsApp

FALSO

A informação é falsa. Os insetos que aparecem no vídeo não transmitem doenças aos humanos. De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), “há vídeos circulando na internet que apresentam uma larva deste circulando pela superfície da fruta. O inseto também não transmite nenhuma doença a seres humanos”.

Para a higienização de frutas e verduras, a Embrapa não recomenda o uso de vinagre, pois não tem efeito de matar vírus, bactérias e fungos. A orientação é preparar uma solução de água e detergente neutro e mergulhar os morangos com talos na solução. “Remexe-se nos morangos para que eles sejam limpos. Retira-se dessa solução e lava-se os morangos com água corrente potável. Depois disso faz-se a imersão dos morangos por 15 minutos em uma solução contendo 1 litro de água e uma colher de água sanitária, de procedência conhecida e confiável, com registro na Anvisa ou hidrosteril (na dosagem recomendada pelo fabricante). Passados os 15 minutos, retira-se os morangos da solução e se deve lavá-los em água corrente potável para remover o resíduo de cloro.”
Nota da redação: o projeto Caiu na rede: é fake? é uma parceria da Agência Lupa com Voz das Comunidades, Favela em Pauta e Maré de Notícias e conta com o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil. 


Em sua homenagem, rua da Maré pode ganhar nome de Marielle Franco

Favela Salsa e Merengue foi a escolhida pelos moradores para ter o nome da vereadora, nascida e criada no território e defensora dos Direitos Humanos

Maré de Notícias #118 – novembro de 2020

Thaís Cavalcante

As ruas, becos e vielas das favelas da Maré contam histórias – de resistência, luta e perseverança daquela população. Uma das formas de garantir que a história local continue viva é batizando a rua com o nome de um morador querido que faleceu. Esta tradição comunitária não vem de hoje, mas da época em que as casinhas da Maré ainda eram de madeira e sobre a água, no tempo das palafitas.

O caminho de homenagear moradores é trilhado até hoje na favela Salsa e Merengue, localizada no Conjunto Novo Pinheiro. Marielle Franco, moradora brutalmente assassinada em 2018, recebeu esta homenagem na Escola Municipal Vereadora Marielle Franco, inaugurada no mesmo ano. Com o passar do tempo, a ação fez com que a Rua Projetada D, a rua da escola, ficasse conhecida naturalmente pelo nome da vereadora.

Mônica Cândido, secretária da ONG Redes de Desenvolvimento da Maré e moradora do Salsa e Merengue, faz parte do acompanhamento territorial de nomeação das ruas do território. Ela conta que o trabalho de articulação demorou cerca de dois meses para ser feito e que valeu a pena: “Foi uma troca enorme com os moradores, e vamos levar esse abaixo-assinado com as assinaturas dos moradores para a Prefeitura”.

Para fazer a sugestão de mudança de nome de ‘Rua Projetada D’ para ‘Rua Marielle Franco’, foi necessária uma articulação entre os moradores da região, Redes da Maré, Prefeitura do Rio de Janeiro e a Associação de Moradores do Conjunto Novo Pinheiro. Mônica afirma que o nome sugerido pela Prefeitura era Rua Gratidão. “Fomos até os moradores conversar e avisar sobre essa decisão. Informamos que eles poderiam mudar o nome se sugerissem algum morador querido daquele espaço. Acredito que todos conhecem o nome de luta de Marielle e tem como referência do nome da escola”, observa.

Crédito: Vitor Vanes


Um legado que fez história

Marielle Franco teve um papel fundamental no território desde pequena. Primeiro, como assistente de catequista na igreja católica, depois, na horta comunitária e até como professora de pré-vestibular comunitário. Uma trajetória de vida que ficou na história do Conjunto de Favelas da Maré. Sua estrutura de formação, socialização local e política vem de família, assim como sua atuação na favela.

Marinete Silva, mãe de Marielle Franco, fala sobre a importância de ter uma homenagem à sua filha em um território tão potente como a Maré. “Não dá para imaginar o que Marielle se transformou para receber uma homenagem desse tamanho. Isso é gratificante, e eu quero muito que se concretize. Além de ser uma coisa boa para a gente, de ter o nome da nossa filha honrada num território em que a gente viveu tanto tempo”, diz.

Entre a burocracia e o reconhecimento

Ainda não há previsão para que aconteça o lançamento da nomeação, de acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação: “O trabalho de articulação e mobilização social junto às comunidades do Conjunto de Favelas da Maré, com o objetivo de reunir as sugestões de nomes para os reconhecimentos de logradouros, está em andamento”.

Na prática, as pessoas já fazem referência à rua com o nome. Na teoria, há processos e critérios antes da decisão oficial. Todos os nomes sugeridos de moradores precisam ser avaliados pelo Número Global de Localização (NGL), para não correr o risco de serem duplicados, por exemplo. Essa é uma das justificativas da Prefeitura para tomar decisões. Em 2017, foram alteradas ruas e travessas na Vila do João, e muitos moradores não sabiam da mudança até a sua divulgação.

Colocar nome em uma rua é reconhecer que ela existe. É uma atividade que resgata a memória de quem viveu ali e fez parte de sua construção social. Uma mudança de significado.

Vai votar, mas você sabe pra quê?

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Quais as funções de vereadores e prefeito e o que eles podem prometer para fazer pela cidade

Maré de Notícias #118 – novembro de 2020

Por Daniele Moura

Pouco mais de 147,9 milhões de eleitores no país estarão aptos a votar nos próximos dias 15 (primeiro turno) e 29 (segundo turno) de novembro para escolher 5.568 prefeitos, 5.568 vice-prefeitos e 57.942 vereadores em todo o Brasil, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas você sabe para que serve um vereador e as funções de um prefeito?

O que são vereadores?

Cabe ao vereador propor, discutir e aprovar as leis que serão aplicadas em cada cidade. Entre essas leis, está a Lei Orçamentária Anual, que define onde deverão ser aplicados os recursos dos impostos. Também é dever do vereador acompanhar as ações do Executivo, que, no caso, é o prefeito, verificando se estão sendo cumpridas as metas de governo e se estão sendo atendidas as normas legais. 

Os vereadores, na Câmara Municipal – também chamada de câmara de vereadores -, discutem e votam projetos que envolvem impostos municipais, educação municipal, linhas de ônibus e saneamento, entre outros temas que envolvam a cidade. Esses projetos, emendas e resoluções têm de passar por comissões, para serem votados no plenário da Câmara, e, depois de aprovados, precisam ser apreciados pelo prefeito, que pode vetá-los total ou parcialmente ou aprová-los. Quando há aprovação, o projeto é publicado no Diário Oficial da cidade e vira uma lei.

Muitos candidatos a vereador fazem promessas que fogem da sua área de atuação, como a realização de obras de construção de hospitais e escolas. A segurança pública, por exemplo, é de responsabilidade do Governo do Estado. As cidades podem contar também com guardas municipais, e vereadores não têm poder de decisão nessa área. Um vereador pode, no máximo, pressionar na Câmara, mas nunca garantir a execução da obra. Vereador propõe leis. 

Fiscalização

Os vereadores têm o poder e o dever de fiscalizar a administração do prefeito, cuidando da aplicação do dinheiro e observando o orçamento. É dever deles acompanhar o cumprimento das leis e da boa aplicação e gestão do dinheiro público. Também são os vereadores que julgam as contas públicas da cidade, o que acontece todo ano, com a ajuda do Tribunal de Contas do Município.

Cada câmara pode ter, no mínimo, nove vereadores e, no máximo, 55. O total de vagas depende do tamanho da população de cada cidade. O salário varia entre 20%  e 75% do que recebe um deputado estadual, e o percentual aumenta de acordo com o número de habitantes. No Rio, o salário do vereador é um dos maiores do país: R$ 18.991,68.

VOCÊ SABIA?

A população pode assistir às sessões legislativas ou ir conversar com os vereadores em seus gabinetes na Câmara, aqui no Rio, na Cinelândia (Palácio Pedro Ernesto – Praça Floriano, s/n). Caso o eleitor descubra alguma irregularidade na Câmara ou na Prefeitura, é possível fazer uma denúncia ao Ministério Público. 

Direitos do vereador 

  • Imunidade parlamentar: os vereadores podem expressar livremente suas opiniões sem que possam sofrer ameaças judiciais, evitando que sua capacidade de exercer suas competências sejam limitadas (isso não significa que o vereador possa cometer crimes de ódio nem fazer apologia a crimes);
  • Direito à renúncia: o vereador pode renunciar ao seu cargo quando bem entender;
  • Direito a exercer outra profissão: o vereador pode ser médico, engenheiro, professor, policial, qualquer profissão, desde que isso não prejudique suas atividades como vereador;
  • Receber de 25 a 75% do salário de um deputado estadual como salário.

O Gestor Municipal

O prefeito é o chefe do Poder Executivo de um município. Isso significa que está nas mãos dele o poder de administrar a cidade, de cobrar impostos (IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana e Imposto Sobre Serviços – ISS), e taxas que, por sua vez, devem custear obras, serviços e políticas. Ele deve cumprir as leis aprovadas pela Câmara Municipal, submeter contas à fiscalização e elaborar um orçamento do ano, que será aprovado ou alterado pela Câmara. O gestor municipal conta com a ajuda de funcionários públicos, secretários e assessores. 

Como administrar a cidade?

Para colocar em prática seus planos, o prefeito, além dos impostos municipais, também conta dinheiro do governo federal e estadual. Por exemplo, 22,5% dos recursos arrecadados pela União com Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) são repassados aos municípios; 50% do imposto sobre propriedade rural situada no território do município; e 25% do ICMS, imposto estadual, também vai para as prefeituras. Em muitos casos, os recursos que chegam às prefeituras possuem destinos obrigatórios, como para a saúde e a educação. Essas e outras verbas a que municípios têm direito podem ser encontradas nos artigos 158 e 159 da Constituição.

Saúde, Educação e Transporte

As prefeituras têm a missão de cuidar dos atendimentos básicos do Sistema Único de Saúde, ou seja, UPAs, Clínicas da Família e postos de saúde. Para isso, precisam destinar pelo menos 15% do dinheiro que recebem, mais as verbas  repassadas pelo Governo Federal e Estadual. Laboratórios e hemocentros também são controlados pelo município.

Os municípios cuidam da Educação Infantil (creches e pré-escolas) e do Ensino Fundamental. (1° ao 9 °anos) e devem gastar, pelo menos, 25% de sua receita em Educação. A prefeitura também cuida do sistema de transporte urbano da cidade. Esses serviços são geridos por empresas que conseguem esse direito por meio de concessões. Entretanto o poder público municipal deve fiscalizar a qualidade desses serviços e, em casos extremos, romper o contrato com empresas que não ofereçam um serviço satisfatório.

E, por fim, o prefeito deve ser cobrado por ações na cidade, como: elaboração de um plano municipal de habitação; execução de ações relacionadas ao parcelamento; uso e ocupação do solo; demarcação de terras; programas de construção e melhoria das condições habitacionais e licenciamento urbanístico e ambiental; e regularização da habitação de interesse social em áreas de preservação permanente.

Serviços mantidos pelas prefeituras

  • Administrar serviços públicos locais;
  • Limpeza e iluminação públicas;
  • Coleta de lixo;
  • Conserto de vias;
  • Sistema de transporte urbano;
  • Ambulâncias e serviços de saúde municipais;
  • Educação infantil (creches, pré-escolas) e ensino fundamental;
  • Formação da Guarda Municipal.

Requisitos

Para se candidatar a vereador ou prefeito, é necessário ter o domicílio eleitoral na cidade em que pretende concorrer até um ano antes da eleição, estar filiado a um partido político, ser naturalizado brasileiro, alfabetizado, estar em dia com a Justiça Eleitoral, ser maior de 18 anos e, para homem, ter certificado de reservista.

O site do TSE traz informações completas sobre doadores, gastos de campanha e empresas que prestam serviços a candidatos a prefeito de todo o Brasil. Se você quiser mais detalhes sobre os doadores, pesquise os nomes no Google, inclusive, para levantar se são vinculados a alguma empresa ou instituição. É o tipo de informação que pode ser importante na hora de definir entre candidato A ou B. Todos queremos representantes honestos, e é sempre bom saber sobre as propostas que fogem à alçada do candidato.

Favela também é lugar de adoção

Nem sempre esse ato de amor é realizado de uma forma tradicional

Maré de Notícias #118 – novembro de 2020

Por Hélio Euclides

Énois | Laboratório de Jornalismo – Por um jornalismo diverso e  representativo

Essa reportagem foi produzida com o apoio da Énois Laboratório de Jornalismo, por meio do projeto Jornalismo e Território.
Edição: Elena Wesley

“Receber alguém como filho mediante ato jurídico”. Dessa forma é definida a palavra adoção no dicionário Michaelis. Para muitos, que desejam formar uma família ou simplesmente ampliá-la, é mais do que isso. A relação afetiva com uma criança pode surgir de forma inusitada, por caminhos difíceis de explicar, mas que aproximam parentes, vizinhos ou até desconhecidos em um ato de amor. É dessa forma que o processo tem acontecido no Conjunto de Favelas da Maré, onde o trâmite judicial dá lugar a meios informais. O acolhimento sem documentação, contudo, traz outros desafios às famílias que, diante das dificuldades de acesso a serviços básicos, precisam encontrar estratégias para garantir os direitos dos adotados. 

Helena Edir comprova que a prática é antiga na Maré. Em 1984, a moradora da Nova Holanda adotou um bebê de três anos, após o falecimento da mãe biológica. “Eu era madrinha de batismo e não tinha outra pessoa próxima para cuidar da criança”, lembra. Helena chegou a procurar assistência jurídica para dar entrada no processo, mas o advogado aconselhou a aguardar o menino completar 12 anos. O profissional acreditava que o status de solteira, a baixa renda como auxiliar de tesouraria e a residência na favela poderiam dificultar a obtenção da guarda. “Só depois dei entrada. Anexei toda a trajetória da vida dele comigo desde a creche até o ensino fundamental. Ele foi chamado para uma audiência, confirmou tudo que eu tinha informado, e o juiz me deu a guarda definitiva”.

Em alguns casos, a família biológica e a adotante se unem pelo que acreditam ser o melhor para a criança. Foi o que aconteceu na chegada de Estevão à família Santos. Embora já tivessem Larissa e Isaque, Jaqueline e Rogério Ferreira desejavam cumprir um sonho de infância: ter um filho do coração. E a oportunidade surgiu durante um plantão de Jaqueline numa maternidade, ao descobrir que a paciente não poderia levar o recém-nascido para casa. A mãe havia perdido a guarda dos três filhos mais velhos, e a avó, que já era a responsável legal dos meninos, informou não ter condições de cuidar do bebê. “Nós conversamos com a família do Estevão, e eles disseram que seria melhor que ele ficasse conosco, porque se fosse para a adoção formal, perderiam o vínculo totalmente. Tentamos por meios legais, mas a juíza não autorizou por não termos laço sanguíneo. Só depois dele ficar 20 dias no abrigo que conseguimos convencer a avó a pegar a guarda, para que ele ficasse com a gente. Pretendo regularizar, mas tenho medo de iniciar o processo e eles tirarem o meu menino, que retornaria ao abrigo”, conta a moradora da Vila dos Pinheiros.

Mesmo já tendo dois filhos biológicos, Jaqueline Ferreira tinha a vontade de adotar, que se realizou com a chegada de Estevão – Foto: Matheus Affonso

Conselho tutelar e Juizado recomendam a adoção tradicional

O receio dos adotantes não é em vão. A conselheira tutelar Maria Elisângela da Silva Viana, que está em seu segundo mandato na região da Maré, explica que geralmente o Juizado da Infância e da Adolescência dá parecer favorável à família adotante, mas que a criança pode passar um pequeno período em um abrigo. As decisões buscam se basear no Estatuto da Criança e do Adolescente que, no Artigo 19, estabelece que “é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral”. 

Embora não tenha números oficiais sobre os acolhimentos informais, Elisângela conta que são muitos os casos de adoção “à brasileira” na Maré. “Nesses casos a mãe indica um vizinho para cuidar, e anos depois as duas famílias procuram o conselho para regularizar a situação. São histórias mirabolantes. Às vezes a avó não tem a guarda, mas assume o papel de mãe, ou o pai adotivo registra o bebê com a mãe natural e só depois de anos pede para modificar a certidão de nascimento. São guardiões de fato, mas sem registro”. 

A conselheira acrescenta que desconhece casos em que a criança tenha sido removida da convivência com a família substituta depois de anos para encaminhamento a abrigo, porém ressalta a importância do trâmite judicial, que prevê acompanhamento familiar com psicólogos, assistentes sociais e oficinas sobre acolhimento. “As pessoas acham o processo legal burocrático, mas essa adoção improvisada é complicada. Não tem uma certidão no nome dos pais que criam, fica difícil o atendimento médico e a escola. Só depois da criança grande é que tentam sensibilizar o juiz. Na prática, o acolhimento no abrigo é a última das instâncias e em casos específicos em lei. O que é feito na Maré é uma guarda de fato pré-estabelecida, sem que a criança ou o adolescente estejam em risco”, conclui.

Para Alice*, construir uma família vai além de ter um laço sanguíneo com os seus membros – Foto: Matheus Affonso

“Adoção-pronta” compõe maioria dos casos tramitados na Vara de Infância

A psicóloga Lygia Santa Maria Ayres publicou, em 2011, o artigo “Adoção-Pronta”, termo que define a “prática de entrega e colocação familiar, ainda que não disposta juridicamente”. O estudo da pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) apontou que a adoção “à brasileira” tão comum na Maré representava a forma mais usual de legitimação de inserção de uma criança em uma família substituta, sendo 95% dos 42 casos de institucionalização de adoção tramitados no Juizado. “Desconheço estudo com enfoque na favela. Mas esse jeito não oficial tem sido a maior forma de adoção de crianças”, comenta Lygia.

Alice Oliveira (*) aguarda o fim da pandemia para regularizar a adoção de seu segundo filho, após frustrações por não chegar ao fim em tentativas de adoções nos trâmites legais. “Meu marido e eu esbarramos em impossibilidades no meio do processo, como doença e desemprego. Sabemos que pulamos fila e que vamos passar por um juiz duro, mas fizemos por amor”. Enquanto a situação ainda segue na informalidade, a avó biológica de Everton (*), que cria seus dois irmãos, vai ao cartório sempre que autorizações legais são necessárias. A família faz questão que o menino de seis anos de idade mantenha o convívio com os demais familiares.

O cenário foi diferente para a primeira experiência de adoção de Alice. Em 2000, a moradora da Nova Holanda chorava por não poder engravidar, quando recebeu o telefonema de uma amiga sobre uma mãe de outro município que desejava dar seu filho devido a problemas familiares. “Elias(*) era uma criança que entraria na fila de adoção, mas dificilmente seria adotado, pois tinha suspeita de HIV, má formação da traqueia e sífilis congênita. Deixei meu trabalho para cuidar dele, que ficou muito tempo internado. No ano seguinte oficializamos a adoção”, conta. Elias, no entanto, não se sente adotado. “Até os meus amigos não acreditam. Não me sinto diferente, somos uma família”.

BOX: Como adotar?

Qualquer pessoa maior de 21 anos pode se dirigir à 2ª Vara da Infância da Juventude e do Idoso que fica  no Sambódromo do Rio de segunda a sexta das 13h às 19h. (Praça Onze de Junho,  403,  21- 2503-6300)

Para entrada no processo de habilitação tem que participar de reunião que acontece toda última sexta-feira do mês, na qual a equipe explica quais os procedimentos necessários para habilitação dos pretendentes e quais as  documentações exigidas para iniciar o processo. Depois, as famílias são encaminhadas para grupos de apoio à adoção e avaliação com equipe técnica. Mais informações no site: http://www.tjrj.jus.br/web/guest/institucional/inf-juv-idoso/cap-vara-inf-juv-idoso/adocao/procedimentos?inheritRedirect=true 

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* Alice Oliveira, Everton e Elias são nomes fictícios utilizados na reportagem com o objetivo de preservar a identidade das fontes.


O nosso dia irá chegar

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Por Fillipe dos Anjos em 04/11/2020, às 14h

SOBRE O AUTOR: Fillipe dos Anjos é formado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi Conselheiro Estadual de Saúde e atualmente exerce o cargo de Secretário Geral das Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro – FAFERJ

Falar de favela é sempre complicado… Principalmente no dia de hoje, 04 de novembro, dia estadual da favela. Envolve um turbilhão de sentimentos e emoções que desafiam a razão que qualquer texto escrito possa ter. Há quem diga que favela não é lugar de morar; tem gente que só quer andar tranquilamente na favela onde nasceu; e outros falam que você pode sair da favela, mas a favela não sai de você. Todos têm sua razão e isso mostra que nesses territórios a emoção fala mais alto. Mesmo com todas as nossas contradições uma coisa é unanimidade: a Favela é território da resistência. 

Historicamente, as favelas nascem no final do século XIX quando os negros e negras escravizadas conquistam sua liberdade após séculos de luta. Nesse contexto, o Estado brasileiro, que deveria adotar uma política de inclusão dessa população, recém-liberta e sem moradia, adota uma política genocida chamada eugenia, que em uma de suas faces, consiste em abandonar os negros à própria sorte ao passo que estimula a chegada de imigrantes europeus ao Brasil. O objetivo dessa barbárie era o “branqueamento” da população brasileira e a extinção da raça negra do Brasil, vista naquele momento como inferior intelectualmente.

Da noite para o dia, os negros e negras que haviam conquistado sua liberdade a custa de muito sangue, se viram abandonados sem nenhuma política pública de emprego, educação ou moradia digna. A saída encontrada por esses homens e mulheres foi ocupar as encostas dos morros onde ninguém imaginaria que pessoas poderiam morar. Nasce a favela sob o signo da resistência, da coragem e da luta pelo direito fundamental à vida.

Ao longo da nossa história, a necessidade de lutar por direitos fez a favela se organizar em diversos movimentos. Entre esses movimentos, a Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro, FAFERJ, surge em 1963 como forma de luta por direitos a essa população e mais adiante como resistência à ditadura militar, implantada no Brasil após um golpe civil militar em 1964. O regime militar representou um período de terror paras comunidades, onde toda espécie de violação aos direitos humanos era permitida. Os incêndios criminosos, remoções violentas e atuação de esquadrões da morte marcaram esse período de terrível. Também houve resistência à ditadura nas favelas, embora as execuções e violência tenham abafado essa história de luta. Nesse período, a FAFERJ caiu na clandestinidade e teve seus diretores perseguidos pela ditadura militar. Vale a pena ressaltar que a atuação das milícias de hoje está diretamente ligada à atuação desses esquadrões da morte durante o regime militar. 

É curioso perceber como muitas favelas se formaram em decorrência a remoções e incêndios criminosos em outras favelas. A exemplo disso, temos a formação da Nova Holanda em 1962, uma das 16 favelas que compõem a Maré, a partir da demolição da favela do Esqueleto, no Maracanã, onde hoje é a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e da remoção de pessoas de favelas como Morro da Formiga e Morro do Querosene. Outro caso foram os incêndios nas favelas da Catacumba (1967) e Praia do Pinto (1969), Lagoa e Leblon, bairros que hoje estão entre os três metros quadrados mais caros da cidade e que já passavam por processo de especulação imobiliária. Na época, os moradores da Catacumba foram removidos para a Barra da Tijuca, formando a Cidade de Deus, e os moradores da Praia do Pinto foram para Cordovil, onde hoje fica a Cidade Alta.

Justamente no período dos incêndios, especificamente de 1968 a 1973, foi realizado o maior programa de remoções de favelas da cidade, por meio da Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana (CHISAM), autarquia do governo federal em parceria com o Governo da Guanabara. Mais de 175 mil moradores de 62 favelas foram removidos – de forma provisória ou definitiva – para 35.517 conjuntos habitacionais ou Centros de Habitações Provisórios (CHP), localizados em maioria nas zonas Norte e Oeste. Antes de se tornar moradia fixa, a Nova Holanda era um CHP.

O movimento de favelas pós-ditadura

A redemocratização do Brasil em 1985 trouxe um sopro de esperança para o povo brasileiro e, consequentemente, para os movimentos de favela, que puderam voltar as suas atividades agora em uma nova democracia. A Constituição Cidadã de 1988 em seu Capítulo II falava dos direitos à moradia digna, educação, saúde, emprego. É nesse período anterior à escrita da constituição que a FAFERJ ressurge junto ao movimento estudantil, movimentos de mulheres, movimento sindical, movimento negro… A principal luta dos movimentos de favela era garantir à risca a nova constituição federal e fazer valer os direitos sociais que foram conquistados na luta por democracia. 

Da redemocratização até os momentos atuais podemos perceber que a desigualdade social e democracia são como água e óleo: não se misturam. Defenderemos sempre a democracia como valor fundamental, mas na favela existe a democracia real? A mesma democracia que vigora no asfalto vigora na favela? A resposta é não, pois a desigualdade social ainda é a pedra fundamental da sociedade brasileira. Enquanto houver desigualdade, nunca haverá democracia.

As elites nacionais lucram com a miséria do nosso povo e a escalada de violência gera um capital político enorme para essas novas forças de extrema direita que surgiram das urnas nas últimas eleições. Essa nova extrema direita usa um discurso religioso radical e coloca a favela como lugar de violência e pobreza. Vale ressaltar que as favelas não declararam guerra a ninguém. Não existe uma guerra, esse discurso é muito equivocado. Nossos territórios são ocupados por gente trabalhadora e de bem que sustenta esse país pagando uma das maiores cargas tributárias do mundo. As favelas geram milhares de emprego e representam a força de trabalho que move a cidade e o país. As favelas são pólos de arte e cultura e esporte abandonados pelo Estado. 

Abandono que sentimos na pele com a chegada do novo coronavírus ao Brasil. Vale deixar registrado que durante essa pandemia mortal houve diversas operações policias causando morte nas comunidades. Isso representa o terrorismo de Estado ao qual somos submetidos. Não tivemos acesso a testes e a tratamento de saúde adequado contra o novo coronavírus. 

Essa pandemia também revelou heróis e heroínas do povo brasileiro. Milhares de lideranças comunitárias abandonaram seus lares e suas famílias para lutar contra a pandemia distribuindo de cestas básicas, kits de higiene formando redes de solidariedade. Centenas de lideranças comunitárias perderam as vidas em todo Brasil. A esses homens, mulheres e seus familiares seremos eternamente gratos e prestamos nossas sinceras homenagens. 

Esperamos que um dia essas autoridades que nos abandonaram e que agiram deliberadamente nos desvios de dinheiro da saúde possam ser julgadas e condenadas por seus crimes contra o povo brasileiro e a humanidade. 

O bagulho é doido né? Eu não falei que a história da favela é de resistência? Mas essa história não acabou ainda. Nesse dia 04 de novembro, dia estadual da favela, a FAFERJ segue na luta, eu sigo na luta e sei que você também segue. Somos a maioria da população. Individualmente fazemos nossa parte, mas juntos faremos a diferença. Eu sou porque nós somos. Marielle presente!

Você sabia?

Há pelo menos 10 anos comemora-se no dia 04 de novembro o Dia da Favela, como forma de relembrar o histórico de luta, resistência e sociabilidade das favelas, mas apenas em 2019 que a data passou a fazer parte do calendário estadual, graças à Lei Ordinária N° 8489/2019.