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Abordagem policial: realidade de excessos

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Segundo pesquisa, 4 em cada 10 moradores de favela já passaram por alguma situação de violência durante abordagem policial.

Por Thaís Cavalcante – 14/10/2020

Um dos motivos que nos faz correr é o medo – de alguma uma situação ou de alguém. Essa atitude é compreensível, mas não tolerada em casos de abordagem policial, por exemplo. Ainda que a segurança seja um direito dos cidadãos e dever do Estado, garantido pelo artigo 144 da Constituição, sabe-se que a aplicabilidade deste artigo acontece de formas distintas dentro e fora de áreas populares. Nem mesmo a pandemia modificou a vivência dos moradores em um cotidiano marcado por violações de direitos. 

É o que mostra a pesquisa Periferia, Racismo e Violência, feita este ano pelo Instituto Locomotiva a pedido da Central Única das Favelas (CUFA). Segundo a  pesquisa, 49 milhões de brasileiros declararam ter sofrido algum tipo de constrangimento durante abordagem policial. Já nas favelas e periferias, a cada 10 pessoas, 4 relataram ter passado por alguma situação de violência durante abordagem, como desrespeito, agressões verbais, físicas e até suborno. O levantamento mostra ainda que o alvo da violência policial continua sendo homem negro de baixa renda.“Para o jovem negro de favela, só pelo fato dele estar andando na rua em dia de operação, ele é um suspeito em potencial. Então ele sofre violência passando por esse filtro racial, de que o jovem negro tem alguma ligação com crimes”, afirma Lidiane Malanquini, Coordenadora do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes  da Maré.

Lidiane conhece de perto essa realidade. Acompanha denúncias de casos dentro do território em dias de plantão de atendimento com o projeto Maré de Direitos. A ação busca dar suporte ao morador que passe por algum tipo de violação ou abuso durante operações policiais na Maré. “Faz parte do nosso trabalho fazer essa mediação, reforçar que o direito que existe na cidade vale também nas favelas, igualzinho. Por conta desse trabalho, a equipe já viveu situações em que foi xingada e até atiraram em nossa direção. Uma abordagem extremamente violenta e agressiva [da polícia], entendendo que o nosso trabalho atrapalha o deles”, conta. 

O Maré de Direitos surge justamente para minimizar o impacto desse problema histórico e reforçar para cada morador o seu direito à Segurança Pública, ou seja, o que pode e o que não pode durante uma abordagem, o que fazer para denunciar violações sofridas e mostrar o valor que é debater e entender o tema. Pensando nessas questões, a equipe desenvolveu a cartilha Somos da Maré. Temos direitos!, que traz aos moradores – principalmente da Maré, mas não apenas a eles – pontos importantes do que pode e não pode acontecer durante operações e abordagens policiais.

O que pode e o que não pode?

Episódios de truculência são difíceis de esquecer. Meses atrás aconteceu com Raull Santiago, ativista negro e morador do Complexo do Alemão, no dia de seu aniversário. Ele saía da Maré com quatro pessoas do Coletivo Papo Reto, coletivo que fazem parte. Dois deles foram abordados por policiais que estavam em uma das saídas da Maré. Raull quando percebeu que a abordagem estava violando direitos do companheiro, começou a gravar a ação, e foi detido por desacato por policiais do Batalhão do Choque. O que ele fez não foi ilegal. Qualquer cidadão pode tirar fotos ou filmar atividades policiais, pois o trabalho do agente público é estar a serviço da população. Não contra ela.

É importante entender que a abordagem policial é um ato público, mas também perceber quando acontece o abuso de poder. De acordo com a lei, por parte do policial, a abordagem de fiscalização deve acontecer com educação e respeito ao pedir o documento de identificação. Se o policial entender como abordagem suspeita com motivo, vai pedir para o revistado ficar com as mãos na cabeça, de costas e com as pernas afastadas. Caso seja uma abordagem com um infrator, as permissões são maiores, como revista, imobilização da pessoa e até apontar a arma travada na direção da situação. Recentemente, o Maré de Notícias publicou na edição #112 alguns procedimentos que não podem acontecer durante as operações policiais, além de comentar sobre o direito de se filmar abordagens policiais. O que não pode ser feito durante uma abordagem policial envolve justamente os direitos humanos, como:

– Ninguém é obrigado a dar informações para policiais sobre outras pessoas ou para onde está indo; 

– Os policiais não podem xingar, gritar ou bater em quem está sendo revistado; 

– Mulheres devem ser revistadas por mulheres, mas em caso de ausência o policial homem pode revistar, com respeito. 

O Maré de Notícias procurou o Tenente-coronel do 22º Batalhão de Polícia Militar do Rio de Janeiro para realizar esclarecimentos sobre o tema, mas a entrevista foi negada.

Uma Maré de mobilização

Com apoio institucional e da sociedade civil, o Conjunto de Favelas da Maré segue reagindo às necessidades de lutar pelos direitos que são negados diariamente. A edição especial do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, por exemplo, monitora o impacto da violência dentro do território. No ano de 2019, o número de violências registradas superou o ano de 2018. Um cenário que alarma também toda a cidade.

Alessandro Conceição, jornalista e morador do Conjunto de Favelas do Viradouro, em Niterói, vive o drama e a luta diária de uma ocupação policial violenta em seu território. Ele se inspirou na Campanha Somos da Maré! Temos Direitos!, realizada na Maré para mobilizar e informar moradores sobre segurança pública.

Para criar ações que pudessem minimizar o impacto dessa realidade, fez cartazes e adesivos de sinalização para as portas dos moradores, além de articular ocupações culturais e artísticas com apoio da associação de moradores, organizações locais e mulheres negras. “A ideia dessa ocupação é um protesto dos moradores do Morro da União, no Viradouro, que desde o mês de agosto estão sofrendo uma ocupação policial, apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter proibido operações policiais nas favelas do Rio durante a pandemia de coronavírus”, afirma. 

Além de operações policiais, também está proibido o uso do helicóptero como plataforma de tiro e foi feita a restrição de ações policiais próximas às escolas e creches, como informamos na edição de setembro do jornal Maré de Notícias.

Telefones úteis 

  • Caso precise de assistência ou presencie uma violação de direitos durante abordagem policial, busque ajuda.
  • Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio – 0800 282 2279
  • Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj – 0800 025 5108
  • Disque 100 – Disque Direitos Humanos

Ronda Coronavírus: Foram registrados novos casos de reinfecção por covid-19 no mundo

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Mesmo sendo casos raros, é importante que as pessoas que já se infectaram sigam as normas de distanciamento

Nesta segunda-feira (12) foi comprovado o quinto caso de reinfecção por covid-19 no mundo – o primeiro nos Estados Unidos. Também ontem foi registrado o caso de uma mulher holandesa que se reinfectou dois meses após o primeiro contágio e veio a falecer. No caso do jovem americano de 25 anos, os sintomas foram mais graves que da primeira vez que teve contato com o vírus, como dificuldade de respirar. Segundo artigo publicado pela revista científica Lancet Infectious Diseases, pesquisadores descartaram a possibilidade de hibernação do vírus original, afirmando que o rapaz contraiu o vírus duas vezes. 

Até onde sabemos, as reinfecções foram bem raras. Segundo a revista científica, foram cinco casos confirmados no mundo até outubro: em Hong Kong, Bélgica, Holanda, Equador e Estados Unidos. Entretanto, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou em coletiva nesta segunda-feira que tem ocorrido um aumento de casos na Europa e na América, além do mundo ter batido recordes de casos diários dois dias consecutivos na última semana. No mundo já são mais de 37.999.713 de casos confirmados e de 1.083.597 mortes.

No Brasil, até às 13h, eram mais de 5,1 milhões de casos confirmados e 150,9 mil mortes pelo novo coronavírus, de acordo com o levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa. A cidade do Rio tem hoje mais de 111,2 mil casos confirmados e 11,4 mil mortes pela covid-19. Destes, a Maré tem 1.838  casos suspeitos e confirmados e 156 mortes registradas desde o início da pandemia, de acordo com o Painel Unificador COVID-19 Nas Favelas do Rio de Janeiro.

Apesar de os números apresentarem uma estabilidade ou recuo, o Diretor executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS), Michael Ryan, também alerta que é preciso ficarmos atentos para um novo pico da doença, como tem acontecido com alguns países da Europa, como a França, que sinalizou na última semana uma segunda onda de contágio.

Vacina falsa circula em Niterói

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebeu uma denúncia de venda de vacina para a covid-19 em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. De acordo com a Anvisa, uma empresa está comercializando um imunizante dizendo que se trata da vacina da AstraZeneca, ainda em desenvolvimento pela Universidade de Oxford. A agência reforça que as vacinas no Brasil neste momento são apenas para testes clínicos, que ainda não tiveram resultados conclusivos, logo não podem ser comercializadas.

Confronto armado na Maré

O dia das crianças costuma ser um dia de bastante risada e momentos felizes. Infelizmente o último dia 12 de outubro não foi assim para a família de Leônidas Augusto da Silva de Oliveira. Como informado na Ronda Coronavírus da última sexta-feira, moradores relataram a troca de tiros ao longo da manhã do dia 9/10,que  resultou na morte do menino de 12 anos. Ele estava com a avó, que não foi alvejada. Uma mulher de 31 anos que passava pelo local também foi atingida no braço, mas foi liberada do hospital e passa bem.

Leônidas foi atingido na cabeça e após a insistência das pessoas que estavam no local, foi levado pelos policiais militares para o Hospital Geral de Bonsucesso consciente. Ele passou por uma cirurgia e infelizmente não resistiu.

Segundo familiares, houve omissão de socorro por parte de policiais, o que fez com que as pessoas começassem a filmar o que ocorria. De acordo com a PM, a viatura foi alvejada por dois carros que seguiam sentido Zona Oeste e que quando os tiros cessaram, as duas pessoas estavam baleadas foram socorridas na sequência. 

Professores e “greve pela vida”

Em assembleias virtuais realizadas no dia 10 de outubro, professores associados ao Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe-RJ) e ao Sindicato dos Professores do Município do Rio (Sinpro-Rio) optaram por manter a greve contra as aulas presenciais. A medida é uma forma de resguardar vidas de profissionais da categoria, assim como alunos, responsáveis e outros profissionais que também atuam nos espaços educacionais. Em carta aberta emitida pelo Sinpro-RJ, a organização reforça que a greve é apenas contra o retorno presencial, tendo em vista que os professores seguem dando aula de forma remota.

Essa é uma resposta ao anúncio feito no dia 09 de outubro pelo governador em exercício, Cláudio Castro, que propôs o retorno às aulas presenciais no próximo dia 19 de outubro para os 126 mil alunos inscritos no terceiro ano do ensino médio, dando prioridade aqueles que irão prestar o Enem. Serão cerca de 35 dias letivos até a data da prova (17/01/2021), com possibilidade de aulas aos sábados. Os alunos do 6º ano do ensino fundamental até o 2º ano do ensino médio não retornam às aulas esse ano.

Chamada pública A Fundação Heinrich Böll, a Fábrica de Imagens – ações educativas em cidadania e gênero (CE) e o Observatório das Favelas (RJ) convocam artistas do Rio de Janeiro e Ceará para se inscrever no edital “Olhares sobre o agora – cultura, diversidade e direitos”. A proposta da chamada pública é para aqueles e aquelas que abordam em suas produções debates em torno dos direitos humanos, na busca pela redução de desigualdades sociais. Os selecionados receberão R$1500 para produzir os seus trabalho. Acesse o edital para mais informações.

Um meio ambiente que pede socorro

Com queimadas pelo país, moradores tentam preservar o verde na Maré

Maré de Notícias #117 – outubro de 2020

Hélio Euclides

O meio ambiente nunca sofreu tanto como nos últimos 2 anos, mas, foi em  2020, que ele  levou “socos cruzados”, daqueles que deixam sequelas. Na cidade do Rio de Janeiro, logo no início do ano, o que parecia  geosmina – composto orgânico encontrado no solo – era poluição industrial nas águas do Rio Guandu, o que fez com que os cariocas ficassem sem água potável em casa. Em agosto, começaram as queimadas, que  destruíram mais 3 milhões de hectares, cerca de  21% da área do Pantanal. Recorde absoluto na história deste bioma, que é o mais úmido do planeta. E, no mês em que iniciamos a primavera, e se comemora o Dia da Árvore (22 e 21 de setembro respectivamente), o Brasil arde em chamas na Amazônia, no Cerrado,  na Região Serrana do Rio de Janeiro e no Pantanal –  que ainda não teve o fogo controlado.(até o dia 23/9)

Diante do cenário trágico, pequenas atitudes de preservação ambiental ganham outra dimensão. Na Maré, moradores lutam pela preservação de espaços verdes. Ao longo dos 20 anos, como supervisor na Vila Olímpica da Maré, Pablo Ronaldo Oliveira sempre teve muito carinho pelas árvores do local.  E não é à toa, o projeto original paisagístico da Vila Olímpica foi feito pelo paisagista Burle Marx. “O ex-diretor do espaço, José Fantine, me incentivou a continuar o paisagismo, então, começamos a pegar mudas com moradores e também compramos algumas. A Maré, devido às construções habitacionais, foi perdendo o seu verde. Hoje temos, como grande referência na Maré, a Vila Olímpica e o Parque Ecológico, na Vila dos Pinheiros”, afirma Pablo. 

Outros moradores preservam o verde dentro de suas casas. Marineide Felix, conhecida como Dona Neide, tem cerca de 20 vasos na frente da casa onde mora  na Baixa do Sapateiro, uma das 16 favelas da Maré. “Gosto de plantas desde minha infância, esse amor foi passado de meus pais para os filhos. Com a pandemia, tive mais tempo para cuidar das plantas, o que foi bom. Se tivesse espaço, teria mais vasos, pois cuidar da natureza traz um bem-estar para todos, não nos deixa deprimida, contribui com a diminuição da poluição e causa mais sombra nas ruas”,revela a entusiasmada dona de casa.

Há doze anos, Raimunda Sousa, comerciante da Nova Holanda, outra favela da Maré, ganha a vida vendendo plantas, mas confessa que sua maior conquista foi acabar com o lixo na porta de sua loja. “Comecei a plantar tudo que eu tinha em casa. Depois outras pessoas começaram a querer plantas, então comecei a vender. As pessoas ainda não dão tanta importância à natureza, por isso gostaria de poder ensinar às pessoas a gostar e cuidar das plantas”, comenta a comerciante que, apesar de sempre ter gostado da natureza, foi após uma depressão que o amor se revelou com mais força.

Pablo Oliveira em momento de cuidado das plantas da Vila Olímpica, cujo projeto paisagístico é de Burle Marx – Foto: Elisângela Leite

Dicas para um cuidado com as plantas:

Para cuidar das plantas é preciso ter um solo saudável, com reposição de matéria orgânica, reintroduzindo nutrientes através de adubo ou composto. Cobrir o solo com uma camada de matéria morta, como grama seca ou folha seca ou ainda serragem protege e mantém a umidade. Outra dica é regar sempre em horário em que o sol não esteja forte, somadas a podas periódicas. As plantas precisam de adaptação às condições do clima e à iluminação. Há plantas que requerem mais luz e outras que preferem meia sombra.

O biólogo Jorge Tonnera Junior lembra que a reposição de matéria orgânica no solo pode ser feita através de fertilizantes, produzidos dentro de casa, por meio da compostagem de talos, folhas ou cascas de frutas, legumes, casca de ovos e borra de café. A maioria das plantas precisa receber água todo dia. Mas não é bom encharcar a terra. É preferível regar a terra, nem toda planta suporta que suas folhas sejam molhadas. “É preciso sensibilidade e atenção para perceber como as plantas respondem”, conta. O biólogo informa que as próprias folhas mostram como a planta está: se saudável, se necessita de água, nutrientes ou se não está tolerando o clima ou a luz. 

Veja algumas dicas específicas:

  • Cebolinha, onze horas e coroa-de-cristo: são plantas que gostam muito de sol, ou seja, não vão sobreviver em ambiente com pouca. 
  • Tomateiro: embora goste de sol, aceita meia sombra. 
  • Tomilho: uma planta que bebe bem água e não aguenta alguns dias sem água na terra. 
  • Coentro: atraem joaninhas e essas se alimentam de pragas, como pulgões que adoecem couve e brócolis.

Árvores morrem por podas

Sérgio Ricardo, ambientalista e coordenador do Movimento Baía Viva, afirma que, em média, recebe três reclamações semanais de podas assassinas –  cortes que são feitos sem estudo prévio, podendo causar a morte das árvores. “Acredito que o déficit de arborização seja de 21 milhões de árvores, por ter em média a perda de 200 mil unidades por ano. Deixamos de ter uma cidade de sustentabilidade. Com mais concreto, passamos a perceber uma cidade mais quente, com ilhas de calor. É preciso amenizar as condições climáticas com arborização”, diz ele. Acrescenta que a poda assassina virou um padrão de política pública por parte da Comlurb, mas que a Light também faz as podas indevidas. 

A insegurança também agrava a situação, pois, para que as ruas não fiquem  escuras, é feita a poda como uma solução equivocada. Para o ambientalista, o que não faltam são equívocos dos governos na questão ambiental.  “O Plano Diretor de Arborização Urbana é maravilhoso, mas não saiu do papel. Aqui na cidade do Rio de Janeiro, estamos passando pela farra do boi, com a construção do autódromo, que vai causar a devastação de uma  Floresta, que é a  do Camboatá”. 

A assessoria de Imprensa da Light informou que apenas realiza a poda dos galhos que estão em contato com a rede elétrica da empresa. E que os demais serviços de podas de árvores, remoção de árvore ou poda completa são de responsabilidade da Prefeitura do Rio. 

A Fundação Parques e Jardins diz que está trabalhando em conjunto com a Comlurb para fazer o inventário arbóreo da cidade, que tem em torno de um milhão de árvores. Confirmou que a cidade ideal teria todas as vias totalmente arborizadas, porém isso não demanda somente plantio, mas também infraestrutura urbana. Sobre a Maré, informou que no momento não tem nenhum projeto específico para o território.

Florestas viram cinzas após incêndios 

Na comparação com o ano passado, a quantidade de incêndios nas florestas brasileiras  subiu 10% em 2020. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou, na Amazônia, até o meio de setembro, 8% a mais de incêndio do que o mesmo período de 2019. A área desmatada na Amazônia pelo do fogo foi de 1.359km² em agosto. O número é o segundo maior para o mês dos últimos cinco anos.

O fim do Fundo da Amazônia e a proibição do trabalho do Ibama podem ter influenciado este aumento. O ambientalista acredita que, com a  dificuldade de o IBAMA em trabalhar e sem a sua fiscalização, ficou mais fácil para grileiros e fazendeiros promoverem queimadas criminosas, para usar terras, antes, protegidas no agronegócio: “O Governo Federal não tem uma política ambiental e de bioeconomia. O que está acontecendo na Amazônia influencia o Sudeste, com relação ao regime de chuva e impacto no reabastecimento de água. O medo é a Amazônia passar por um estado de savanização, se transformando num cerrado”. 

Apesar da alta nos registros de incêndios florestais, a previsão é de que os principais órgãos federais, que cuidam dos biomas do país, tenham menos orçamento em 2021. De acordo com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), para o ano que vem, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) podem ter um corte de R$ 126,1 milhões nas suas verbas.

Três décadas de lutas pelas Crianças

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Estatuto da Criança e do Adolescente completa 30 anos de atuação na garantia da cidadania

Maré de Notícias #117 – outubro de 2020

Hélio Euclides e Thaís Cavalcante

“…quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão. Criança não trabalha, criança dá trabalho…” De uma forma animada, a dupla musical Palavra Cantada interpreta a canção Criança Não Trabalha, de composição de Arnaldo Antunes e Paulo Tatit. A música infantil lembra que trabalhar é coisa para adultos, que a criança tem de brincar, experimentar, bagunçar, riscar e desenhar. As preocupações devem ficar para o futuro. O trabalho infantil é crime, sendo um dos temas encontrados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que, em 2020, completa 30 anos.

Com o papel de guardião da garantia dos direitos e deveres das crianças e dos adolescentes, os conselheiros tutelares são fundamentais nos territórios, na expectativa de melhoria da qualidade de vida. O Conselho Tutelar 11, em Bonsucesso, é o órgão gestor da área que abrange Manguinhos, Cidade Universitária,  Bonsucesso  e Maré. Os conselheiros recém-empossados são Carlos Henrique, Daniel Soares, Jader Fagundes, Maria Elisângela e Rosimere Nascimento. Pela primeira vez, os cinco profissionais do Conselho são oriundos de favela. Esse olhar próximo, a vivência e a bagagem são convertidas num atendimento sensível, de atenção e de uma maior escuta. 

O conselheiro Carlos Henrique, mais conhecido como Carlos Marra, é morador do Parque União, uma das 16 favelas da Maré e lembra que todos os direitos e deveres necessários, mencionados na lei devem ser cumpridos. Segundo Marra, o Conselho Tutelar tem de estar alinhado e junto com as redes de proteção, que são as de Saúde, Educação e Assistência Social. Este último reúne o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). “O conselheiro é esse articulador que vai fazer a ponte para a mediação dos equipamentos e, assim, possibilitar a criação de novas políticas públicas, pensadas a partir das necessidades reais e efetivas dos territórios. Precisamos estar o tempo todo dialogando com as escolas e estudando todas as questões, tipo as vagas para os estudantes e a evasão escolar. Na saúde, acompanhar a campanha da vacinação, a prevenção à gravidez na adolescência, o pré-natal e casos de IST/AIDS”, expõe. O conselheiro tutelar deve manter diálogo com pais ou responsáveis legais, comunidade, poder judiciário e executivo e, principalmente, com as crianças e adolescentes.

Marra avalia que, passados 30 anos, o ECA ainda precisa ser colocado em prática em sua integralidade. Para isso, seria necessário que os profissionais de saúde se apropriassem mais do estatuto, e que o mesmo fosse ensinado na sala de aula, para que crianças e adolescentes pudessem saber de seus direitos. Apesar das dificuldades, o documento é uma política pública, que reafirma e fortalece, de forma necessária, o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, que são sujeitos de direitos.

Muitas vezes, as leis deixam de fora as crianças e os adolescentes, contudo, o ECA foi feito para protegê-las e, neste sentido, dialogar e entender quais são as melhores maneiras de atendê-los. “O ECA, mesmo com todos os retrocessos e questões políticas, ainda se mantém existindo e resistindo. Nós, conselheiros, estamos no trabalho de dar respaldo a esta ferramenta, que é muito importante para a sobrevivência das crianças e adolescentes”, finaliza Marra.

O Estatuto surge em 1990, para substituir o Código de Menores, de 1979, que era voltado apenas para crianças e adolescentes em “situação irregular”, associando pobreza à delinquência. O documento é fruto de uma forte mobilização da sociedade civil organizada e representa um novo olhar para os direitos desta parcela da população.

“Apesar das leis contidas no ECA, a proteção às crianças e adolescentes são diferenciadas, no asfalto ainda não é a mesma que na favela.” Beatriz Cunha, subcoordenadora de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Rio

Garantia de direitos

A garantia de direitos é coletiva, mas quem faz a assistência jurídica integral e gratuita da população é a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a qual, antes mesmo da pandemia, moveu uma ação civil pública para impedir a violação de direitos nas favelas. Conseguiu a proibição de operações policiais próximas às creches e escolas públicas, nos horários com mais movimentação. Fundamental na vida de crianças e jovens que, frequentemente, têm o seu direito à educação negado  por causa da violência cotidiana. 

Junto aos desafios enfrentados pelas famílias da Maré neste primeiro semestre, está a adaptação das aulas à distância. Beatriz Cunha, subcoordenadora de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, acredita que o direito à educação não pode ser deixado de lado nem mesmo em uma pandemia. “O que me chamou a atenção foi a oferta de uma educação virtual na rede pública de ensino para aqueles que estão em situação de pobreza ou não têm pessoas que podem auxiliá-los no sentido educacional do conteúdo”, diz.

Cunha garante ainda que, devido ao isolamento social das famílias, aumentaram as demandas de violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes. Outro motivo de muita procura vinda dos moradores de favela foi sobre a falta de acesso à merenda escolar, já que as aulas presenciais continuam suspensas. Questões sociais antes urgentes, agora, borbulham. “Apesar das leis contidas no ECA, a proteção às crianças e adolescentes são diferenciadas, no asfalto ainda não é a mesma que na favela. A grande modificação do ECA é que a proteção integral à criança deve ser oferecida pela sociedade, pelo Estado e pela família”, comenta.

Existe uma versão ilustrada do ECA para o público infantil – Crédito: plenarinho.leg.br – Câmara dos Deputados

Apoio social promove cidadania

Esse fortalecimento de direitos é praticado diariamente pelas organizações sociais, como o Projeto Uerê, que atende crianças na Maré há 22 anos. Os filhos de Maria José, moradora da Nova Holanda, foram beneficiados pelo projeto de diferentes formas. Maria é mãe social, também conhecida como mãe acolhedora. Ela tem dois filhos biológicos e quatro filhas de coração. As crianças, que são irmãs, foram abandonadas e acolhidas por ela, junto ao Conselho Tutelar. Mãe solo teve seu maior apoio foi no Projeto Uerê, que deu todo o suporte na alimentação e educação das crianças e jovens. 

Maria se orgulha da criação dos filhos. Hoje, adultos, uns estão casados, outros formados. “O projeto é tudo. Ajuda na disciplina, na educação das crianças e apoia as famílias que querem”, conta. A partir da experiência de ser uma mãe acolhedora, ela avalia que, na prática, ainda há obstáculos para a garantia da cidadania: “As leis são difíceis, eu tive essa facilidade, pois tive o projeto para me ajudar. O direito, as crianças têm, mas às vezes não funciona”, conclui.

Francis Roberta, assistente social do Projeto Uerê há 19 anos, defende que o trabalho da instituição é de orientação, escuta e conversa. Um laço tão forte como o de uma família. “Trabalhamos as disciplinas regulares, como Inglês, Artes e Música; mas, principalmente, buscamos saber como estão nossas 270 crianças e jovens”, conta. A nova rotina da instituição, com a pandemia, tem sido de aulas remotas e a entrega de cesta básica e kits de higiene todo mês. Por fora, os desenhos dos muros do Projeto alegram a Nova Maré, favela onde a organização tem sua sede. Por dentro, as cadeirinhas coloridas e figuras na parede garantem a decoração para o retorno das atividades infantis, ainda sem data. 

Todos podem ajudar. 

Quem desejar assegurar a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, é só entrar em contato com o Conselho Tutelar que atende toda a Maré.

  • Endereço: Rua da Regeneração, n° 654, Bonsucesso
  • Atendimento presencial de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h.
  • E-mail: [email protected]
  • Telefones: (21) 2573-1013 / 2562-3100 / 97340-1559
  • Telefone do Plantão 24h: (21) 98909-1432

Ronda Coronavírus: Estado do Rio ultrapassa 19 mil mortes por covid-19

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Segundo especialista, estado deveria ter saído de quarentena em julho, se o isolamento fosse mais rígido e possível a toda população

O estado do Rio ultrapassou nesta quinta-feira a marca de 19 mil vítimas fatais pela covid-19 e hoje já soma 19.222 pessoas mortas, além 282.080 pessoas diagnosticadas pela doença em todo o estado, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES). A capital segue sendo a cidade com os maiores números: são até o momento mais de 111 mil casos confirmados e 11,3 mil mortos. A Maré tem até hoje 1.838 casos e 156 mortes, entre confirmadas e suspeitas, de acordo com o Painel Unificador de Favelas. Já no painel da prefeitura, o conjunto de 16 favelas registra até o momento 701 casos confirmados e 123 mortes.

O infectologista Roberto Medronho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que se boa parte da população tivesse adotado e seguido o isolamento de forma mais rígida até julho, provavelmente teríamos um número menor de casos registrados diariamente. Tendo em vista que após quase sete meses desde o primeiro caso confirmado no estado, o Rio de Janeiro passou recentemente por um período de alta de média móvel de casos e mortes, quando deveria estar em queda. Entretanto, é preciso lembrar que para se cumprir o isolamento, era necessário uma série de fatores que permitissem que a população ficasse em casa, como moradias com boa circulação de ar e acesso à água para higienização, e que nem todos possuem essas estruturas mínimas.

Confronto armado na Maré

Moradores da Maré relataram que nesta sexta-feira (09), por volta das 5h30, iniciou um confronto na Divisa, com registros de tiros mais intensos a partir das 8h. Quatro viaturas foram vistas na entrada da Rua Teixeira Ribeiro (Parque Maré). Durante os disparos, o Mercado Vianense ficou com meia porta aberta e pessoas que estavam pela região se abrigaram no mercado. Também houve registro de tiros ao longo do dia e, segundo moradores, pelo menos duas pessoas foram baleadas.

#Colabora com essa Maré de Notícias

Em junho, o Projeto #Colabora e o Maré de Notícias convocaram jornalistas formados e em formação da Maré para se inscreverem no projeto, que além de oferecer uma bolsa, daria treinamento on-line na produção de textos. Após oficinas com jornalistas das organizações participantes, os bolsistas selecionados produziram textos sobre a realidade da Maré em meio à pandemia em diversos eixos: saúde, educação, economia e saúde mental. Confira nos sites do #Colabora e do Maré de Notícias os textos dos jovens jornalistas da Maré.

Longo e penoso caminho da educação à distância na Maré, por Elaine Lopes e Matheus Luiz Chagas;

Pandemia acentua dificuldades para mulheres negras da Maré, por Myllenne Fortunato;

Luta que vem de dentro, por Thaís Cavalcante;

Para ter saúde, a Maré só conta com ela mesma, por Ana Clara Alves e Jonatas Magno;

Onda de crises e uma Maré de oportunidades, por Luís Augusto de Souza Junior.

Bolsas de fotografia

O Instituto Moreira Salles (IMS) está com edital aberto até novembro para bolsas de fotografia pelos projetos Bolsa de Fotografia ZUM/IMS e Bolsa IMS de Pesquisa em Fotografia. A bolsa ZUM tem valor de R$65 mil e não tem restrição de tema, perfil ou suporte e os fotógrafos têm oito meses para entregar o resultado final do trabalho. Os interessados podem se inscrever no site da ZUM até 02 de novembro.

Já a segunda bolsa é de R$30 mil e é voltada para projetos de pesquisa sobre o lugar da fotografia na formação de representações históricas, sociais e culturais no Brasil, tendo como base imagens do acervo do IMS. Para concorrer a essa bolsa, os interessados devem possuir título de mestre. Estrangeiros também podem concorrer, bastando comprovar residência no Brasil por, no mínimo, um ano. Os interessados podem se inscrever para essa bolsa até o dia 22 de novembro através do site do edital. 

Exposição no IMS

A partir do próximo sábado (10), inaugura a Ocupação Eduardo Coutinho, no IMS Rio. No dia da abertura, vai acontecer uma live no canal do YouTube do IMS com Carlos Alberto Mattos, um dos curadores da exposição, João Moreira Salles, documentarista e produtor de Eduardo Coutinho, e Jordana Berg, editora, contando sobre o processo de produção e finalização do documentário Últimas conversas, de Coutinho. Para conferir a exposição, é necessário agendar a ida através do site, além de manter as medidas de cuidados e prevenção da covid-19.

Semana da criança com Vila Sésamo

Do dia 12 a 17 de outubro a Vila Sésamo vai realizar o projeto Vamos Brincar, iniciativa que vai incentivar hábitos saudáveis para famílias, principalmente as que têm crianças da primeira infância em casa. Alguns dos temas é a importância de uma boa alimentação, exercício físico, higienização pessoal, etc. Vejam release abaixo com mais informações. Além de atrações como, a live também conta com a presença de Elmo e Bel, personagens da Vila. As lives vão acontecer a partir das 10h no canal do YouTube da Vila Sésamo. 

Dia das crianças

Como sabemos, dia 12 de outubro comemora-se o dia das crianças e organizações da Maré pretendem realizar algumas ações para presentear os pequenos, que de acordo com o Censo Populacional da Maré (2019), uma a cada quatro pessoas da Maré são crianças, em um total de 34.034 pessoas de 0 a 14 anos.

O pré-vestibular Unifavela vai presentear 100 crianças com livros e brinquedos que exaltam a cultura afro-brasileira. A ação Brinque Leitura está precisando de doações até o dia 11 de outubro para a compra de bonecas e bonecos pretos da empresa Era Uma Vez o Mundo e compra de livros da livraria Nia Produções Literárias, especializada em literatura negra infantil. Participe aqui: http://eraumavezomundo.com.br/impacto-social/.

A Frente de Mobilização da Maré vai distribuir 500 kits lanches para as crianças, com biscoitos doces e salgados, iogurte, achocolatado, milho de pipoca e suco em caixa. Além de alimentos, também terá giz de cera e caderno de pintura. A ação está arrecadando doações até o dia 14 de outubro para a compra e preparação dos kits. Participe aqui: www.frentemare.com/comodoar.A página Divulga Maré está realizando uma ação de apoio ao grupo Especiais da Maré. O coletivo vai distribuir fraldas infantis e geriátricas e leite para crianças e adultos com deficiência. A ação precisa de doações até o dia 11 de outubro para a compra desses itens de higiene e de alimentação. Participe aqui: www.instagram.com/divulga.mare.

Onda de crises e uma Maré de oportunidades

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Empreendedores do maior conjunto de favelas do Rio contam como deram a volta na crise econômica vinda da pandemia

Por Luís Augusto de Souza Junior em 09/10/2020 às 15h23

Esse texto é uma iniciativa #Colabora nessa Maré de Notícias, parceria entre o Projeto #Colabora e o Maré de Notícias.

Nas 16 favelas da Maré existem 3.182 empreendimentos, que oferecem serviços variados, segundo o Censo Maré de 2013. O levantamento, realizado pela Redes da Maré em parceria com o Observatório de Favelas, também revela que mais de 60% da renda do território são gerados pelo comércio local, movimentação de quase R$ 120 milhões ao ano. Os números desabaram na realidade econômica pela pandemia, que empurrou o Brasil para a recessão, fechando milhares de empreendimentos pelo país.

Com a desigualdade que nos acompanha desde sempre, tudo é mais difícil para a parcela mais pobre da população. Os empreendedores da Maré conjugaram criatividade e determinação para se reinventar na crise mais profunda de nossa história recente. Um povo que confirma aquela antiga propaganda: não desiste nunca!

Hadelson Gomes em atividade no Salão Barba Negra, na Salsa e Merengue, na Maré.
Foto: Luís Augusto Júnior

Hadelson Gomes, 23 anos, é barbeiro desde os 15. Dono do Salão Barba Negra, na Salsa e Merengue –  uma das 16 favelas da Maré –  ele demorou a acreditar que a doença atravessaria continentes. “No começo achei que não fosse chegar aqui, algo vindo de outro país, a gente não acredita”. Mas a doença não só chegou na sua família como afetou o bolso. Gomes teve que lidar com o drama de ver os pais contaminados pela covid-19. “Foi o momento mais difícil, tive que fazer  a quarentena na casa de um amigo que trabalha comigo”, relembra ele, que vive na Maré desde nove anos de idade.

Ainda havia o desafio de manter o sustento. Ele teve que driblar as dificuldades e fazer malabarismos para garantir a renda na pandemia. “Assim que começou a afetar o salão, fiquei apreensivo. Mas tive a ideia do corte de cabelo a domicílio. Se o cliente não vai até até a régua, a régua vai até o cliente”, filosofa o barbeiro, citando a referência de cabelo bem cortado. “Deu certo e conseguimos inaugurar nosso espaço próprio, bem mais aconchegante e com maior conforto para os nossos clientes”, completa. 

Mas fazer da crise oportunidade não foi exclusividade de Hadelson. Luiz Pereira de Carvalho, 40 anos, e Suenia Pereira de Carvalho, 33, são casados e sócios da confeitaria Luiz Tortas & Bolos, na Vila dos Pinheiros, também na Maré. O casal ficou desesperado quando as encomendas começaram a ser canceladas. “Foi tudo muito rápido, as festas sendo canceladas uma por uma, e a gente não sabia o que fazer”, recorda Suenia.

Pamela botando a mão na massa em sua confeitaria.
Foto: Luís Augusto Júnior

O empreendimento é a única renda da família, e não dava para desistir. “A gente começou a fazer alguns kits de festa em tamanho menor, e entregar em casa, imaginando que as pessoas queriam comemorar datas especiais, como aniversários, dia das mães, dos namorados”, lista Luiz, que consertou a bicicleta para ajudar nas entregas. O resultado foi tão positivo que o casal está entusiasmado com a oportunidade de abrir uma escola de confeitaria, projeto para o próximo  ano.

Adriano  Barros, dono da AD Barros Store
Foto: Luís Augusto Junior

A pandemia e a crise grave econômica levaram a um aumento da preocupação com itens emergenciais e básicos como alimentação, medicamentos e moradia. Comprar roupas novas virou supérfluo – só que não, ensina Adriano  Barros, dono da AD Barros Store, loja inaugurada há um ano na Vila dos Pinheiros. “A minha preocupação maior era porque nossas peças são de maior qualidade, e com custo mais elevado”, explica o empresário, que teve queda de 40% no faturamento.

Mas no meio da crise a solução foi investir. “A gente pensa pensa muito né? E dentro de uma comunidade, sempre se espera uma novidade, foi aí que surgiu a ideia da Loja do Galo, que na linguagem aqui do pessoal é 50 reais, então criei a loja onde todas as peças tem o valor único”, celebra ele. 

Em meio a tantos empreendedores, houve quem infelizmente fechasse as portas em busca de um recomeço. É assim com a nutricionista Gracinete Melo, 37 anos, dona da Nutricorpus Mulher, academia que atendia exclusivamente a mulheres na Vila do João, outra favela da Maré. “O negócio caminhava bem sempre cheia e com clientes de todas as idades, quando veio a ordem para fechar. Quando tentei reabrir quase nenhuma aluna vinha, dormi com a academia cheia e acordei falida tendo que me virar”, atesta. 

A empresária viveu a tristeza de dispensar os profissionais que trabalhavam com ela, mas manteve uma ajuda de custos até a chegada do auxílio emergencial. Diante dos obstáculos, Gracinete criou novo projeto, o Cemopom (Centro Médico Popular da Maré), que visa a atender moradores da comunidade com qualidade superior à da rede pública e com preço mais acessível que as clínicas particulares ao redor da comunidade. “Vou trazer profissionais excelentes que vão atender os moradores daqui. Sei que o retorno vai vir, mas não tenho pressa. Meu objetivo principal é  ajudar a comunidade”, garante.

Porque mareense que se preza não esmorece diante das dificuldades e segue em frente, na procura por uma vida melhor para si e para a comunidade.

Luís Augusto de Souza Junior é estudante de Jornalismo no Centro Universitário Augusto Motta e morador da Vila do Pinheiro, na Maré.