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Ronda Coronavírus: mesmo proibida, operação policial acontece na Serrinha, em Madureira

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Policiais de oito batalhões participaram da ação e apreenderam uma pistola e um rádio comunicador. O Rio tem o sétimo dia de alta na média móvel de mortes. Na Maré houve um aumento de 29 casos entre os dias 17 e 22 de setembro.

De quinta para sexta-feira, o estado registrou 1.503 novos casos e 129 mortes por covid-19. Foi o sétimo dia consecutivo de alta na média móvel de mortes. Assim, o estado do Rio chega no limite da taxa de contágio entre risco moderado e alto, como mostra o Covidímetro UFRJ, mapeamento desenvolvido pelo Laboratório de Redes e Multimídia. Desde 16 de março, o a Secretaria do Estado de Saúde contabiliza 259.488 casos e 18.166 mortes por covid-19. A capital continua sendo a cidade com o maior número de casos, ultrapassando nesta sexta-feira (25) o número de 100 mil infectados, além de 10.793 mortes.

Covid-19 na Maré

Conforme destacamos na Ronda Coronavírus de segunda-feira (21), o Painel Rio Covid-19, da Prefeitura do Rio, apontou um aumento de quase 400 casos na Maré entre os dias 18 e 21 de setembro. Em resposta, a Subsecretaria de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde (Subpav) esclareceu que ocorreu um problema técnico na geração de informações do painel e o dado já foi corrigido. Na Maré houve um aumento de 29 casos entre os dias 17 e 22 de setembro. Nesta sexta-feira, 25 de setembro, a Maré soma 629 casos e 120 mortes confirmados. 

Operação policial na Serrinha

Mesmo com a determinação do STF de suspender operações policiais em favelas Rio de Janeiro durante pandemias, moradores da Serrinha, em Madureira, amanheceram com tiros de uma ação policial no território. Policiais de oito batalhões participaram da ação e apreenderam uma pistola e um rádio comunicador. Muitos moradores relataram a ação ilegal nas redes sociais.

Abastecimento de água

Na última quinta-feira, a Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae) realizou manutenção preventiva anual na Estação de Tratamento de Águas (ETA) Guandu. O fornecimento foi interrompido para as cidades do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, São João de Meriti, Nova Iguaçu, Queimados, Mesquita, Nilópolis e Belford Roxo, com o serviço previsto para acontecer de 8h a 20h. Entretanto, devido a um atraso no trabalho, a manutenção se estendeu até às 4h do dia 25 de setembro, fazendo com que o abastecimento demorasse o seu retorno. Após a manutenção foi identificado um vazamento na Elevatória do Lameirão, que abastece as cidades de Rio de Janeiro e Nilópolis, que já foi reparado. A previsão é que o abastecimento se normalize em até 48h. Confira a nota da companhia aqui.

Adiamento dos desfiles das escolas de samba

Na noite de quinta-feira (24), a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) decidiu em plenária pelo adiamento dos desfiles do Grupo Especial do carnaval carioca, que ocorreria em fevereiro de 2021, em decorrência da pandemia de covid-19. Além da dúvida, por não saber se em fevereiro a população já vai estar imunizada, ainda há o fator do tempo curto para produzir todo o desfile. A Liga estuda uma data para que o carnaval aconteça em 2021, mas segue preocupada em não prejudicar o carnaval de 2022. Em julho, dirigentes da Mangueira, Imperatriz Leopoldinense, Vila Isabel, Beija-Flor e São Clemente anunciaram que só desfilariam em 2021 se já tivesse vacina disponível. 

Na última segunda-feira, Diego Tavares (37), que fazia parte da ala de compositores do Acadêmicos do Salgueiro, morreu de covid-19, após duas semanas internado em estado grave.

Crivella inelegível

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) aprovou por unanimidade nesta quinta-feira (24) a decisão de tornar o atual prefeito, Marcelo Crivella, inelegível até 2026. Desembargadores do TRE-RJ condenaram o prefeito por abuso de poder político e conduta  vedada a agente público. No julgamento, ele foi acusado de convocar servidores da Comlurb, empresa de limpeza da cidade, para participarem de campanha para o filho do prefeito, Marcelo Hodge Crivella, que em 2018 concorria a deputado federal. A defesa do prefeito disse que vai recorrer à decisão e que ele estará apto para disputar as eleições em 15 de novembro.

Dicas culturais

Enquanto os eventos culturais presenciais não voltam, o ideal é aproveitar as lives de dentro de casa. No sábado (26), os filhos do violonista Baden Powell, Marcel e Philippe, farão a live Afetos Especial 20 anos sem Baden, relembrando músicas do artista. O encontro é a partir das 19h no Instagram da Casa Natura Musical.

Também no sábado, a partir das 22h, a cantora Gal Costa fará uma apresentação no canal do YouTube da TNT Brasil para comemorar o seu aniversário de 75 anos e cantar os seus sucessos.No domingo (27), Diogo Nogueira faz mais uma live em sua casa, onde o cantor comanda uma roda de samba enquanto cozinha. Nesta edição, o cantor vai convidar dez nomes da nova geração do samba para se apresentar, como Juninho Thybau e Marina Íris. A apresentação começa a partir das 12h no canal do YouTube do cantor.

Jovem barbeiro da Maré dá workshops durante a pandemia como saída pra crise

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Guilherme começou na profissão com apenas 14 anos e hoje é Embaixador da Batalha dos Barbeiros, projeto de estímulo à profissão na Maré. A categoria “beleza e estética” é a segunda maior em número de empreendimentos nas 16 favelas mareenses.

Thaís Cavalcante

Uma tesoura na mão e um pente na outra. Essas são algumas das ferramentas que Guilherme Nunes, barbeiro de apenas 17 anos, usa para viver da arte que é cortar cabelo e realizar workshops na Vila dos Pinheiros, onde vive na Maré. Fazer parte do mercado da beleza é tradição de família, mas a decisão aconteceu mesmo quando seu pai pediu que cortasse o seu cabelo.

Com apenas 14 anos, muita vontade de trabalhar e um curso feito, Nunes veio de Nova Iguaçu há três anos para morar na Maré e trabalhar no salão de sua tia, o Salão da Bell. “De primeira, eu não cobrava os cortes. Chamava os meninos na rua para cortar. Comecei a pegar prática, conheci outros barbeiros e fui ganhando clientes”, diz.

Quem aprova o trabalho é Carlos Daniel, garçom e vizinho da barbearia, que conheceu através das fotos do instagram, com mais de 3 mil seguidores. “O preço é bom, o local é organizado e o atendimento é maravilhoso. Eu já experimentei outros cortes também, mas sempre faço o degradê navalhado e a barba. Pela idade dele, fiquei impressionado por ser tão talentoso”, conta. Carlos trabalha com o público e sempre que tira folga, vai à barbearia deixar o cabelo no estilo. Garante que um visual produzido chama a atenção.

A reabertura do comércio de rua, salões de cabeleireiros e barbeiros foi permitida em junho pela Prefeitura do Rio de Janeiro, mas o medo da pandemia fez o movimento diminuir. No salão, atendimento só com hora marcada para evitar aglomeração. Com a facilidade de “trocar uma ideia” com os clientes, bastou uma ligação e mensagem no WhatsApp para avisá-los da reabertura. Tudo feito com cuidado: o uso do álcool em gel e máscara de proteção foram indispensáveis.

Barbeiro Guilherme Nunes fazendo o corte degradê navalhado – Foto: Matheus Affonso

Aula de experiência e empreendedorismo
Os homens têm estado cada vez mais preocupados com a aparência. Tanto é que o Brasil é hoje o segundo mercado de cosméticos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo pesquisa feita pelo Grupo Croma em 2019. Não é difícil achar uma barbearia caminhando pelas ruas da favela. A categoria “beleza e estética”, onde se encontram as barbearias, é a segunda maior em número de empreendimentos no Conjunto de Favelas da Maré, de acordo com o Censo de Empreendimentos da Maré (2013). 

As novidades encontradas pela geração que frequenta barbershops vão além da vaidade com cabelos e barbas, mas são pontos de encontro para conversar, beber e comprar roupas e acessórios. Por isso, Guilherme decidiu criar um espaço estilizado dentro do salão de sua tia e a inspiração não veio de longe.

Foi aluno de Clayton Guimarães, barbeiro, educador e empresário da Cool Barber Shop. Clayton, cria do Parque União, também começou aos 14 anos na área da beleza e hoje coleciona prêmios nacionais, cursos na Europa e sua própria escola de aperfeiçoamento. “Quando eu o conheci, ele me deu muita força e me incentivou a fazer cursos. Me passou todas as técnicas na tesoura. Tenho muito o que agradecer ele e a minha tia. Hoje já faço corte, barba, penteado e tô aprendendo pintura”, conta ele.

Guilherme também é Embaixador da Batalha dos Barbeiros, projeto idealizado pela cabeleireira Érica Nunes, cria da Baixa do Sapateiro, Maré. Ela é mais conhecida como a Madrinha dos barbeiros por promover a profissão e formar barbeiros por toda a cidade. “É uma vitória muito grande poder executar esse trabalho, onde a gente gera oportunidade e um trabalho social para milhares de jovens. Tenho orgulho em ser da Maré e ser exemplo para muita gente”, conta Érica. 

A parceria facilita a divulgação de produtos e cortes de cabelos nas redes sociais, além de incentivar o trabalho dos jovens barbeiros. O jovem faz questão de mostrar nas fotos que já cortou o cabelo do cantor Naldo Benny, ex-morador da Vila dos Pinheiros, e até marcou um horário com o jogador de futebol do Benfica, o lateral Gilberto. 

Na contramão de um cenário difícil de desemprego enfrentado pelos brasileiros durante a pandemia, ele conseguiu fazer sua primeira oficina. “Em qualquer área que você procurar ter sucesso, o conhecimento é a chave. Quando eu fui oferecer o meu primeiro workshop pago, os alunos gostaram bastante. Uns eram até mais velhos que eu. Sei que é muita responsabilidade, mas procurei mostrar todas as técnicas”, afirma. O futuro está logo ali e os planos também. Pretende continuar ensinando e crescendo o seu negócio dentro da Maré. “Para mim, não é só pela questão financeira. Vejo que muda a autoestima das pessoas e também quero fazer um corte meu estourar aqui dentro da favela”.

Conheça outros profissionais da área na matéria sobre tendências de cabelo e roupa usadas no Carnaval de 2020, na edição do Maré de Notícias #109.

Qual a origem dos salões e costume de cuidar dos cabelos?

A profissão de cabeleireiro, os salões e barbearias são bastante antigos, mas tem origens em locais distintos. Há objetos arqueológicos, como pentes e navalhas de pedra, que datam mais de 5000 anos. Os egípcios, por exemplo, foram um dos primeiros povos a ter esse cuidados com as madeixas, seja com o uso de navalhas para realizar os cortes de cabelos seja o uso de tintura e henna para tingir perucas, barbas e unhas. Neste momento, os barbeiros e cabeleireiros não tinham um lugar fixo e iam até os clientes para realizar os seus serviços.

Mas é na Grécia que esses profissionais começam a ter um espaço fixo, as koureias. As barbearias de hoje têm bastante semelhança com as gregas. Elas ficavam nas ágoras (praças públicas) e os salões eram locais que se debatia sobre diversos assuntos enquanto cuidava dos cabelos. A própria palavra cosmético tem origem nesse lugar. Ela deriva do grego kosmetikós, que significa “hábil em adornar”.

Durante a Idade Média, a barbearia era espaço também para a realização de procedimentos médicos. Seus profissionais eram mais conhecidos como “cirurgiões-barbeiros”, que exerciam a função de cirurgião, dentista e sangrador – profissional que tentava curar doenças sem nenhuma experiência. Com o passar do tempo, as pesquisas acadêmicas e especializações especificaram o trabalho do barbeiro, que passou a atuar diretamente com atividades relacionadas à beleza e à estética.

No Brasil, a profissão chegou com os jesuítas, que cortavam os cabelos dos indígenas de um modo que era entendido pelos padres como um corte de pessoas civilizadas. Depois do surgimento da navalha, a profissão muda e é limitada ao corte de cabelo e uso de perucas. Todas as classes passam a frequentar o espaço e cursos são criados. Com a fama dos salões unissex e o atendimento personalizado renasce o modelo de barbearia como conhecemos: dedicado exclusivamente aos homens. O crescimento até hoje não para: mundialmente, o setor de beleza masculino deve atingir US$ 78,6 bilhões até 2023.

Serviço
EVENTO FAVELA BARBER
Realização: Batalha dos Barbeiros Brasil (@batalhadosbarbeirosbrasil)

Calendário de competições:

04/10/20 Morro do Vidigal – RJ 
11/10/20 Complexo da Maré – RJ (Campo Vila do João)
18/10/20 Cidade de Deus – RJ
25/10/20 Complexo do Alemão – RJ
08/11/20 Parque de Madureira – RJ

Faça sua inscrição aqui.

Projeto reúne relatos de pessoas em isolamento com autores da Maré

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Dos 60 textos do Projeto Literatura Comunica, doze são de autores da Maré.

Dani Moura

Ela começou fazendo contações de histórias e promovendo outras atividades de comunicação popular em 2013 nas favelas da Maré e de Cerro Corá, no Rio de Janeiro. Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Miriane Peregrino morou por dois anos na Vila dos Pinheiros, na Maré, e durante este período, criou o projeto Literatura Comunica com várias atividades de leitura. Uma dessas ações resultou num jornal literário que fez junto com Anísio Borba e Carlos Gonçalves – dois mareenses – sobre as rodas de leituras que aconteciam em vários lugares do país, inclusive na Maré. 

A segunda publicação do Jornal Literatura Comunica foi sobre rodas de leitura que aconteciam no exterior. Nela há escritos de alunos da primeira turma do projeto na Maré que estão em intercâmbio fora do país.

O terceiro número seria sobre Poesia Falada, mas pandemia do coronavírus atrapalhou os planos de Miriane. Mas foi durante o isolamento que surge a ideia para a nova edição: uma espécie de diário sobre a vivência da pandemia. Convidou alguns amigos e ex-alunos do projeto para embarcarem nessa ideia. Miriane também fez chamadas nas redes sociais e recebeu um volume tão grande de escritos que criou três números especiais: Brasileiro no exterior, que tem 15 autores, entre eles Bárbara Horrana, mareense que atualmente está intercâmbio no Colorado, nos Estados Unidos;  Brasil, Norte a Sul, com 21 escritores, sendo a Isadora Gran – uma das poeta do Slam Maré Cheia – representante da Maré; e Rio de Janeiro, com 27 textos, sendo 10 de autoria de moradores da Maré. 

O Diário de Emergência Covid-19 teve como inspiração três livros que retratam isolamentos em diferentes épocas e situações: Diário de um Hospício, de Lima Barreto; O diário de Anne Frank, de Anne Frank; e Quarto de Despejo, de Carolina de Jesus. Você pode conferir todas as publicações do projeto aqui.

A coordenadora do Literatura Comunica, Miriane Peregrino, e dois autores da Maré – Pablo Marcelino, morador da Vila do João e Barbara Horrana, mareense, que está em intercâmbio nos Estados Unidos – conversaram com o Maré de Notícias.

MARÉ DE NOTÍCIAS: Como surgiu a ideia deste projeto?

MIRIANE PEREGRINO: A ideia dos Diários de Emergência Covid-19 surgiu em abril. Durante o isolamento social, lembrei muito do Diário do Hospício, de Lima Barreto e do Diário de Anne Frank, da própria Anne, que são diários escritos em confinamento. Lembrei também do Quarto de Despejo: diário de uma favelada, de Carolina de Jesus, que denuncia uma segregação social, o que também é uma forma de isolamento. Foi inspirada nesses diários que tive a ideia de fazer a edição Diários de Emergência Covid-19 no Jornal Literatura Comunica, que é um projeto de incentivo à leitura e à escrita também.

MARÉ DE NOTÍCIAS: Por que a escolha da Maré?

MIRIANE PEREGRINO: A relação com a Maré vem de alguns anos. Eu comecei a trabalhar na Maré em 2013. De lá pra cá fiz muitas rodas de leitura em bibliotecas, museus, escolas. A última roda de leitura que fiz, presencial, foi no EJA da Redes da Maré no CIEP Gustavo Capanema, ano passado. E o próprio Jornal Literatura Comunica nasceu na Maré. Toda diagramação dos dois primeiros números foram realizadas no Pinheiro, com o Anísio Borba, morador e comunicador popular, e lançamos o jornal numa edição do Slam Maré Cheia, que teve no Parque União ano passado. Por isso, a maioria dos diários do número Rio de Janeiro são da Maré, mas também tem relatos do Cerro Corá, Vidigal, Vila Autódromo, Alemão, Ramos… Além de cidades como Itaboraí, Maricá e Niterói. De certa forma, é um itinerário de um Rio de Janeiro afetivo (cidade onde nasci, cresci, alguns lugares em que morei e trabalhei).

MN: Como foi o critério da escolha dos textos?

MP: Nesse momento de pandemia, todas as narrativas são muito importantes pois registram, reelaboram o cotidiano no confinamento em muitos lugares no Brasil e no exterior. Recebemos relatos de 62 autores, uns no formato de diário e outros de carta, todos foram publicados nos Diários de Emergência Covid-19. Todos. Os diários foram divididos em três números: “Rio de Janeiro”, “Brasil, Norte a Sul” e “Brasileiros no Exterior”. A Barbara Horrana, por exemplo, é moradora da Maré, mas está fazendo intercâmbio nos EUA. Então o diário dela está no número “Brasileiros no Exterior”. A Isadora Gran mora na Maré, mas quando escreveu estava passando o isolamento social na casa da mãe, em São Paulo. Então, o relato dela ficou em “Brasil, Norte a Sul”. Mas  o número ” Rio de Janeiro” tem vários diários e cartas da Maré.

MN: O que mais te chamou atenção nos textos escolhidos?

MP: De alguma maneira, a angústia do confinamento está presente em todos os textos e as reações são diversas: choro, medo, álcool, insônia… Isso chamou muito a minha atenção. Mas no plano objetivo, os diários vão revelando as diferenças entre seus autores. Ficar em casa não é para todas e todos. 

MN: Houve pontos comuns nos textos de autores das periferias?

MP: Nos diários fica evidente que ficar em casa não é um direito acessível a todas e todos. Principalmente para os mais pobres que enfrentam as dificuldades do desemprego, atraso do auxílio emergencial, operações policiais nas favelas, falta de água, dificuldades no home office também. Essas questões estão presentes nas narrativas.

MN: Qual foi o objetivo da publicação? Na sua opinião foi cumprido?

MP: A iniciativa Diários de Emergência Covid-19 teve como objetivo incentivar escritas no e sobre o isolamento. Além disso, a publicação dos flyers dos diários (que divulgamos semanalmente nas redes sociais do Literatura Comunica desde 02 de maio) e a publicação integral dos diários no jornal on-line (em julho) incentivaram uma leitura compartilhada da experiência do confinamento a partir de muitos lugares. O incentivo à leitura e escrita são a base do Literatura e, nesse momento, em que é tão difícil a gente se concentrar, ver tanta gente escrevendo e lendo diários mostra que alcançamos o objetivo do projeto. Além disso, a publicação contribui com o registro desse momento histórico que vivenciamos.

MN: Há algum novo projeto literário em planejamento que envolva a Maré?

MP: Sim. Quero voltar a fazer as rodas de leitura presenciais na Maré ano que vem, elaborar outro número do jornal também.

Pablo Marcelino é morador da Vila do João e é autor de um dos relatos do Diário de Emergência Covid-19 – Rio de Janeiro. Barbara Horrana, cria do Morro do Timbau, atualmente em intercâmbio no Colorado, EUA, participou do Diário de Emergência Covid-19 – Brasileiro no Exterior. Eles também conversaram com o Maré de Notícias.

MARÉ DE NOTÍCIAS: Qual foi a inspiração para a escrita de seus diários?

PABLO MARCELINO: A escrita do meu relato/diário não teve exatamente uma inspiração e sim uma inquietação. No momento que parei para escrever eu pensei a seguinte coisa: “o que está me incomodando?”, “o que está preso?”, “qual recado eu quero passar para a nossa população em um momento tão delicado como esse que está sendo a pandemia?” 

BARBARA HORRANA: Na verdade, eu não sei bem de onde eu arrumei inspiração porque tudo o que eu escrevi veio da minha real, da vivência aqui nos EUA durante a pandemia. Eu não tive uma inspiração específica, eu apenas me permiti colocar os sentimentos para fora, fiz um exercício de reflexão dessa pandemia e as palavras apareceram. Foi um processo todo natural de sintetização dos sentimentos de uma brasileira que tinha acabado de sair de seu país e que, de quebra, chegou aqui no momento “errado”.

MN: Como foi para vocês fazerem parte desta experiência?

Pablo: Eu já venho participando de atividades com o Literatura Comunica há dois anos. Comecei em 2018, quando tive a oportunidade de fazer uma troca dos diários e vida de Carolina Maria de Jesus em Angola/Luanda por meio do próprio projeto. Então agora, em meio a pandemia que estamos atravessando, fazer parte do processo de escrita do Diários de Quarentena foi mais umas das formas que encontrei de manifestar uma série de reflexões e sentimentos no final que notei que precisavam serem externalizados. 

Barbara: Escrever minhas anotações diárias me ajudou a lidar melhor com os sentimentos de angústia e solidão que me acompanharam durante a fase mais restrita do lockdown aqui. Nós entramos em quarentena antes que no Brasil e ainda estávamos no inverno, com temperaturas abaixo do zero. Para mim foi tudo muito desafiador e experimental. Eu tinha acabado de chegar no país, ainda conhecendo minha família anfitriã, as crianças que eu ia cuidar, a cultura do país e tudo isso me abalou demais, eu praticamente não passei pela fase mágica do meu intercâmbio de achar tudo perfeito no início, eu apenas queria ir embora no primeiro mês. Eu tinha um sonho de estar nesse lugar, planejei todos os passos para chegar aqui, juntei cada centavo que pude e me meti nessa loucura toda. Eu coloquei tanta expectativa em tudo isso e simplesmente me frustrei porque, na minha cabeça, se fosse pra eu ficar presa em casa, eu poderia ter ficado no meu país de verdade, com minha real família e amigos. Sei que ninguém teve/tem culpa de tudo isso, mas foi um momento que eu me sentia muito triste e frustrada, achando que o mundo conspirou contra mim. Até hoje me sinto literalmente a estrangeira nesse país e sei que muito desse sentimento foi causado pela pandemia já que esse momento me impossibilitou de fazer amigos logo no começo, de conhecer lugares e experimentar a cultura. Estou aos poucos construindo minha curta vida aqui e é tudo muito cansativo começar do zero.

MN: Escrever ajudou a conviver com a pandemia?

Pablo: A pandemia ainda não acabou, achava que duraria 2, 3 meses e já temos 7 meses, com 130 mil mortes. A maioria dos participantes escreveu um diário, o meu eu considero mais um relato, uma carta. Não consegui escrever um diário, a forma que encontrei de me expressar foi relatando tudo o que eu quero falar em apenas uma página. Escrever é um processo difícil: barulho na rua, barulho em casa, barulho por dentro. Tem sido difícil me concentrar, mas tenho tentado. 

Barbara: Com certeza ajudou. No início, eu achava que não tinha nada de interessante para escrever, dizer para as pessoas, mas quando eu comecei o exercício da escrita isso foi servindo como uma terapia para mim. Eu realmente estava adoecendo na pandemia e eu não tinha percebido. Em uma conversa com minha mãe anfitriã, ela percebeu que eu estava muito abalada, com homesick (saudade de casa), sem vontade de fazer nada e me sentindo muito cansada e sonolenta. Ela realmente ficou preocupada supondo que eu estava apresentando sintomas da depressão. Realmente foi um momento muito difícil para mim e imagino que muitas pessoas tenham se sentindo assim. Começar a escrever me fez olhar para dentro e entender que sim, eu precisava de ajuda. A cada palavra que surgia era como se fosse um soco surgindo no peito que doía na hora, mas depois me curava. Depois de terminar as anotações, eu procurei uma psicóloga que vem me ajudando a passar por esse processo (e por outros) e me orienta da melhor forma para que eu termine meus objetivos aqui nesse país com êxito.

MN: Vocês costumam escrever? Se sim, qual gênero? Já tiveram outros textos publicados?

Pablo: Sim, escrevo textos jornalísticos e artigos de opinião que já foram publicados no jornal Voz das Comunidades e no próprio Literatura Comunica.

Barbara: Não, eu não costumo escrever, infelizmente. Na verdade, escrevia muito na época da faculdade porque fiz comunicação social com habilitação em Relações Públicas, tive disciplinas de texto jornalístico e tive que fazer alguns trabalhos por causa disso. Também durante a faculdade, em alguns estágios que fiz, tive que fazer algumas matérias, alguns textos para os sites e redes sociais das empresas. Enfim, mas toda essa minha experiência foi no tempo da faculdade e no âmbito corporativo. Nunca tive texto publicado ou algo parecido. Esta foi a primeira vez.

A superação na pandemia

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Empreendedores se reinventam para vencer vírus e crise

Hélio Euclides

Muitos foram os empreendedores surpreendidos com a pandemia e a crise econômica que veio junto, mas poucos foram aqueles que adotaram medidas estratégicas para superá-la. Mesmo com a reabertura de lojas, em um mercado sem dinheiro, foi preciso criar alternativas para manter a saúde dos negócios. Com boas ideias e aproveitando toda oportunidade possível, os que se adequaram à entrega dos produtos, ou seja, o popular delivery, saíram na frente. “Antes eu não trabalhava com delivery. Agora estamos tentando recomeçar, fazendo entregas para sobreviver. Ainda não está bombando, mas vamos em frente”, comenta Maria do Amparo Bezerra Lopes, proprietária do Bar Amparo, na Baixa do Sapateiro, na Maré.

 Segundo o Sebrae, os setores considerados essenciais vêm conseguindo mostrar maior resiliência, como supermercados, proteínas, farmácias, setores de serviços, como telecomunicações, serviços públicos, como saneamento e transmissoras de energia. Do outro lado, setores mais afetados pelas regras de isolamento social foram aviação, turismo, bares e restaurantes, shoppings e vestuário. O isolamento social na economia trouxe a restrição de funcionamento, piora na renda e queda na confiança, gerando resultado como a queda no consumo.

 Na Maré, onde os empreendedores não costumam ter reservas financeiras, a situação foi mais delicada. Polyanna Lourenço, da “Sabor & Arte”, estabelecimento que vende pizzas e massas na Nova Holanda, uma das 16 favelas da Maré, anda desanimada. “No começo da pandemia não atendemos com mesa, só com entrega e sempre com higienização e máscara. Foi bem difícil. Na verdade ainda está bem difícil. As mercadorias dobraram os preços, estamos em uma verdadeira crise”, diz. Ela completa que o movimento está muito fraco e responsabiliza o  aumento de preços e o desemprego. Para chamar a atenção da freguesia, passou a fazer promoções, onde comprando 10 pizzas, ganha-se outra. E teve resultado. “Ajudou a impulsionar a venda”, diz Lourenço, mais aliviada. 

Como toda crise gera oportunidade, muitos que se viram desempregados tiveram de aprender a ser empreendedores. Há duas semanas, Juliane Pantaleão e João Vitor, seu noivo, partiram para uma nova empreitada. Eles abriram o “Na Brasa”, onde vende frango assado e empadão feito na churrasqueira na calçada no Parque Maré, também na Maré. “Com a pandemia, o meu salário reduziu e além disso precisamos de uma renda extra. Não está sendo fácil, é uma correria. Realizamos as compras na noite de sexta e preparamos tudo para o sábado e domingo. Nós tínhamos uma expectativa bem maior de venda, mas estamos trabalhando na divulgação e estamos confiantes”, conta Juliane. A confiança é tamanha que eles já planejam ampliar o negócio.

Assim como o casal, a cada dez brasileiros, oito começaram a trabalhar no  comércio de rua, é o que revela levantamento feito pelo C6 Bank/Datafolha. A pesquisa ouviu 1.536 pessoas entre os dias 21 e 31 de agosto. E muitos se formalizaram neste período da pandemia. Entre 31 de março e 1º de agosto foram registrados mais de 593 mil novos microempreendedores individuais (MEIs) e 85 mil  novas micros e pequenas empresas em todo país, segundo o Ministério da Economia.  “A confecção de máscaras foi uma das grandes alternativas de renda para muitos no início da pandemia. Outros mudaram de ramo, abrindo negócios na área de alimentação, como venda de bolos e lanches. A realidade do on-line trouxe necessidade de utilizar mais as redes sociais e os aplicativos de entrega. O WhatsApp também se tornou uma grande ferramenta, com as vendas através do aplicativo”, diz Guilherme Allan, analista do Sebrae Rio que tem oferecido capacitações para os novos empreendedores.

Dados do empreendedorismo na pandemia

Entre 02 a 22 de junho, o SEBRAE RIO ouvi 435 pequenos e médios empreendedores. Veja o resultado:

Expectativa de reabertura da empresa:

84,7% empreendedores se mostram otimistas quanto à retomada.

Canais que utiliza para realizar vendas?

  • 77,9% WhatsApp
  • 72,4% redes sociais
  • 26,4% telefone

E uma outra pesquisa o Sebrae Rio ouviu 550 empreendedores entre 27 a 30 de julho de 2020 sobre os Impactos do coronavírus nos negócios:

  1. A sua empresa está funcionando neste momento?
  • 10% igualmente antes da crise
  • 56% com mudanças
  • 31% está com funcionamento interrompido
  • 3% fechamento 
  1. Como você expandiu suas vendas?
  • 41% vendas on-line
  • 17% passou a fazer delivery 
  • 26% mudou a linha de serviços
  1. Como o seu negócio está sendo afetado pelo coronavírus em termos de faturamento mensal, em relação a um mês normal?
  • 87% diminuiu
  • 4% aumentou
  • 5% continua igual

Ronda Coronavírus: Multas por aglomeração poderão chegar a R$26 mil

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Em pontos turísticos da cidade, visitantes desrespeitam as regras de ouro e aglomeram nos espaços

Como medidas para conter os casos de covid-19 na cidade do Rio, a Prefeitura anunciou que os estabelecimentos que descumprirem as regras de ouro do Plano de Retomada e permitirem aglomerações receberão multas mais severas. Para os espaços já multados, o valor pode chegar a R$26 mil e sete dias de interdição, com a possibilidade de cassação do alvará. A cidade do Rio registrou nesta segunda-feira (21) 97 novos casos de covid-19 nas últimas 24h, totalizando em 98.259 pessoas infectadas. Além disso, são 10.505 mortes, 10 confirmadas de domingo para segunda-feira e 113 em investigação.

De acordo com o Decreto nº 47.488, a Prefeitura lançou 10 regras de prevenção à covid-19 diante o momento de reabertura dos serviços. São elas:

  1. Higienização de mãos antes e depois de cada atividade;
  2. Disponibilização de álcool 70% em áreas de circulação e dispensadores de sabão líquido e papel-toalha descartável e lixeiras sem acionamento manual em banheiros.
  3. Uso obrigatório de máscara, retirando-a apenas durante as refeições;
  4. Manter distanciamento de 2 a 4m² por pessoa;
  5. Manter ambientes com portas e janelas abertas e limpar os aparelhos de ar condicionado;
  6. Providenciar equipamentos de proteção para equipes de limpeza;
  7. Cobrir o rosto ao tossir e espirrar;
  8. Afastar e encaminhar o médico funcionários que apresentarem sintomas da covid-19;
  9. Limpar os ambientes a cada 3h e ao final do expediente;
  10. Divulgar em locais estratégicos as regras de ouro e a Central 1746.

Aglomerações em pontos turísticos

Mesmo com as regras de ouro, turistas descumprem as normas nos pontos de visitação. Apesar das recomendações de funcionários, não respeitam o distanciamento e as marcações das filas e retiram a máscara do rosto para tirar fotos. O Parque Lage está com limite diário de 200 pessoas no parque e durante os finais de semana o Parque Nacional da Tijuca irá limitar para 25 pessoas por hora na trilha de acesso ao Corcovado pelo Parque Lage.

Abertura de leitos

Em razão da elevação da ocupação de leitos de UTI para 85%, a Prefeitura anunciou na última sexta-feira (18) que vai reabrir 100 leitos para casos graves de covid-19. Segundo o prefeito Marcelo Crivella, a cidade do Rio irá fazer uma parceria com o governo federal para viabilizar a abertura desses leitos.

Aumento da média móvel de mortes

O estado do Rio apresenta por quatro dias seguidos aumento na média móvel de mortes por covid-19, o que aponta uma tendência de aumento do contágio da doença. A média móvel hoje, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, é de 103 mortes e 1.319 casos por dia, apresentando um aumento de 69% na média de mortes em comparação a duas semanas anteriores. Desde o início da pandemia, em março, o estado do Rio registrou 17.727 mortes e 252.046 infectados.

Covid-19 na Maré

Desde o início da Ronda Coronavírus, o Painel Rio Covid-19, da Prefeitura, registrou na Maré números de casos bem abaixo, às vezes até metade, do de bairros vizinhos, como Bonsucesso. Nesta segunda-feira, a Maré tem 920 casos confirmados e 118 mortes. Na última sexta-feira, o mesmo painel registrou 598 casos e 92 mortes por covid-19 para o conjunto de 16 favelas. Já na 20ª edição do boletim De Olho no Corona!, a Maré registrou 1.667 casos – entre confirmados e suspeitos. Bonsucesso, que sempre teve o dobro de casos, tem hoje 838 casos registrados e 122 mortes. 

Boletim De Olho no Corona!

É sabido que a subnotificação no Brasil é um problema recorrente desde o início da pandemia, principalmente devido à baixa testagem. A produção de dados através de organizações da sociedade civil, como o próprio boletim, desenvolvido pela Redes da Maré, e o Painel Unificador COVID-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, permite ter um número mais aproximado do real, tendo em vista a proximidade dos relatores de casos com os moradores. 

Com o lançamento do projeto “Conexão Saúde – de olho na Covid” na Maré, os números de subnotificação de casos no território diminuiu, tendo em vista a oferta de testagens à população, ação que faz parte do projeto. Confira a análise completa do boletim clicando aqui.

Arroz a preço de ouro Em tempos de pandemia, onde o número de desempregados se aproxima de 13 milhões e milhares de pessoas perderam renda e precisaram dar entrada no auxílio emergencial, fazer compras tem sido sinônimo de contar moedas, diante o aumento vertiginoso dos alimentos. O arroz, em particular, é o que teve o maior aumento, podendo ser visto nas prateleiras custando R$40. Mas por que os preços aumentaram e como essa subida influencia na segurança alimentar da população? Confira no texto de Andressa Cabral Botelho para o Maré Online.

Nenê do Zap

Todos sabemos que a pandemia ainda não acabou, mas às vezes é importante dar uma voltinha em locais abertos e arejados, longe de aglomeração. Mas não se esqueça dos cuidados ao sair na rua tanto para os nenês e adultos. Confira na dica de hoje.

Por Dentro do Saneamento Básico na Maré

Jéssica Pires

Uma das principais recomendações da Organização Mundial da Saúde para prevenção do coronavírus é lavar sempre e bem as mãos. Mas tem sido um desafio tentar cumprir esta simples tarefa em meio ao descaso do saneamento das favelas. Em abril, mês que teve aumento no número de casos confirmados e suspeitos de Covid-19 na Maré, o acompanhamento “De Olho no Corona!” recebeu 11 denúncias de falta de água em diferentes favelas da Maré.  

O pouco investimento em saneamento afeta nossa saúde. Mas não só. “Os moradores podem acabar perdendo uma consulta médica, uma entrevista de emprego, aulas”, reforça o Breno Henrique, oceanógrafo, morador de Bento Ribeiro Dantas e coordenador do projeto Cocozap, sobre o quanto a estrutura de saneamento impacta, por exemplo, na mobilidade das pessoas. 

O Cocozap é uma iniciativa da organização Data_Labe, que atua na Maré e que recebe e sistematiza relatos sobre o saneamento básico do território, usando o WhatsApp. O objetivo do projeto é mobilizar moradores e mapear os desafios do cotidiano de desigualdades em termos de acesso a serviços públicos de saneamento para incidir em políticas públicas na área. Conheça mais no site do projeto. Em 2020, foram recebidas 42 queixas sobre os serviços de saneamento nas 16 favelas da Maré via Cocozap. A região que apresenta o maior número de problemas sinalizado pelos moradores é a Nova Holanda, terceira favela da Maré em número de habitantes, que concentra 42,9% de reclamações, de acordo com a equipe do projeto.

Já ouviu falar em ‘racismo ambiental’?

Mas por que algumas áreas de uma mesma cidade têm mais estrutura de saneamento do que outras? Para o líder negro Benjamin Franklin Chavis Jr, que lutou pelos direitos civis nos Estados Unidos, a resposta é o “racismo ambiental”. Segundo ele, racismo ambiental é “a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais.” Em outras palavras: as condições que vivemos sobre o saneamento básico na Maré, por exemplo, é, segundo ele, um resultado de um processo de formulação de políticas que exclui o nosso território. Não é um acaso, é um projeto.

E um novo capítulo desta história está sendo escrito. Em 15 de julho, foi sancionada a reforma do marco legal do saneamento. Atualmente, os serviços de saneamento são prestados, em sua maioria, pelo setor público – como a Cedae, por exemplo. “É possível que a privatização dos serviços prejudique ainda mais a distribuição entre as regiões da cidade”, sinaliza a equipe do Boletim “De Olho no Corona!”. Na edição de número 16 do boletim, os pesquisadores reforçam que o marco legal esvazia o sentido do saneamento como um direito humano (aqui o boletim). O Data_Labe também produziu uma matéria muito importante pra gente entender mais sobre essa questão da privatização

Nossa memória e condições de saneamento na Maré

A favela mais antiga da Maré é o Morro do Timbau. Não é coincidência. Nos anos de 1940,  era uma das únicas áreas possíveis de ser habitada, já que a região era formada por arquipélagos. A segunda favela mais antiga é a Baixa do Sapateiro, ocupada originalmente por migrantes nordestinos que chegaram em busca de trabalho. A solução que encontraram foi a construção de palafitas sobre o lamaçal. Depois da Baixa, muitas outras palafitas foram surgindo no Parque Maré, Rubens Vaz e Parque União. O descarte dos dejetos nessas construções, levantadas por tocos de madeira, era feito nos próprios alagadiços. 

A garantia de água também foi um processo que contou com a participação de moradores. Muitos contam que precisavam atravessar a Av. Brasil com tonel para transportar água para a favela. As mulheres, inclusive, foram fundamentais nessa luta! No site do Maré de Notícias você encontra outras histórias interessantes sobre esse processo.

E, até hoje, as condições de saneamento da Maré refletem uma realidade de desigualdades do Brasil. Os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável do IBGE apontam que, em 2015, 18,5 milhões de domicílios brasileiros (27%, de um total de 68 milhões) eram inadequados para moradia. No estado do Rio de Janeiro, eram quase 900 mil domicílios nessas condições. Para a pesquisa, um domicílio adequado precisa ter saneamento básico, rede de abastecimento de água, coleta de lixo e uma quantidade máxima de moradores por dormitório. Boa parte dessas habitações, definidas pela pesquisa como inadequadas, fazem parte da realidade de favelas e periferias.

De acordo com o Censo Maré, de 2013, dos cerca 47 mil domicílios estimados, 417 só têm acesso à rede de água na parte externa e 151 não têm acesso. 8.300 não usam filtro ou água mineral. Em outras palavras, boa parte dos moradores da Maré não consome água tratada. A situação mais crítica é na Nova Maré, onde um em quatro domicílios não usa filtro ou água mineral. “Coleta e tratamento de esgoto eu não sei nem por onde anda. Sei que sai da minha casa, passa por muito vazamentos, vai para o valão e depois pra baía mesmo tendo uma estação de tratamento gigantesca ao lado da maré (ETE Alegria). Sem contar o problema de alagamento, que mistura esgoto com água de drenagem, com lixo.” A fala da Ruth Osorio, moradora de 22 anos do Parque Maré, mostra um pouco do cenário do saneamento na Maré.

O lixo é outra questão importante. Do descarte à coleta. A segunda é realizada na porta de 71,5% dos domicílios. Mas como isso não acontece diariamente, a forma de jogar fora os resíduos também afeta a saúde da população. O descarte incorreto do lixo impacta diretamente na proliferação de muitas doenças, como a leptospirose, por exemplo. “O lixo ali é bem complicado. As lixeiras enchem muito rápido, os caminhões não passam todo dia. Acho que essa coleta tinha que ser todo dia”, diz Gimenez Coutinho, morador do Salsa e Merengue há 20 anos.

A estrutura do saneamento básico na Maré reflete uma situação comum a outras pautas no território: a falta de investimento do poder público em favelas e periferias. É importante que a gente continue cobrando por isso. Cada um fazendo a sua parte a gente só fortalece o legado dessa luta antiga aqui na Maré!

Direção de produção e conteúdo: Geisa Lino

Direção de Captação Audiovisual: Drika de Oliveira

Captação de imagens: Gabi Lino e Douglas Lopes

Edição: Drika de Oliveira 

Narração: Jéssica Pires

Reportagem e texto: Jéssica Pires

Revisão de texto: Jô Hallack e Andreia Blum 

Agradecimentos dessa edição: Breno Henrique, Carlos Marra, Julia Rossi, Ruth Osório, Paulo Ronaldo, Helena Edir e Atanásio Amorim (em memória).