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Animador cultural leva magia do cinema para as ruas da Maré

Em todas as sessões de cinema realizadas, a escolha do filme fica por conta das crianças, dentro do catálogo supervisionado por Bhega

Maiara Carvalho*

Nascido e criado na Maré, Bhega Silva, de 65 anos, é o idealizador do projeto Cineminha no Beco, que desde 2012 aguça a magia do cinema dentro do coração das crianças da comunidade. Com direito a pipoca e refrigerante, as sessões são sempre transformadoras para as crianças, que além do filme, também assistem Bhega falar sobre a importância de preservar o meio ambiente.

Músico, compositor e animador cultural, Bhega também trabalhava fazendo publicidade para o comércio e ONGs locais, e conta que a semente foi plantada durante um dia de serviço: “Eu fazia muita publicidade do antigo Cinepop e as crianças adoravam. Um dia, um menino me perguntou sobre o cinema, mas não estava mais funcionando. Falei pra ele que um dia, quem sabe, a gente teria nosso próprio cinema.”. Muito sensibilizado com o questionamento do menino, ele colocou seu plano em prática. Com dinheiro arrecadado em coletas e vendas de óleo de cozinha usado, Bhega comprou um DVD e ganhou de presente o projetor. Usando sua caixa de som de trabalho, conseguiu realizar sua primeira sessão de cinema há mais de dez anos.

Meio ambiente: sempre em cartaz! 

A Praia de Ramos sempre foi uma paixão de Bhega, que morou boa parte da sua vida por lá. Relembrar os tempos em que a praia não era poluída e que o banho naquelas águas eram possíveis, fez com que ele se mobilizasse para poder mudar a relação dos moradores com o descarte de lixo e outros poluentes, à começar pelo público infantil.

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Em todas as sessões realizadas, a escolha do filme fica por conta das crianças, dentro do catálogo supervisionado por Bhega. No entanto, o que não pode faltar são conversas sobre como podemos melhorar o mundo, e é claro, nosso território. Cantigas autorais também fazem parte da programação!

O projeto ainda é financiado, principalmente, pela venda de óleos usados arrecadados por moradores, o que evita a contaminação dos rios através do descarte incorreto. Recentemente, Bhega começou uma nova campanha de coleta de tampas de garrafa plástica e lacres de alumínio. Em parceria com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o material doado é revertido em cadeira de rodas, que possibilita a participação de pessoas com deficiência e/ou baixa mobilidade às sessões de cinema itinerante. 

Arte da mobilização 

De lá pra cá, o Cineminha no Beco já conquistou diversos reconhecimentos pelos seus feitos. Em 2015 ganhou o Prêmio Extraordinários na categoria Cultura, e no ano seguinte foi surpreendido pela presença de Xuxa Meneghel em uma das suas sessões de cinema na rua, que o presenteou com uma tuque-tuque (mototriciclo), usada até os dias de hoje.

Para Bhega, realizar o contato de crianças à sétima arte é tornar visível um mundo de possibilidades. “As vezes eu tô cansado, mas quando acende a luz do projetor, e eles começam a chegar… o cansaço vai embora. Tem criança aqui que nunca entrou numa sala de cinema “, diz o músico.

Qual o valor dos ingressos? 

Bhega Silva, animador cultural

Para participar das sessões basta trazer sua alegria e a vontade de formar um espaço de aprendizado harmonioso. Os ingressos sempre esgotam rápido e o segredo de tanto sucesso é o amor: “Quando me perguntam em como começar um projeto assim igual o Cineminha, eu digo: ‘se você fizer o seu trabalho com amor, pode ter certeza que vai decolar. Não é notebook, projetor, nem nada. É o amor.’ ”

O Instagram @cineminhanobeco é o principal portal de atualizações para acompanhar quando e onde vão acontecer as sessões do cinema itinerante, também é por lá o melhor contato para quem quiser contribuir com o projeto. O Cineminha também conta com ecopontos (listados abaixo) espalhados por toda a Maré, onde é possível doar o óleo de cozinha usado. Bhega informa que qualquer quantidade é bem vinda, o mais importante é o descarte feito de forma ideal, e a felicidade do seu público. 

Ecopontos de coleta de óleo usado e tampas de plástico e alumínio:

Rua Rio Preto, n° 05 – Parque União
Lan House do Marquinho: Rua Gerson Ferreira, n° 10 – Praia de Ramos
Ótica do Povo: Rua Gerson Ferreira, n° 38 – Praia de Ramos 
Vila Olímpica Seu Amaro – Nova Maré
Ou entrar em contato pelo número (21) 99206-5867

(*) Maiara Carvalho é estudante de Rádio e TV da Universidade Federal do Rio de Janeiro e faz parte do projeto de Extensão Conexão UFRJ com o Maré de Notícias.

Quatro pessoas morreram durante a 9ª Operação Policial do ano na Maré

Um homem passou mal durante a operação, mas sem ambulância no local para prestar socorro, chegou ao hospital já sem vida

Três pessoas foram mortas nesta quinta-feira (11) durante a 9ª operação policial no Conjunto de Favelas da Maré. Os relatos dos moradores começaram a chegar por volta das 5h. A Polícia Militar confirma que equipes do Comando de Operações Especiais (COE) circulam pela Nova Holanda e Parque União. “Dentre os objetivos, reprimir a facção criminosa responsável pela maioria dos roubos de veículos e cargas e pelas principais disputas territoriais no Estado do Rio de Janeiro.”, afirma a PMRJ em comunicado oficial. Até o fechamento desta matéria, ainda não há informações oficiais sobre o fim da operação, o clima ainda é de tensão na região.

Três pessoas foram atingidas por disparos de arma de fogo, um outro homem passou mal e segundo relatos de moradores, ficou mais de seis horas aguardando socorro, chegando ao hospital já sem vida. Não foi identificado nenhuma ambulância presente no local. O Maré de Notícias entrou em contato com a Secretaria do Estado e a PMERJ sobre o socorro das vítimas, além de questionar a falta de câmeras corporais dos agentes, mas também não retornaram até o fechamento desta matéria.

Impactos no cotidiano

Além da quebra de rotina e o pânico para os mais de 140 mil moradores, a operação ainda interfere em cerca de 500 atendimentos realizados por Clínicas da Família e deixa os alunos sem aula na Maré. A Clínica da Família (CF) Jeremias Moraes da Silva acionou o protocolo de acesso mais seguro e suspendeu o funcionamento. Já a CF Diniz Batista dos Santos manteve o atendimento à população, mas suspendeu as atividades externas como visitas a domicílios.

A Secretaria de Estado de Educação informa que as escolas estaduais João Borges e César Pernetta foram fechadas. Já a Secretaria Municipal de Educação, informou que 22 unidades escolares foram impactadas pelas operações policiais desta quinta-feira.

O Maré de Direitos, projeto do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré, acolhe situações de violações de direitos no WhatsApp (21) 99924-6462. O Ministério Público (MP) realiza um plantão especial para atender a população. O atendimento gratuito é feito no telefone (21) 2215-7003, que  também é WhatsApp, ou no e-mail [email protected].

Esquenta WOW ‘Corpo, Saúde e Cuidado’ estreia na Maré

O Esquenta WOW “Corpo, Saúde e Cuidado” promoveu um marco histórico como a primeira edição deste evento realizado na na Maré. Reunindo mulheres, crianças e jovens para um dia de diálogos inspiradores, reflexões profundas e celebração da luta feminina, o evento estabeleceu um tom emocionante para a série de encontros que antecedem o Festival Mulheres do Mundo (WOW) Rio 2025.

Desde o início da manhã do último sábado (6), até o cair da noite, os espaços da Maré pulsavam com atividades que abordavam questões vitais relacionadas à saúde e aos direitos das mulheres. A exibição do filme “Levante”, seguido por uma mesa redonda com convidadas especialistas, provocou debates intensos sobre a descriminalização do aborto no Brasil e os desafios enfrentados pelas mulheres em busca de justiça reprodutiva.

A energia contagiante do evento não foi apenas refletida nas discussões profundas, mas também nas diversas atividades que engajaram mulheres de todas as idades. Oficinas práticas, performances artísticas e intervenções culturais enriqueceram o dia, proporcionando momentos de aprendizado, expressão criativa e conexão genuína entre as participantes.

“Estamos verdadeiramente emocionadas com o sucesso do Esquenta WOW ‘Corpo, Saúde e Cuidado’ nesta primeira edição realizada na Maré”, afirma Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré.

“Testemunhar tantas mulheres, crianças e jovens reunidos para celebrar nossa luta e resistência, enquanto discutimos questões fundamentais para nossa saúde e direitos, é uma inspiração para toda a Maré e além.”

A atmosfera inclusiva e acolhedora do evento permitiu que mulheres de diferentes origens e experiências se unissem em solidariedade e apoio mútuo. Foi uma oportunidade única para fortalecer a rede de apoio e ativismo entre as mulheres, construindo laços duradouros e impulsionando a busca pela igualdade de gênero.
“À medida que nos despedimos deste primeiro encontro emocionante, olhamos com entusiasmo para as próximas edições do Esquenta WOW, ansiosas para continuar essa jornada de diálogo e celebração da diversidade feminina. Juntas, estamos transformando nossas comunidades e construindo um futuro mais justo e igualitário para todas as mulheres”, afirmou Eliana.

Para mais informações sobre o Festival Mulheres do Mundo (WOW) Rio e eventos futuros, visite o site oficial em www.festivalmulheresdomundo.com.br

Cultura é participação popular: mareenses refletem e opinam sobre cultura na Maré

Edição #159 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

A participação popular na cultura foi e continua sendo fundamental na construção da identidade da Maré, refletindo suas tradições, valores e expressões artísticas. A cultura popular se manifesta de diversas formas, desde festas e bailes consagrados, até produções artísticas contemporâneas que ganham destaque nas redes sociais e plataformas de streamings. 

A cultura mareense também desempenha um papel importante na promoção da diversidade e da inclusão. Além disso, ajuda a denunciar violações e visibilizar a luta por direitos, dando voz a grupos historicamente marginalizados e celebrando a criatividade dos moradores. Uma cultura de resistência. 

A cultura na Maré é viva e dinâmica, em constante transformação, mas baseada e fincada na memória dos que vieram antes. É uma cultura popular, que se expressa de forma autêntica e original. É uma cultura de resistência, que denuncia as desigualdades sociais e luta por uma sociedade mais justa. 

Os moradores das favelas da Maré são parte da construção do caderno de cultura que nasce a partir deste mês no nosso jornal impresso. E por isso, o Maré de Notícias quis saber: 

O que é cultura pra você, morador? E o que não pode faltar aqui nas páginas? 

Patricia dos Santos – Baixa do Sapateiro

Cultura pra mim é o conjunto de hábitos, artes, crenças e talentos de um povo. Aqui temos muitos artesãos e gostaria muito de ver o artesanato da Maré.

Edson Ferreira – Morro do Timbau

É algo que a gente faz e produz, que nos traz alegria, saúde, que nos faz sair do digital e conecta ao território da Maré.

Quero ver no caderno oportunidades de dança, esporte, música, a Capoeira e que conecte todas as idades para ter mais bem estar. 

Lucas Pinheiro – Nova Holanda

Pra mim, cultura é a forma de você mostrar sua arte, suas raízes, seus ancestrais. Meus bisavós eram indígenas e seria bom ver no caderno de cultura um pouco de cada cultura ancestral que chegou na Maré. 

Walmyr Júnior – Marcílio Dias

Cultura é identidade, aquilo que caracteriza um povo, cultura é tradição histórica, é lazer, é expressar, é sorrir, é trocar, cultura é muita coisa. Já que cultura também é memória, gostaria de ver um espaço sobre a produção da memória na Maré, fazendo um resgate das nossas zonas praianas, da nossa história com imagens e relatos de moradores antigos. 

Greta Antonella da Costa – Vila dos Pinheiros

Cultura pra mim, está ligada diretamente a quem somos. Eu passei parte da minha vida desenhando, criando croquis de moda e fazendo arte digital. E então, a minha visão sobre cultura é isso: é a arte, é o estudo, é deixar seus sentimentos e pensamentos fluírem a partir da sua própria arte, que, em conjunto vira a cultura propriamente dita. Eu gostaria de ver algo que pouquíssima gente se interessa: as mãos por trás das pinturas dos bate-bolas. São artistas extremamente talentosos!

Juraci Alves – Nova Maré

Gostaria de ver atividades pros idosos se distraírem, dança, uma roda de samba.  Tem tanto tipo de cultura no mundo e a nossa quem inventou foram os indígenas, que fizeram nossa arte, que são inteligentes e nossa origem. 

Uesdley Pitanga – Parque União 

Cultura é arte, música, teatro, a culinária de cada lugar. Cada povo tem seus hábitos e suas formas de convívio que forma o âmbito cultural. O que eu entendo é isso.

Gostaria que tivesse no caderno, mais passeios culturais para as crianças para conhecerem tanto a Maré quanto pontos turísticos do Rio de Janeiro. Também poderiam ter atividades extras sobre cultura nas escolas e ambientes culturais que pudéssemos deixar nossos filhos.

Cooperativismo: um trabalho humanizado

Método prioriza a coesão das pessoas na coletividade

O símbolo dos dois pinheiros pintados juntos significa a união e concordância, remete ao cooperativismo. Esse tipo de árvore tem uma vida longa e por isso a escolha dela para representar as cooperativas, simbolizando perseverança e uma trajetória duradoura. Essa é a essência do cooperativismo: a adesão de pessoas com o mesmo pensamento de serem sócios e respeitando a coletividade. Com o passar do tempo algumas “empresas” levam o nome de cooperativas, mas não utilizam os seus fundamentos.

A ideia do cooperativismo nasceu em 1844, no interior da Inglaterra. Na época, um grupo de 28 trabalhadores se veem numa situação financeira ruim, sem dinheiro para conseguir comprar o básico. Uma solução que encontraram foi se unirem para montar um armazém, comprando alimentos em grande quantidade para conseguir preços melhores. 

Já no Brasil a formalização em cooperativas só veio após a década de 1880. A organização em coletividade surge em Minas Gerais, com a Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto. O trabalho do grupo viabilizava a distribuição e consumo de insumos agrícolas. A inovação veio em 1969, com a criação da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), que representa os interesses e necessidades do cooperativismo, amparada pela Lei 5.764/71. A Lei define a Política Nacional de Cooperativismo, instituindo o regime jurídico das sociedades cooperativas. Outro passo importante foi a concepção do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), junto com a Constituição de 1998, que prioriza a formação, ensino, capacitação profissional e promoção social dos trabalhadores.

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o cooperativismo permite o desenvolvimento coletivo e auxilia no crescimento da economia local, criando um ambiente de prosperidade. As cooperativas são formadas por profissionais que se unem em torno de um mesmo objetivo para fornecer produtos e serviços a preços competitivos. Os seus participantes são donos do negócio, utilizando a mesma composição administrativa e recursos operacionais, sendo assim conseguem a redução de custos.

De acordo com o Sebrae, o cooperativismo tem sete princípios e sete ramos reconhecidos pela Aliança Cooperativa Internacional (ICA, em inglês) sendo os princípios: adesão livre e voluntária; gestão democrática; participação econômica; autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação e interesse pela comunidade. Já os sete ramos referem-se aos diferentes setores nos quais o cooperativismo pode atuar, sendo eles: agropecuário, do crédito, dos transportes, do trabalho e produção de bens e serviços, da saúde, do consumo e da infraestrutura.

Cooperativas na Maré

Na Maré, uma das pessoas que mais falou de cooperativa foi Amaro Domingues, mais conhecido como Seu Amaro. Em 1998, uma das reclamações era que ninguém dava emprego para quem falasse que era morador da Maré. Então, Seu Amaro foi um dos fundadores da Coopjovem Maré, que conseguiu por oito anos uma parceria com o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Fundão), que coloca moradores no quadro de trabalho. 

O ramo de transporte também tem as suas cooperativas na Maré. No passado, havia a sede da Transcoopass, cooperativa de táxi na Baixa do Sapateiro. Já no Morro do Timbau se encontra a cooperativa de táxi Cootramo. Uma das regras para a legalização do transporte alternativo na cidade do Rio de Janeiro era por meio da criação de cooperativas. Uma delas foi da linha de vans 818, que ligava a Nova Holanda ao Norte Shopping, no Cachambi. “Abrimos a cooperativa há mais de dez anos para esse trabalho com a Prefeitura, mas não durou muito. Não conseguimos aplicar a metodologia do cooperativismo, pois não entendíamos muito bem”, conta Valdete Pergentino, que administrava a linha 818. Para ela, o trabalho por meio da criação de uma empresa foi menos complicado.

O cooperativismo tem como desafio o entendimento de seus membros para não se transformar numa simples empresa. Além de ser um mecanismo de fortalecimento do trabalhador, uma cooperativa tem como potencial ser uma grande ferramenta contra o desemprego. O site G1 divulgou o Anuário do Cooperativismo Brasileiro 2022, publicação do Sistema OCB, que informa que no Brasil há 763 cooperativas que contribuem para melhorar a vida de 13,9 milhões de cooperados, movimentando R$ 518,8 bilhões em crédito.

O que é ser um jornalista de favela?

Sobre a ambiguidade da vida de jornalista na favela, uma homenagem a todos os colegas de profissão

“Jornalista não pode ser preguiçoso”, ouvi uma vez na faculdade e não esqueci mais. Embora ser jornalista não se resuma apenas à disposição, aquele que vem da favela tem a vantagem de já estar acostumado com a correria. Subindo morro, andando sem sombra de árvore ao meio-dia com o sol castigando, trabalhando desde cedo. Pensando no que escreveria para o Dia do Jornalista, comecei a observar, a semana ficou longa, o tempo passou rápido e a vida foi acontecendo.

Faltou luz, faltou água, teve as feiras, os bares tocando suas músicas, motos, carros e as bicicletas fazendo “o corre”. Aí está, ser jornalista na favela é fazer sempre matérias enquanto você participa delas. É ambíguo. Escrever ao som do brega no bar em frente à redação. Relatar o problema e viver a situação, desde a queda de luz, a falta da internet, a de água e a operação policial. É também entender o outro, se identificar nele e ser consolador quando queria ser consolado. É ainda ter a capacidade de fazer o que quiser, com a sagacidade de favelado, e mesmo assim se colocar como um aprendiz.

É pensar em estratégias para escapar da mesmice. Ler sobre a favela nos olhos de quem nunca pisou nela e não aceitar a visão distorcida e incompleta da realidade. Ser jornalista de favela é ser sensível, ao mesmo tempo que precisa ser forte. Ser subjetivo num espaço que valoriza a objetividade. Ser espectador e protagonista, inconformado e indignado. Ser vizinho do entrevistado, amigo ou parente, afinal, na favela de longe ou de perto todo mundo se conhece. O jornalista de favela é aquele que escreve e ouve da sua janela o que os vizinhos estão falando das notícias na TV. É ser coletivo e solitário.

É também se ver no outro, nos colegas de profissão e de redação, nos jornalistas comunitários que têm a paixão e o brilho no olhar. É se alegrar em cada matéria, nas palavras de ternura e nos comentários de incentivo. É aceitar as críticas como novas oportunidades de crescer. Saber que na favela todo mundo tem seu momento e seu espaço, ou pelo menos deveria. Ser jornalista de favela é não ser compreendido muitas vezes quando não concorda com a maioria, mas compreender porque aceitar a profissão é saber que muitas vezes você vai discordar.

Ser jornalista, de favela ou não, é saber que você não está no centro do holofote, mas pode ser o operador que joga a luz onde precisa. Na favela, o jornalista é mais uma figura comum, mas que não se acostuma e sabe que não devia.