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A luta pela moradia é coletiva

Cartilha ajuda  a entender os  desafios na busca por moradia digna

Julia Bruce e Jéssica Pires

Maré de Notícias #152 – setembro de 2023

O eixo Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré lançou uma cartilha sobre o Direito à Moradia na Maré. A publicação apresenta um histórico sobre o direito à moradia no conjunto de favelas, com informações sobre esse direito, bem como,  quando esse é violado e é preciso reivindicá-lo .

No Brasil, ter um lugar digno, seguro e adequado para viver é um direito social, inscrito na Constituição Federal de 1988. Esse mesmo direito também é afirmado pelo Estatuto da Cidade, na Lei Federal nº 10.257/2001. Nas favelas e periferias, porém, os desafios para ter e manter um teto sob a cabeça são cotidianos. 

Saber é poder

A cartilha Direito à Moradia na Maré foi elaborada a partir de uma formação oferecida  a jovens universitários moradores de algumas favelas da Maré. O conteúdo trabalhado abrangeu o direito à cidade e à moradia, além   da discussão sobre o processo  histórico das ocupações  da região. Lançada no Galpão RITMA — Rede de Inovação Tecnológica da Maré no último dia 10 de agosto, foi então apresentada aos moradores da Favela da Galinha e do Tijolinho (Nova Holanda).

A coordenadora do eixo Direitos Urbanos  Socioambientais da Redes da Maré, Shyrlei Rosendo, explica: “muitos dos nossos temas vêm da demanda de moradores, como o do direito à moradia, que é discutido pelo Fórum das Associações de Moradores, desde  a sua criação, em 2009. A regularização fundiária e os processos de intervenções também marcaram a história da construção do que é o Conjunto de Favelas da Maré hoje”. 

 Shyrlei acrescenta ainda: “No decorrer do nosso trabalho, já vimos muitos moradores chegarem à Redes da Maré avisando que suas casas estavam a ponto de desabar. Vimos que precisávamos produzir conhecimento sobre o direito à moradia, construir um processo coletivo e entender como o Estado vai possibilitar isso”. 

Direito à cidade

A formação sobre o Direito à Moradia nas favelas da Maré  aconteceu  a  no último mês de abril.  Além de refletirem sobre determinados temas relacionados ao direito à moradia, os jovens   participaram de debates sobre filmes e outras linguagens artísticas como a fotografia   e literatura d a  respeito  do processo de  urbanização  nas favelas da Maré. 

Foram identificados dados para um estudo que mostrou que o Índice de Desenvolvimento Humano e Municipal (IDHM) da Maré é de 0,722. O da Gávea, na zona sul do Rio de Janeiro, é de 0,970. Outros dados comparativos coletados: o acesso à moradia na Maré é de 79,19% e na Gávea, de 95,84%. Em relação à água e saneamento básico, na Maré é de 93,1% e na Gávea, 98,93%. A coleta de lixo na Maré é de 87,18% e na Gávea de 100%.

O estudante de Serviço Social Arthur Beserra, de 20 anos, é um dos jovens que fez parte do processo de formação sobre direito à moradia. Ele nos explica: e “a produção da  cartilha sobre direito à moradia na Maré  é anticapital porque o que a gente produz aqui não é o que geralmente é produzido sobre habitação. Nós que estamos na favela, também somos parte da cidade e queremos efetivar nossos direitos. Aqui, o policial invade nossa casa como quer, a água  também invade com as fortes chuvas.  Temos problemas com infiltrações, entre tantas outras violações em que o poder público precisa estar presente.”

Arthur  completa: “A produção desta cartilha me deixa muito feliz porque estou conseguindo reverter algo para a nossa comunidade e transmitir conhecimentos para familiares e amigos”.

Surpresa

A  coordenadora do projeto Direito à Moradia na Maré, Fefa Frias,   acompanhou a formação dos jovens. Ela nos fala:  “O direito à moradia não é só à casa,  é  também à infraestrutura,  questões sobre assentamentos, o direito a ter acesso a uma rede de esgoto de qualidade e que, realmente, funcione, a transporte, a energia elétrica e ao acesso a serviços públicos, como saúde, educação e lazer”. 

 O mobilizador e pesquisador do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais,  Maurício Dutra, complementa:  “Os moradores ficaram surpresos com a temática do direito à moradia. Eles tomaram consciência de direitos que, até então, pensavam que eram favores. Elogiaram muito a objetividade do conteúdo e a clareza da linguagem da cartilha”.  Mauricio,   compartilhou com Fefa Frias a coordenação do projeto Direito à Moradia durante o processo de mobilização e entrega das cartilhas aos moradores.

Quem pensa a cidade?

No último dia 10 de agosto, o governador Cláudio Castro anunciou o início de obras em um trecho de 30 quilômetros da Linha Vermelha, que desde o início deste ano é administrado pelo governo do estado. Dentre as ditas melhorias está um muro, com 30 centímetros de espessura, a ser construído apenas em algumas áreas da via expressa.

Durante o anúncio da obra, o governador declarou que a nova estrutura serviria para garantir a segurança na via, uma vez que poderia proteger os veículos passantes de balas perdidas vindas de regiões como as favelas da Maré. 

As obras incluem ainda recapeamento da pista, iluminação LED nos canteiros centrais e laterais, e a instalação de novas câmeras de monitoramento. A obra faz parte de um projeto da Secretaria Estadual de Transporte e Mobilidade Urbana, com  orçamento de R$ 70 milhões. 

Política demanda diálogo 

Em 2016, ano em que a cidade do Rio de Janeiro recebeu os Jogos Olímpicos, uma barreira de acrílico  foi instalada na Linha Vermelha. Na época,  moradores da região e especialistas em urbanismo se dividiram em relação a construção do muro. 

O Maré de Notícias não identificou processos de consulta ou participação popular no projeto agora anunciado, ou a publicação dos planos para a obra nos canais oficiais do governo do Estado, com detalhamento orçamentário e possíveis estudos sobre seu impacto para as populações que vivem   às margens da Linha Vermelha.

“O direito à moradia não é só à casa, é também à infraestrutura”. Foto: Patrick Marinho

Logo após o pronunciamento do governador, o projeto começou a receber críticas, tanto  em relação à eficiência na garantia da segurança, mas também, sobre   o fato de ser uma medida que invisibilizará  as favelas existentes no trecho. Mais uma vez, identificamos o quanto as políticas públicas no campo da segurança pública não reconhecem o direito das populações de favelas e, nesse caso, estamos falando de uma região habitada por  140 mil pessoas.

“A construção de um muro como esse caracteriza uma perspectiva histórica de segregar as favelas do restante da cidade”, destacou Pâmela Carvalho, moradora do Parque União e coordenadora do Eixo Arte e Cultura, Memórias e Identidades da Redes da Maré, em entrevista ao portal G1

O pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Ignácio Cano, acredita que a obra é demonstração da inaptidão estatal para desenvolver uma política de segurança pública eficiente.

“É como um atestado de incapacidade do governo do estado de não conseguir controlar as ações de segurança necessárias. E o muro vem, então, dizer: ‘Olha, como não consigo controlar, vou tentar pelo menos proteger os motoristas que transitam’”, disse ele ao G1.

É fundamental a reflexão sobre de que maneiras o Estado elabora e aplica as políticas e estruturas públicas em determinados espaços na cidade. É preciso pensar e propor o direito à cidade e a moradia de forma coletiva, democrática e considerando as desigualdades sociais do Rio de Janeiro.

Você pode retirar gratuitamente sua cartilha Direito à Moradia na Maré na secretaria da Redes da Maré ou ainda baixar uma versão digital em https://bit.ly/3sF2uuz.

Mareenses fazem caminhada de 253km a Aparecida do Norte

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Sexta edição de caminhada reúne homens e mulheres pela fé até o caminho da Fé a Aparecida

No filme Forrest Gump, o personagem de Tom Hanks corre para sentir a presença de sua amada. Um maratonista corre para superar obstáculos e receber uma premiação. Alguns caminham por recomendação médica, para uma vida mais saudável. Para outros, caminhar pode ser algo místico ou divino, como percorrer o Caminho de Santiago da Compostela. Inspirado nessa caminhada, no Brasil foi criado o Caminho da Fé. Esse traçado parte de diversas partes do país, inclusive da Maré. Nele, os romeiros desafiam as limitações para uma caminhada ao interior de São Paulo, ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida.


O Caminho da Fé, partindo da cidade mineira de Alfenas, tem um percurso de trajeto de 265 quilômetros. Já partindo de São Paulo, seu trecho principal liga o município de Águas da Prata à cidade de Aparecida, numa distância de 295 quilômetros. O grupo da Maré lembra a música Romaria, de Renato Teixeira, no trecho “Me disseram, porém, que eu viesse aqui, pra pedir de romaria e prece, paz nos desaventos”, quando encaram os 253 quilômetros do Santuário São Paulo Apóstolo e Nossa Senhora da Paz, no Parque União, até a cidade de Aparecida.

Padre Piero participou da caminhada em 2009. Foto: arquivo do grupo


A primeira caminhada do grupo foi realizada em 2009, nessa época não teve carro de apoio, foram sete homens, entre eles o missionário Giuseppe Olivero, conhecido como Padre Piero. Depois desse desafio, já ocorreram outras seis caminhadas, nos anos de 2011, 2013, 2015, 2017. 2022 e 2023. As mais recentes com a participação de 18 pessoas, entre homens e mulheres. “Fui em 2017, foi uma emoção indescritível quando vimos a cúpula da igreja. Nesse momento temos a certeza de que algo no qual parecia impossível é alcançado”, conta Josinete Ferreira, de 55 anos, moradora do Parque União e professora de educação física.


São oito dias de caminhada, onde cada um tem o seu propósito, seja agradecer, pagar uma promessa ou pedir alguma graça que almeja. “Nessa caminhada percebemos que a cada dia que se aproxima a chegada, a emoção é maior”, comenta Flodoaldo Pires, de 62 anos, que participou do evento em 2017 e na última edição.


Segundo matéria no site G1, o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida recebeu mais de oito milhões de devotos em 2022. Até outubro, foram mais de 18.570 peregrinos que se aventuraram na caminhada, revela o site do Ministério do Turismo.


Pires destaca que a cada edição há avanços. “A caminhada de 2017 foi uma das mais difíceis, com descanso em postos de gasolina e barracas sem água. Foram dois dias sem almoço, só lanches. O pé é uma grande preocupação. Perdi até a unha. Já nessa última não tive nem calo”.

Foto: arquivo do grupo. Mesmo com dificuldades o grupo já planeja novas caminhadas.


Nessa última edição, carros de apoio acompanharam os romeiros mareenses. O grupo da Maré realiza a caminhada em julho, em função do clima menos quente. Isso ocorre diferente do restante do país que concretiza a caminhada próximo ao dia de Nossa Senhora Aparecida.


Durante o trajeto há equipes de suporte na estrada para quem escolhe essa forma de chegar a Aparecida, como médicos e voluntários que disponibilizam água, comida e hospedagem.


Para quem desejar acompanhar o grupo em 2024, é preciso uma preparação física e estar em perfeita situação de saúde. “É preciso ter fé, coragem e muita oração. É preciso ter força para enfrentar mosquitos e descanso em área aberta. Depois do sono, a peregrinação começa bem cedo, num período com menos fluxo de carros”, conclui Pires. Para evitar qualquer transtorno, antes de começar o percurso há o aviso à Polícia Rodoviária Federal, órgão responsável pela fiscalização das estradas.

Mayana: voz mareense que inspira

Cantora de voz mareense lança single, apresentação especial e inspira com trajetória independente

Foto: Victor Vieira

A Maré é um polo de cultura e já revelou diversos artistas que ganharam o Brasil. O mais nova talento e voz mareense é a cantora Mayana, cria da Nova Holanda. A jovem de 27 anos se define como “uma junção de muitas forças”, uma mulher cheia de sonhos e que busca ser referência para outros artistas favelados. 

Mayana lançou recentemente seu primeiro single como cantora independente “Blue de Novo” feat. Lado Escuro e já alcançou mais de 900 views no Youtube. Ela conta que a música é uma mistura de estilos desenvolvida para o público urbano: “foi pensada para ganhar as ruas mesmo, uma pegada bem charme, bem urbana. Tem sido bem legal cantá-la por onde vou e perceber que as pessoas se identificam com esse som, perceber o quanto que faz sentido”.

 A cantora se mostra animada com o cenário e admite pensar nos próximos passos: “Sou uma artista independente e é difícil conciliar tudo, mas já está no planejamento e ando pesquisando minhas referências para construir o próximo single”, revela.

Novos projetos 

A cantora mareense lançará o Baile da Mayana dia 16/09 às 17h, no ateliê Bonifácio no Centro do Rio de Janeiro. Com grande entusiasmo, ela conta que essa será uma apresentação muito especial: “Pretendo realizar o melhor show da minha vida até aqui. Me preocupo muito em passar algo bom para as pessoas, por isso estou sempre sorrindo, brincando, trocando energia boa. Quero que todos saiam com a sensação de querer mais, de ter sido algo realmente especial”, conta.

Uma junção de muitas forças

Como uma mulher preta retinta e cria da Maré, Mayana é atravessada por diversos marcadores sociais e isso influenciou diretamente sua caminhada: “Eu sou uma junção de muitas forças. Sempre muito consciente da realidade da qual eu vim e que me formou. Totalmente consciente das dificuldades de ser uma mulher preta retinta, pobre e favelada, e como isso dificulta o processo quase sempre. Acredito que a força para ser Mayana passa muito por ter vivido tantas dores e delícias de ser de onde sou e como eu sou”.

Embora a trajetória da voz mareense esteja apenas começando, ela já se assemelha a tantos outros artistas periféricos que almejam conquistar o mundo com seu talento: “O sonho de ser uma grande artista, permitir mudar a vida da minha família, ser referência para os meus pares que são da favela e que sonham como eu. A arte, no geral, é um caminho que pode salvar muitas vidas”, diz.

Mayana enfatiza ainda o papel das políticas de incentivo aos artistas periféricos: “É importante ter apoio tanto familiar, quanto estrutural/governamental para que mais e mais artistas pertencentes a grupos social e racialmente excluídos possam continuar produzindo e sonhando. Desejo que possamos ter um futuro brilhante e mais valorizado”.

 A cria da Nova Holanda deixa um recado para quem está nessa mesma caminhada: “Estude muito e persista. Pode ser que aconteça rápido, mas acredite que o trabalho não vai ser fácil e acontecer do dia para noite. Esse momento de “boom” das redes sociais faz as pessoas acreditarem que tudo é instantâneo e isso pode levar à frustração. Arte é construção diária e é feita aos poucos mesmo, com dedicação e afeto”, finaliza.

16ª Parada LGBTQIA+ da Maré acontece no próximo domingo

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A concentração da Parada LGBTQIA+ está prevista às 14h, na entrada da Vila do João, no ponto dos mototaxistas

Foto: Paulo Barros

A 16ª Parada LGBTQIA+ da Maré será realizada na Vila do João, na Maré, neste domingo (10). O tema deste ano é “Maré contra as desigualdades e sem LGBTfobia“. A programação começa a rolar a partir das 10h da manhã, com uma a Feira de Saúde voltada para a população LGBTQIA+ do território.

Segundo o organizador do evento, Alberto Duarte, conhecido como Beto, Cabeleireiro de 55 anos explica que a ação conta com apoio da Fundação Osvaldo Cruz, Clínica da Família (CF) Adib Jatene, CF Augusto Boal e do Centro de Saúde da Vila do João, além do Grupo Pela Vida. A Feira de Saúde contará com distribuição de preservativos, vacinação, teste rápido e conscientização sobre infecções sexualmente transmissíveis (IST).

A concentração da Parada LGBTQIA+ está prevista às 14h, na entrada da Vila do João, no ponto dos mototaxistas. Às 16h os convidados e organizadores darão início a programação com falas marcando o inicio da Parada do Orgulho LGBTQIA+ da Maré. Por volta das 19h será iniciada uma caminhada até o palco principal que ficará próximo ao restaurante Fronteira da Vila, onde 19 artistas farão apresentações, entre elas, a Drag Queen Desiree Cher, que comandará as apresentações.

A Parada do Orgulho LGBTQIA+ da Maré é a primeira realizada dentro de uma favela e está em sua décima sexta edição. Beto que também é fundador da organização não governamental (ONG) Maré Sem Preconceito conta que se sente orgulhoso de organizar o evento. “É uma honra, eu me sinto muito grato, não dá nem para acreditar, de hoje a gente fazer uma parada e botar umas 20 mil pessoas na rua, dentro de uma comunidade no Rio de Janeiro.” conclui.

A Maré presente na Bienal do Livro

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Comemorando quatro décadas, a Bienal do Livro recebe crianças escritoras

Foto: Marko Costa

A Bienal do Livro Rio completou 40 anos. Na cidade do Rio ela está na 21ª edição. Uma das novidades desta edição foi a presença das crianças escritoras da Biblioteca Popular Lima Barreto, da Nova Holanda, e da Biblioteca Popular Municipal Jorge Amado, localizada dentro da Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, na Nova Maré, no dia da abertura (01/09). Na festa literária, elas contaram a experiência de lançar nove livros, com textos e desenhos próprios.

Este ano, o maior festival de literatura, reúne mais de 300 autores, com cerca de 300 editoras do país inteiro. Com 200 horas de programação para toda a família. Os visitantes podem escolher entre participar das contações de histórias e encontrar os escritores nos mais de 80 encontros programados para os dez dias da Bienal. A última edição aconteceu de forma reduzida, em modelo híbrido, por conta da pandemia. 

As crianças da rede municipal que visitaram a Bienal receberam um vale com crédito de R$ 50 para a compra de livros. E o voucher oferecido aos jovens da rede estadual é de R$ 100. “Eu estou feliz, pois esse evento literário é o mais democrático. É bom saber que tem programas que levam as crianças das periferias e favelas para a Bienal. É muito legal ver a quantidade de crianças e adolescentes da rede pública de ensino, utilizando o voucher para adquirir o livro e conhecer o universo literário”, comenta Thalita Rebouças, escritora. 

Os escritores da Maré

Duas vans saíram da Maré cheias de crianças com destino ao Riocentro, local onde tradicionalmente acontece a Bienal do Livro. As crianças tinham um propósito, lançar os nove livros infantis criados com histórias vividas por elas no território: Se eu fosse presidente…; Se eu governasse a Maré!, Maré herança ancestral, O diário de uma pandemia; O monstro que invadiu o mundo; Maré de alegria; Maré de encontros; A construção da Praça da Paz.

O projeto dos livros tem a realização da Redes da Maré, em parceria com o programa O Escritor para o Futuro, do projeto Era uma Vez e da Prefeitura do Rio. As crianças puderam colocar as suas experiências com a construção dos livros no estande da Paixão de Ler. “Desde que cheguei há seis meses na secretaria, logo fui apresentada ao projeto. Acabou se tornando um projeto que tenho muito carinho e respeito. Percebo pessoas envolvidas na organização, algo muito simbólico, que se empenharam no lançamento dos livros das crianças na Bienal”, comenta Aladia Araújo, gerente de livro e leitura da Secretaria Municipal de Cultura.

Ela conta qual é a importância dessa iniciativa. “Eu já fui uma dessas crianças da rede municipal de ensino. Hoje, ocupando esse cargo, disponibilizo esse estande para as crianças da periferia, da mais diversa gama cultural. Outro ponto é que pela primeira vez esse espaço homenageia três autores pretos, Carolina de Jesus, Lima Barreto e Luiz Gama. Falando de temas tão incríveis, que são a imaginação, a escrita, a palavra e a liberdade. Ver as crianças aqui é um movimento da imaginação e da criatividade”, explica. 

As crianças contaram sobre a experiência. “As pessoas nem acreditam que sou escritora. Outro dia falei com a minha professora e ficaram duvidando, então levei o livro para a escola e todos ficaram de boca aberta”, revela Lara Lúcia, de 11 anos, moradora da Nova Holanda. Ser escritora traz uma reflexão. “Escrever o livro Se eu fosse presidente…, me fez refletir em melhorar o mundo. Eu compraria uma casa bem grande para colocar todos que moram na rua, mostrando que todos somos iguais e cuidaria da fauna”, sugere Jamilly Vitória, de 12 anos, moradora da Nova Maré.

Uma tarde de festa

Após o lançamento dos livros, as crianças puderam apreciar uma contação de história no estande da Paixão de Ler, com a participação de Rodrigo Maré, ator e músico. “Acompanho a Kemla, que vem contar uma história que ela criou, que se chama Alausa da Menina. Um movimento do carnaval de Recife, no qual pessoas se vestem com roupa peluda grande para pedir dinheiro e quem não dá é chamado de pirangueiro. Uma brincadeira do Nordeste. Eu compartilho hoje o que aprendi como músico favelado, de uma formação em parte da Maré. Muito bom mostrar isso para as crianças que estão aqui, me deixa emocionado”, diz.

Kemla Batista, pedagoga, escritora e contadora de histórias, aproveitou para lembrar o tempo que trabalhou como educadora na Maré, nas escolas públicas do território. “Estar com as crianças da Maré é uma reconexão de um tempo muito especial, como contadora de história. Hoje trago uma apresentação autoral que vai sair no meu quarto livro. Falar de uma brincadeira do carnaval, de uma tradição relevante, uma possibilidade de ampliar horizonte por meio da leitura, da história, da oralidade, da música e da cultura popular”, conclui.

Agenda mareense na Bienal

Na próxima quinta-feira (07/09), às 12 horas, na Rua V, estande dez da Bienal, Jaqueline Luzia, cria da Maré e professora da Faculdade de Educação da UERJ, estará autografando livros. Haverá o relançamento dos livros “Letramento: uma prática em busca da releitura do mundo”; “Formação de Professores na Educação de Jovens e Adultos: temas em debate”; “Educação de Jovens e Adultos: reflexões a partir da prática” e “Orientação e Supervisão Educacional: reflexões sobre o fazer pedagógico”, publicados pela Editora Wak. O primeiro é de autoria da Jaqueline e os outros três são organizados por ela.

Já no dia seguinte (08/09), às 14 horas, é a vez de Jessé Andarilho participar da tarde de autógrafo na Bienal, no estande da Editora Malê, no Pavilhão Verde. O livro infantil Cadu Quer Brincar é uma homenagem a Cadu Barcellos (1986-2020), cineasta cria da Maré. “Em 2012, estávamos no bar Cadu, o escritor Renato Cafuzo e uma galera, todos trocando ideias e falei que desejava fazer um curta de um moleque saindo da escola, chegando em casa, pegando uma bola e chamando os amigos para jogar. Todos acharam maneiro. Em 2016, uma editora pediu um trabalho de esporte, então escrevi uma história ambientada na favela. Na época, expliquei ao Cadu sobre a homenagem. O projeto não foi concluído. Só em 2021, por meio de outra editora, finalizei o livro falando sobre uma personalidade negra”, conta. 

Coletivo Maré Crew lança exposição de stencil com expressões e rostos mareenses

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“Todos os rostos da exposição tem nome, sobrenome, data de nascimento e estão vivos.” conta a artista Larissa Alves

Foto: Raysa Castro

Uma foto refletida com um projetor, um desenho feito a mão formando um estêncil e junto com as tintas é só deixar a criatividade fluir. Foi assim que surgiram as principais obras que compõem a exposição “Vivências Cotidianas” do coletivo mareense Maré Crew. As obras fazem parte da exposição temporária instalada no Museu da Maré.

O Maré Crew é uma iniciativa artística que está prestes a completar sete anos de existência, formada por Larissa Fernandes de 24 anos, Everton Luiz Alves Paulino de 27 anos e João Pedro Alves, 23. O coletivo é formado por “crias da lona” como explica a arte educadora e produtora cultural Larissa Fernandes.

A partir do aprendizado da técnica do grafite possibilitado pela Lona Cultural Municipal Herbert Viana, a Lona da Maré, os jovens resolveram dar continuidade as atividades e criações. Eles usam o espaço para se reunir. No começo contavam com o apoio de professores com material para grafitar e começaram a criar. Hoje o grupo já conquistou a autonomia para adquirir o material para criação das artes.

Larissa conta que além de trabalhar na Lona Cultural, também é cria das “Casinhas”, região da favela Nova Maré. A jovem explicou que a exposição surgiu a partir da observação do ambiente, vendo a forma como as crianças da lona se relacionam com o território onde ela também cresceu. Vivências Cotidianas foi uma forma de aproximá-los da arte. Além disso, foi uma forma de provar para si mesma a sua capacidade. “Quando o Museu da Maré abriu a chamada para artistas fazerem exposições temporárias eu inscrevi o Maré Crew mas não achava que ia dar em nada, quando vi a chamada fiquei surpresa!” desabafa.

Larissa Alves diz que depositou muito de si na produção da exposição. (Foto: Raysa Castro)

Incentivo para as crianças

Larissa lamenta o impacto da violência no cotidiano do território e acredita que na Maré e principalmente na região “das casinhas” as crianças não tem perspectivas de desenvolvimento educacional: “Na realidade da favela as crianças tem que ser incentivada o tempo todo porque convivem com a violência. Pra você ter uma noção, depois de uma operação, a brincadeira das crianças é contar bala!”.

“Todos os rostos da exposição tem nome, sobrenome, data de nascimento e estão vivos.” conclui Larissa que diz que após a exposição vai presentear todos que foram modelos com os quadros. Everton Alves diz se sentir feliz pela exposição e grato à Lona e ao Museu da Maré pela oportunidade. Além de mostrar o trabalho artístico, se sente mais realizado por alcançar as crianças. “O coração das crianças, a gente já conquistou o mundo, porque é o nosso futuro, né? E eu quero ver o lugar de onde eu saí evoluindo, eu quero ver o lugar de onde eu saí bem, as crianças com a condição de vida melhor, suas famílias com as condições de vida melhor.” pontua.

Larissa diz que os tijolos que compõem esta obra foram doados pelo dono da loja de material de construção “o poder do desenrolo” justifica. (Foto: Raysa Castro)

Além da exposição os próximos projetos do Maré Crew incluem retornar com as atividades de grafite na Lona Cultural quando for reinaugurada. O grupo também vai participar da exposição Art Rio, de 13 a 17 de setembro, na Marina da Glória.

Desde 2009, a Redes da Maré gerencia a Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, equipamento da Secretaria Municipal de Cultura, e conduz a programação do espaço, com atividades de arte, cultura e lazer para crianças e jovens da Maré. A Lona é referência na região e foi se tornando também um espaço de formação e aprendizado.