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Novembro negro: acesso à saúde ainda é um desafio para pessoas pretas

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Um olhar sobre o impacto do racismo estrutural nas doenças de 56% dos brasileiros

Por: Samara Oliveira, Andrezza Paulo  e Teresa Santos

No dia 20 de novembro é celebrado o Dia Nacional de Zumbi e o Dia da Consciência Negra. O mês ainda registra o Dia Mundial do Diabetes (14), o Dia Nacional de Combate à Tuberculose e o Dia Mundial de Combate ao Câncer de Próstata (17). Essas datas parecem não ter relação, mas as doenças citadas estão diretamente relacionadas à população negra, que hoje corresponde a 56% dos brasileiros, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Diabetes

O Brasil ocupa o 6° lugar no ranking mundial de incidência do diabetes, somando 15,7 milhões de adultos afetados, de acordo com dados de 2021 do Atlas do Diabetes da Federação Internacional de Diabetes. O número elevado de casos entre a população negra e a falta de controle da doença preocupam os especialistas. 

A obstetra Gisseila Garcia é doutora em saúde pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ao analisar para sua tese os dados de 2008 a 2019 do Estudo Longitudinal em Saúde do Adulto (Elsa Brasil), ela identificou que mulheres e homens negros apresentam mais que o dobro da probabilidade de controle glicêmico inadequado. 

O Elsa Brasil é um estudo levado a cabo pelos ministérios da Saúde e de Ciência e Tecnologia, através de um consórcio de instituições (Fundação Oswaldo Cruz/RJ, Universidade de São Paulo/USP, universidades federais da Bahia/UFBA, Espírito Santo/Ufes, Minas Gerais/UFMG e Rio Grande do Sul/UFRGS).

Segundo o Elsa Brasil, o levantamento ouviu homens e mulheres “com idade entre 35 e 74 anos, que fazem exames e entrevistas nas quais são avaliados aspectos como condições de vida, diferenças sociais, relação com o trabalho, gênero e especificidades da dieta da população brasileira”.

Maioria negra

As diferenças entre brancos e negros também é marcante no caso da tuberculose. Segundo o Observatório Epidemiológico da Cidade do Rio de Janeiro (EpiRio), em 2022 o município registrou 9.339 casos da doença, sendo a maioria (65,7%) em pessoas negras. 

Somente a Área de Planejamento 3.1, na qual a Maré está inserida, registrou 1.294 casos, ficando atrás apenas da AP 5.1 (Bangu). Dos casos registrados em território mareense e bairros adjacentes, mais de 70% foram de pessoas negras.

Com relação ao câncer de próstata, 611 homens morreram vitimados por essa doença na cidade do Rio de Janeiro em 2022, conforme dados do EpiRio. Do total, 41,5% eram pretos ou pardos. Na AP 3.1, foram 95 mortes, das quais 43,2% ocorreram em pessoas negras.

Genes e ambiente 

O historiador Paulo Roberto de Abreu Bruno, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), explica que, além dessas doenças, outros agravos são especialmente preocupantes na população negra. 

“Hipertensão arterial, anemia falciforme, e deficiência de G6PD, um distúrbio genético hereditário que pode levar à destruição dos glóbulos vermelhos após uma doença ou o uso de alguns medicamentos, são exemplos de condições mais frequentes na população negra brasileira. Doença renal crônica e asma são outros agravos que também são apontados em pesquisas como de alta incidência em pessoas negras”, diz.

Segundo o pesquisador, vários fatores atuam nesse cenário de forma inter-relacionada. A genética, por exemplo, tem um peso importante no caso de algumas doenças, tais como a anemia falciforme, a hipertensão, o diabetes e a deficiência de G6PD.

Mas as condições de moradia, renda, escolarização, entre outros, também são relevantes. Isso significa, por exemplo, que ter ou não acesso a saneamento básico, mobilidade, segurança e lazer também contribui para o desenvolvimento de algumas dessas doenças.

As relações da população com o trabalho e as condições de moradia afetam diretamente nos cuidados com a saúde. (Foto: Gabi Lino/Maré de Notícias)

Sem informação 

Paulo Roberto explica que a alimentação é outro fator importante: “O consumo de produtos industrializados ultraprocessados, bebidas açucaradas, entre outros, em lugar de alimentos saudáveis, pode prejudicar muito a saúde. Ou seja, os hábitos alimentares inadequados exercem forte influência no desenvolvimento ou no agravamento de algumas das doenças citadas.” 

Vale ressaltar que esse consumo é impulsionado tanto pela condição de classe social com baixa remuneração e desemprego, quanto pela falta de acesso a informações, por exemplo, sobre as origens e a forma como esses alimentos são produzidos.

A pobreza no Brasil está diretamente relacionado à raça: segundo dados do IBGE de 2021, a proporção de pessoas pobres no país era de 18,6% entre os brancos e 72,9% entre os negros. Segundo a mesma pesquisa, uma pessoa branca brasileira recebe em média 75% a mais que uma pessoa negra. 

Direitos negados

Para o pesquisador da Fiocruz, os direitos básicos da população negra têm tido negados — incluindo o direito à assistência à saúde que respeite a diversidade. 

“A negação de direitos que se sustenta por meio de uma ideologia racializada é, sem dúvida, um fator de extrema importância na elevação da incidência das doenças citadas entre a população negra brasileira”, analisa.

Ele destaca também que “o passado escravista afeta sobremaneira o presente da população negra brasileira, sobretudo se considerarmos que, ao fim do escravismo colonial, não houve uma reforma agrária no país, um processo que possibilitasse à imensa massa de libertos as condições necessárias para que se estabelecessem com um mínimo de dignidade”.

Assuntos relacionados:

Como o passado escravocrata ainda afeta a saúde dos homens negros?

Vamos falar sobre direitos sexuais e reprodutivos para as mulheres da Maré? 

Acesso negado a mulheres negras

Crimes centenários

O historiador aponta que o código penal brasileiro atual, por exemplo, conserva elementos dos códigos criminais do século 19, nos quais os africanos e seus descendentes eram o público-alvo preferencial. Diante disso, o psicológico e outras questões que atravessam a saúde dessa população também são afetados por outras instâncias sociais. 

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado este ano, em 2022 o sistema penal do Brasil registrava 832.295 pessoas privadas de liberdade (em presídios e sob custódia das forças de segurança). Desse total, 68,2% eram negras, o que equivale a 442.033 pessoas 

 “Se considerarmos que cada uma delas tenha cinco pessoas próximas — filhos, pais, irmãos, cônjuges etc — chegaremos a um número expressivo de mais de dois milhões de brasileiros que sofrem, direta ou indiretamente, as consequências da privação de liberdade e de afeto”, diz Paulo Roberto.

Mudanças profundas

Para o pesquisador, a reversão desse cenário exige mudanças profundas. Porém, avanços já podem ser notados. Na área da educação, as cotas raciais nas universidades figuram como um dos possíveis pontos de partida. 

Já na saúde,  a ampliação da formação crítica de profissionais negros também pode acelerar este processo. 

“Também é preciso pensar na transformação do sistema de saúde como um todo, de modo que as pessoas em situação de maior precariedade tenham a garantia de acesso à saúde e a continuidade nos seus tratamentos e cuidados”, ressalta.

Favela por Favela: com 41 anos de fundação, Vila do João esbanja mocidade e potência

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A história da Vila do João, é mais uma reportagem da série Favela por Favela que conta a trajetória dos territórios da Maré

Maré de Notícias #154 – novembro de 2023

A Vila do João nasceu em 1982, construída no terreno que pertencia ao Ministério da Aeronáutica e foi adquirido pelo extinto Banco Nacional de Habitação (BNH). O fim da década de 1970 tinha sido de muita ansiedade e insegurança para os moradores da Maré: o Projeto Rio era um plano de urbanização da cidade e que previa a erradicação das palafitas. Ninguém sabia ao certo quem seria removido para as casas erguidas pelo governo. 

Foi então que os moradores se mobilizaram e criaram a Comissão de Defesa das Favelas da Maré (Codefam) para lutar pelos seus direitos — inclusive o de ocupar as casas que seriam construídas pelo BNH seguindo as normas do Programa de Erradicação da Sub-habitação (Promorar). As primeiras 193 habitações foram inauguradas com direito a placa, que ficava na Rua da Cidadania (antiga Rua Três). Na continuidade, o governo federal construiu o conjunto habitacional com 1.400 casas coloridas. O nome era uma clara homenagem ao então Presidente da República, o general João Batista Figueiredo e também uma imposição da ditadura na época. 

Duas creches inauguradas na época foram batizadas de Tia Dulce e Tio Mário, uma alusão à primeira-dama, Dulce Figueiredo, e ao Ministro do Interior da época, Mário Andreazza.

Comércio e mobilidade

Hoje a Vila do João é formada por 18 ruas e 24 travessas. Valtemir Messias, conhecido como Índio, é o presidente da Associação da Vila do João (AMVJ), e exalta a favela. 

“Temos um comércio exuberante, sem falar nos ambulantes e em duas feiras, sendo uma de frutas e outra de roupas. Só de ponto de moto taxi são quatro, o que ajuda na mobilidade. O que falta na comunidade é um olhar maior do poder público”, diz. 

Ele lembra o projeto da Prefeitura do Rio Viver com Mais Verde, que em parceria com a AMVL aumentou o número de árvores nas ruas.

Cléia dos Santos, conhecida como Tia Cléia, tem 76 anos e mora na Rua Iluminada (antiga Rua Dezoito) há 41 anos. Antes, Cléia morou numa casa de palafita da Nova Holanda. 

“Quando chegamos, aqui tinha o apelido de “inferno colorido” porque as casas tinham muitas cores. Para a gente, o que impressionava era o quintal grande. Para murar, precisamos do material de construção do governo”, lembra. 

Tia Cléia diz que, “no início, não tinha nada, nem sequer uma padaria, mercado ou escola. Para não deixar as crianças sem estudo, a Prefeitura na época fez uma parceria com escolas particulares de Bonsucesso. Hoje temos até farmácia que entrega os remédios na porta”, orgulha-se.

Voluntária

Ela conta que o primeiro posto médico abriu na Rua Dez e depois, foi transferido para a Rua Éden (antiga Rua Dezessete), administrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Desde que a Escola Municipal Professor Josué de Castro foi inaugurada, em 1985, Tia Clélia é voluntária, ajudando na conservação dos espaços.

 “Já são três gerações de alunos e fiz boas amizades. Não tem dinheiro que pague o prazer de ser voluntária na minha comunidade e na nossa escola. Muitas vezes os alunos vêm me buscar em casa. Amo a Vila do João, esse lugar é tudo de bom, em especial as pessoas”, diz.

O nosso passeio continua na próxima edição e chega à fundação do Conjunto Esperança, em 1982. Até lá!

Gênero, raça e inclusão ganham força na educação na Maré

Nos últimos anos as ações articulando essas questões têm deixado de ser pontuais e foram incorporadas ao planejamento anual dos projetos pedagógicos

Adriana Pavlova e Hélio Euclides

Uma das 42 recomendações ao poder público da recém-lançada Carta para a Educação da Maré diz ser necessárioincluir as temáticas de gênero e raça no planejamento das ações pedagógicas das unidades escolares, estimulando discussões regulares sobre racismo, machismo e descriminação de pessoas LGBTQIAP+”. 

De olho nessa proposição e movido pelas celebrações da Consciência Negra, o Maré de Notícias foi a campo descobrir como se dá a educação com pressupostos antirracistas, antimachistas e sem preconceitos nas escolas da Maré.

A boa notícia é que, nos últimos anos, as ações articulando essas questões têm deixado de ser pontuais e foram incorporadas ao planejamento anual dos projetos pedagógicos de algumas escolas. Há trabalhos inspiradores, que vão além da obrigatoriedade do ensino da História e sobre as culturas afro-brasileira e indígena no currículo do Ensino Básico, prevista pela Lei 11.645, de 2008.

Máscaras africanas

É o caso do Espaço de Desenvolvimento Infantil Pescador Albano Rosa, na Vila dos Pinheiros. Temas de gênero, raça e inclusão perpassam transversalmente as atividades pedagógicas das 12 turmas, envolvendo de forma exemplar não apenas as crianças de 1 a 6 anos como suas famílias.

Ali, bebês brincam com imagens coloridas do cotidiano da população negra carioca do início do século passado, retratadas pelo pintor Heitor dos Prazeres; crianças preparam adereços com máscaras africanas e braceletes indígenas para a Feira Cultural de Valorização dos Povos Originários; meninas e meninos leem o livro infantil Amoras, do rapper Emicida, e aprendem a fazer mungunzá, comida à base de milho de origem africana (também chamada de canjica).

Em 2023, a tônica foi a construção da identidade dos alunos, levando em conta peculiaridades do território e a experiência dentro da escola. Segundo a diretora Gilda de Almeida, ”nossa aposta é na inclusão e para isso é importante ter um diagnóstico da comunidade”. 

Gilda revela que, durante a matrícula das crianças, “vimos que muitas famílias não conseguiam se autodeclarar pretas e pardas, houve comentário negativo sobre o cabelo de uma aluna negra e preconceito contra alunos estrangeiros”.

Antirracismo

Entre as ações desenvolvidas, foi montada uma exposição de fotografias sobre a profissão das mães e, assim, valorizá-las e empoderá-las. Além disso, a escola ampliou a oferta de materiais artísticos para autorrepresentação das crianças, como um novo estoque de lápis com variadas cores de pele. 

“A criança tem sensibilidade, leva para casa as práticas antirracistas que aprende na escola. O trabalho micro de educação vai ajudando a mudar a sociedade de uma forma mais macro”, avalia Lucélia Perrut, diretora adjunta. 

 Outro exemplo encorajador é o trabalho multidisciplinar com alunos entre 16 e 82 anos inscritos no programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), realizado na Escola Municipal Clotilde Guimarães, em Ramos. Ali, o público é majoritariamente mareense.

Incentivados pela diretora e mulher negra Rosângela Oliveira da Silva, os professores apostam em aulas e atividades que valorizam a identidade de cada estudante.

Mandela e Suassuna

A escola discute gênero, raça, xenofobia, homofobia e potencialidades da favela a partir de autores ou pensadores como Nelson Mandela, Carolina Maria de Jesus e Ariano Suassuna. Criam, assim, um ambiente de acolhimento, inclusive para alunas e alunos transgêneros.

“São referências ligadas à representatividade do nosso público, que ajudam os alunos a olharem a própria história de outra forma e assim, elevarem a autoestima”, explica a professora de história e geografia Caroline dos Santos, ela mesma nascida na Maré. 

Caroline conta que o livro Quarto de despejo: Diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, ofereceu reflexões sobre a favela de ontem e de hoje, incentivando os estudantes a pensarem nos potencial dos moradores da Maré. 

Já a biografia do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela os encorajou a escreverem sobre suas próprias trajetórias. Trechos da minissérie O auto da compadecida, inspirada no livro do autor paraibano Ariano Suassuna, serviram para debater os preconceitos contra o povo nordestino.

Educadores à frente

Para dar conta dos temas de raça e gênero, os próprios educadores da Escola Clotilde têm buscado a formação continuada. Recentemente, o grupo fez o Circuito da Pequena África, no Centro, um passeio sobre a memória da cultura africana no Rio. 

As ações práticas de educação antirracista, antimachista e inclusiva ainda dependem do empenho pessoal dos educadores à frente das escolas ou de iniciativas de fora para dentro, estimuladas por parcerias com organizações da sociedade civil do território, como a Redes da Maré e o Luta pela Paz.

Com a experiência de quem roda as escolas da Maré desde 2009 para incentivar práticas educativas que levem em conta gênero, raça e classe, a articuladora da Redes da Maré Tereza Onã confirma a ampliação do interesse de professores, estudantes e suas famílias. 

Sua batalha é que o trabalho aconteça a partir de um planejamento pedagógico anual em cada unidade escolar. Não por acaso, Tereza foi a convidada de honra do primeiro dia de atividades na EDI Albano Rosa este ano, além de mediar uma roda de conversa apenas com alunas na EJA da Clotilde Guimarães:

“A escola ainda é um lugar muito branco. A maioria das professoras é branca e as cozinheiras, pretas. É preciso quebrar essa hierarquia racial e oferecer formação para os professores. Gosto de rodas de conversa, de apostar na multilinguagem, em misturar roupa de chita, comida típica, música, dança, porque falar sobre racismo é muito ruim, pesado, então melhor seguir pelo caminho lúdico”, diz Tereza.

Troca de saberes

É na Escola Municipal Professor Josué de Castro, na Vila do João, parceira da Redes da Maré no trabalho de articulação, que Tereza Onã tem conseguido maior avanço na troca de saberes com direção e professores. 

Já existe preparado um projeto político-pedagógico para 2024 levando em conta raça e gênero, e um projeto piloto foi posto em prática para as turmas do 7º ano. Até o fim do ano, os alunos estão assistindo aulas de afroetnomatemática com o professor Diego Marcelino, inspiradas nos conhecimentos dos povos da diáspora africana, e de memória afro-indígena na Maré, com o educador Marcos Melo.

Além disso, no projeto de articulação da Redes da Maré nas escolas, a  Casa Preta implementou ações sobre questões étnico-raciais na EDI Albano Rosa, nas escolas municipais Millôr Fernandes, Teotonio Vilela e Nova Holanda, e no CIEP Ministro Gustavo Capanema. 

Oficinas organizadas pela Casa das Mulheres sobre direitos sexuais e reprodutivos ocuparam salas das escolas municipais Professor Josué de Castro e Olimpíadas 2016, do CIEP César Pernetta e dos colégios estaduais Bahia e Professor João Borges de Moraes.

Sugestões sobre diversidade e inclusão da Carta para a Educação da Maré:  

  • Garantia de escolarização e permanência de estudantes LGBTQIAP+, com formação específica de professores para acolhimento da diversidade.
  • Ter mediadores, suporte em sala, transporte e benefícios assistenciais para estudantes PCD.
  • Incluir autores negros e história da Maré nos materiais pedagógicos.
  • Reflexão e respeito a práticas religiosas não hegemônicas.

Pesquisa Vacina Maré promove campanha de vacinação para crianças e adolescentes

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Visita à domicílios na Maré para mobilização de vacinação começa na próxima segunda-feira

Vamos colocar a caderneta de vacinação das crianças e adolescentes da Maré em dia? Você sabia que doenças já erradicadas no Brasil, como a poliomielite e a rubéola, podem voltar a contaminar nossas crianças por causa da falta de vacinação infantil? Campanha de vacinação de crianças e adolescentes da Pesquisa Vacina Maré começa na próxima semana.

O sarampo já havia sumido do nosso mapa, mas voltou a contaminar em 2018. Outras doenças, em casos mais graves, podem ser fatais ou deixar sequelas para toda a vida – como é o caso da paralisia infantil.  

De acordo com o Ministério da Saúde, em 2021 a vacinação infantil chegou ao seu pior nível em três décadas e as taxas de cobertura voltaram aos patamares de 1987. Das 9 vacinas analisadas pelo DataSUS, a que sofreu maior queda é a BCG, com queda de 38,8% entre 2015 e 2021.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a obrigatoriedade da vacinação infantil e a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda cobertura vacinal de pelo menos 95% da população infantil. De acordo com o Ministério da Saúde, a média de cobertura vacinal no Brasil caiu de 97%, em 2015, para 75% em 2020. 

Muitos pais ou responsáveis pelas crianças, por acharem que algumas doenças não existem mais, deixam de colocar a caderneta de vacinação de seus filhos em dia! Precisamos da sua ajuda para não deixar essas doenças voltarem!  

Bora vacinar?

A boa notícia é que a vacinação está disponível para todos, de forma gratuita, nas unidades de saúde. Aqui na Maré, é só levar seus filhos de 0 a 6 anos ou acima de 12 anos (no caso da vacina contra o HPV) a uma clínica da família para tomar as vacinas que faltam!

O que é a Campanha Vacina Maré – Crianças e adolescentes?

A Fiocruz e a Redes da Maré, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, realiza nos próximos meses, na Maré, uma pesquisa para saber quantas crianças e adolescentes ainda precisam ser vacinados. 

A ação dá continuidade aos estudos da Pesquisa Vacina Maré, iniciada em 2021 a partir da campanha Vacina Maré de vacinação contra a Covid-19, que imunizou 96% da população adulta da Maré com a primeira dose da vacina. 

Esta etapa  tem o objetivo de apoiar a cobertura vacinal para imunizar e proteger nossas crianças contra doenças para as quais existem vacinas seguras e gratuitas. 

Passo a passo para participar da campanha de vacinação

– Receba os pesquisadores de campo da Vacina Maré

– Responda às perguntas do questionário

– Verifique se falta alguma vacina na caderneta do seu filho

– Vá até a unidade de saúde mais próxima da sua casa

– Leve a caderneta de vacinação do seu filho(a)

– Leve o documento com foto de um responsável pela criança ou adolescente

– Vacine seu filho (a) contra as doenças indicadas

– Pronto! Você exerceu o seu direito à saúde pública e gratuita oferecida pelo SUS!  

Demolições, suspensão de aulas e queda de energia em 2 dias seguidos de Operação policial na Maré

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Semana é iniciada na Maré com 2 dias seguidos de operações policiais na Maré 

A semana mais quente do ano na Maré foi iniciada com 2 dias seguidos de operações policiais nas favelas Parque União, Rubens Vaz, Nova Holanda e Parque Maré. Depois de uma noite desgastante com diversos pontos das favelas sem energia elétrica, no primeiro momento do amanhecer agentes policiais e veículos blindados já circulavam nas favelas. Com esses dois dias, esse ano, o Conjunto de Favelas da Maré soma 25 operações policiais, quando moradores têm a rotina afetada e o acesso à direitos interrompidos.  

Há menos de um mês a Maré viveu seis dias de ações policiais consecutivas na “Operação Maré“. Nesta segunda-feira, 13, o Maré de Direitos, projeto do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré, que realiza o monitoramento das operações policiais nas 16 favelas, registrou pelo menos cinco invasões de domicílios, duas agressões físicas, psicológicas, além de ameaças cometidas por agentes policiais. Uma mulher foi levada como testemunha e a equipe do projeto também acompanha possíveis violações. 

O Maré de Notícias recebeu relato de uma das invasões a domicílio. “Eles estão em uma casa na rua do canal na nova holanda, com uma mulher. Mandaram tirar as crianças e estão lá quebrando tudo e não deixam ninguém subir” disse o morador que não terá seu nome divulgado.

A Secretaria Municipal de Educação informou que devido a operação 7185 alunos ficaram sem aula em 21 unidades escolares que ficaram fechadas no território nesta segunda. Solicitamos informações sobre o funcionamento das unidades de ensino nesta terça e aguardamos retorno.  A Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva também suspendeu o funcionamento da unidade e a CF Diniz Batista dos Santos suspendeu as visitas domiciliares na segunda. Até o momento não há informações sobre o funcionamento nesta terça-feira.

Durante a operação foi realizado também um processo de remoção de 30 construções que, segundo a Secretaria de Obras Públicas (SEOP), obstruiam canais de escoamento de água na Nova Holanda, Rubens Vaz e Parque União. Segundo a secretaria, não havia pessoas ocupando os imóveis demolidos.

O Maré de Notícias segue acompanhando e recebendo informações pelas redes sociais e WhatsApp (21) 97271-9410. O Maré de Direitos, projeto do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré, acolhe situações de violações de direitos no WhatsApp (21) 99924-6462. E o Ministério Público (MP) realiza um plantão especial para atender a população. O atendimento gratuito é feito no telefone (21) 2215-7003 ou no e-mail [email protected].

Mobilidade Urbana: Quando sair de casa é um obstáculo

Mobilidade urbana dentro e fora da Maré é artigo de luxo. Comprar pão é algo normal, mas na Maré virou pista de obstáculos.

Por: Gabriel Pereira* e Hélio Euclides

Andar pelas ruas das cidades se torna um desafio, em especial para pessoas com deficiências (PCD´s), grávidas e idosos. Nas favelas e bairros periféricos a situação tende a piorar. São carros e motos que não respeitam os pedestres, mas nas calçadas o perigo ainda é maior, com buracos, desníveis, falta de sinalização e sem acesso para cadeirantes ou às mães com carrinhos de bebê. Um exemplo da falta de mobilidade acontece na Clínica da Família Diniz Batista dos Santos, localizada em frente ao Parque União, que foi inaugurada há cinco anos, no qual pacientes precisam superar a barreira de 35 degraus da passarela para chegar até a unidade.

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, realizada pelo IBGE em 64 mil domicílios, apontam que 6,2% da população brasileira possuem algum dos quatro tipos de deficiência indagados: intelectual, física, auditiva ou visual. Segundo o Censo da Maré, divulgado em 2019, em cerca de 3,5% dos domicílios da Maré há moradores com transtorno psíquico, déficit cognitivo ou deficiência física no território. 

Um coletivo que realiza o apoio a famílias de PCD´s é o Especiais da Maré. Valéria Viana é uma das gestoras do grupo e sempre pede ajuda da Gerência Local da Maré para colocação de rampas em algumas calçadas, para ter acesso.

“Muitas são quase impossíveis, porque estão tomadas por todo tipo de coisa e comércio. Então, como não há um padrão da calçada, dificulta a nossa caminhada. Precisa estar sempre disputando espaço com carros, com motos, com todo tipo de transeuntes. Por exemplo, a ciclovia do Conjunto Pinheiros, que é inclusive uma parte do meu trajeto aqui, é muito mal conservada, não tem rampa.”

Valéria Viana, coletivo Especiais da Maré

Ela conta que algo simples como ir à escola, vira uma aventura.

“A escola é outra luta para se ter acessibilidade na entrada. Uso a força para levantar a cadeira e colocar na calçada e passo por um gramado, o que é uma dificuldade. Ao incluir uma criança com deficiência na escola, era extremamente necessário que houvesse algumas mudanças”, conta. Viana lembra que o trajeto até a escola é cheio de buracos e partes com falta de calçada. “Há mal conservação das vias públicas Quando está chovendo é complicadíssimo”, desabafa.

Gerência Local da Maré

Para a moradora da Vila dos Pinheiros, a Gerência Local da Maré até se mostrou disponível para tentar ajudar, porém não é qualquer rampa que deve ser feita, é preciso ter ângulos específicos. “Eu praticamente tive que desenhar e falar como que é em outras cidades, porém até hoje não foi feito. Hoje nem o básico existe, não tem um banheiro adaptado, dessa forma meu filho não pode realizar as necessidades”, comenta.

Viana até pensou em matricular o filho na Escola Municipal Millôr Fernandes, no Salsa e Merengue, mas ficou sabendo que, apesar de ter elevador, não funciona. “A escola tem um elevador sem manutenção e ausência de uma rampa”, conclui. 

Sua colega do Especiais da Maré, Antônia Maria, é cadeirante. Ela mora em uma quitinete alugada, que fica no segundo andar da casa. A residência é inadequada e inacessível, pois precisa da ajuda de amigos ou conhecidos para sair de casa. A dificuldade é precisar de alguém que desça a escada com ela nos braços, colocando a vida de ambos em risco porque a escada é íngreme. Para subir é o mesmo transtorno. Seu direito de ir e vir começa a ser interrompido antes mesmo da calçada. Para mudar essa situação foi criada uma vaquinha, quem desejar ajudar é só acessar: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/preciso-de-ajuda-para-comprar-uma-kitnet.

Uma passarela e seus buracos

Como parte das obras do BRT Transbrasil, as passarelas antigas passaram por uma reforma, troca de reboco e piso, além de pintura. Na passarela 9, próximo a Nova Holanda, a passarela não foi isolada corretamente para a reforma, o resultado foi marcas de pneus por grande parte do piso. Com menos de seis meses de conclusão, algumas partes do piso já se soltaram, surgindo buracos. Essas falhas na obra já causaram alguns tombos de pedestres, provocando algumas escoriações, como divulgado em um vídeo vinculado nas redes sociais do Maré Vive. 

Jorge Geraldo, o popular Jorge Bob´s, morador do Rubens Vaz, é PCD e utiliza para a locomoção um carrinho de rolimã, tendo as falhas no piso da passarela um obstáculo.

“Acabaram de reformar a passarela e já está cheia de buracos. Ainda falam em mobilidade na cidade”, questiona. Ele diz que na favela as dificuldades são enormes. “Muitas vezes para chegar numa loja tem que duas pessoas para suspenderem o carrinho para eu conseguir subir a calçada, que por cima é irregular.”

Jorge Bob´s, morador do Rubens Vaz

O que diz a prefeitura

A Secretaria Municipal de Infraestrutura informou que a passarela passa por manutenções constantes. Declarou que o problema é algo de vandalismo e de motos circulando. Prometeu enviar uma equipe para vistoriar e verificar os serviços a serem feitos. Até o fechamento deste texto os problemas continuavam. 

Mas não é só atravessar a passarela que os problemas acabaram. Wallace Coutinho, conhecido como Madiba MC, morador da Baixa do Sapateiro, sofre para chegar ao trabalho. Ele utiliza a linha de ônibus 665, Pavuna X Saens Peña e reclama que, muitas vezes, dá sinal e o motorista simplesmente faz cara de paisagem e passa direto.

“Acredito que todo trabalhador que necessita de transporte público para se locomover ao seu local de trabalho sofre um pouco toda manhã. Seja porque o busão está lotado e apertado, no calor sem ar condicionado, ou até mesmo por dar sinal e perceber que o motorista escolheu não parar naquele ponto, ou ainda quando tem goteiras dentro do ônibus que vão nos molhando por todo o trajeto”. 

Wallace Coutinho, conhecido como Madiba MC, morador da Baixa do Sapateiro

Na segunda-feira (06/11), foram quatro veículos que não pararam no ponto da passarela 8, sentido Centro. Ele confessa que é frequente, quando que se pega rindo de algumas situações por já saber o que pode acontecer. “Realmente acordar às 4 da manhã já sabendo que alguns desses ‘imprevistos’ acontecerão e que seu patrão não irá querer saber de ‘desculpas’ não é nada motivador. Nosso cansaço físico se une ao nosso cansaço mental por não podermos fazer muita coisa e termos que lidar com isso com o máximo de paciência possível. Não nascemos em berço de ouro e pagamos para sofrer um dia de cada vez”, comenta.

A bicicleta como solução 

No Complexo do Alemão foi construído um teleférico que não foi uma reivindicação dos moradores, e que custou cerca de R$ 300 milhões. Por outro lado, apenas 30% da favela têm saneamento básico, uma reivindicação histórica dos residentes nesse território. Para piorar o teleférico se encontra desativado. Isso é o que mostra a pesquisa feita sobre mobilidade no Complexo do Alemão e no Conjunto de Favelas da Maré, realizada em 2014, pela Redes da Maré, Observatório de Favelas e o Centro para a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel (Ceiia).

A pesquisa registra que apesar da Maré se encontrar numa localização estratégica na cidade, visto ser cortada por três das principais vias de circulação: Avenida Brasil, Linha Vermelha e Linha Amarela, isso não garante uma mobilidade física ampliada da população.

A demanda por deslocamento a outras partes da cidade acontece, basicamente, para ir ao trabalho, em sua maioria, mas também para fins de lazer e estudo ou para a busca por acesso aos serviços públicos considerados de melhor qualidade, em comparação com os existentes na Maré; em particular, os de saúde. Nessa perspectiva, quase 47% dos entrevistados afirmam circular fora da Maré pelo menos cinco dias da semana.

Carros e motos

Já o crescimento do uso de carros e motos é notório na Maré. Nesse caso, urge incidir junto às políticas públicas, no sentido de se definir a regulação da circulação desses veículos motorizados e do estacionamento adequado para eles. Nesse caso, as ciclovias e a construção de bicicletários nas estações do BRT são centrais para ampliar o uso das bicicletas e reduzir o uso dos carros. 

Para transitar dentro e fora do espaço das favelas, a bicicleta pode ser uma alternativa interessante. Ela é barata, saudável e sustentável de se locomover, além de poder servir como lazer. Um exemplo bacana é o projeto Preta Vem de Bike, realizado na cidade de São Paulo, que estimula o uso de bicicleta por mulheres negras, que estão entre as mais vulneráveis quando o assunto é transitar pela cidade.


No Alemão não é diferente

Já no Complexo do Alemão, o teleférico inaugurado em 2011, tem 3,4 km de extensão, foi inspirado no modelo de Medellín, na Colômbia. No entanto, este projeto apresenta várias diferenças. Em Medellín, as estações estão localizadas num eixo longitudinal ao aclive da favela, enquanto no Alemão, as estações estão localizadas no topo dos morros. Por este motivo, o projeto carioca é muito criticado inclusive pelos moradores. A localização das estações dificulta o acesso, uma vez que devem subir até o topo do morro para ingressar ao sistema. Isso é o que mostra a pesquisa Mobilidade urbana nas favelas do Rio de Janeiro: Intervenções e impactos sociais, de Lídia Borgo Duarte Santos

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Moradores enfrentam desafios e insegurança para transitar pela Maré

Em texto publicado no Maré de Notícias, Clarisse Cunha Linke, diretora-executiva do ITDP Brasil, explica que nos últimos anos muitas favelas tiveram parte de suas vias asfaltadas, o que resultou no aumento da presença e da velocidade de automóveis e motocicletas. As motocicletas são consideradas por especialistas uma das mais sérias epidemias urbanas desta década, e seu impacto tem sido sentido em todos os territórios urbanos, formais e informais. No contexto da Maré, onde a malha de ruas e becos é bastante densa, a presença de automóveis e motocicletas afeta diretamente a vida dos pedestres e ciclistas.

As soluções para a cidade

A mobilidade urbana nas favelas é um desafio que envolve questões de acesso, segurança, infraestrutura e transporte público. Devido às condições topográficas em que estão inseridas, a locomoção nestes locais torna-se um tanto quanto complicada, afetando aqueles com mobilidade reduzida e pessoas com deficiência física.

Sobre as calçadas, a responsabilidade pela manutenção das calçadas e estradas nas ruas do município do Rio de Janeiro pode variar dependendo da localização e do tipo de via. Em geral, a manutenção de estradas principais e avenidas é responsabilidade da própria Prefeitura. Já as calçadas são de responsabilidade dos proprietários de imóveis adjacentes. Os proprietários são obrigados a manter as calçadas em boas condições, limpas, com reparos e a garantia de acessibilidade para pessoas com deficiência. 

A Prefeitura do Rio de Janeiro pode adotar várias medidas para melhorar a mobilidade urbana de pessoas com deficiência física em favelas, promovendo a acessibilidade e garantindo que essas pessoas tenham condições adequadas para se deslocarem pela cidade. A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência (SMPD), foi criada para aprimorar a qualidade de vida de um cidadão PCD. Dentro do site Carioca Digital há uma vasta lista de serviços para que aqueles que necessitam possam recorrer, que vai de serviços de gratuidade em transportes públicos até transporte próprio para levar estudantes PCD às suas escolas.

Confira https://carioca.rio/orgao/secretaria-municipal-da-pessoa-com-deficiencia-smpd/. Ainda assim, o que está sendo feito ainda está aquém das necessidades dos cariocas, principalmente os moradores de favela.

*Gabriel Pereira é aluno do Curso de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Maré de Notícias e o Conexão UFRJ.