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Fiocruz mais perto da Maré

Campus recebe o nome de conjunto de favelas e novas edificações; instituição foi parceira da Redes da Maré na campanha de vacinação em massa em 2021

Hélio Euclides

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sempre foi uma grande parceira do maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, e essa união agora é reconhecida com a criação do Campus Fiocruz Maré. Fazem parte dele a edificação conhecida como Prédio da Expansão (ao lado do Conjunto Esperança), onde funcionam instalações das áreas administrativas e de pesquisa, reunindo 11 institutos, com circulação de cerca de mil pessoas diariamente; o Biobanco Covid-19, inaugurado em dezembro de 2021; e o Centro de Pesquisa, Inovação e Vigilância em Covid-19 e Emergências Sanitárias da Fiocruz, que deve ser inaugurado até o fim deste ano.

 O campus fica localizado na Avenida Brasil, 4036, do lado oposto ao Castelo Mourisco. O projeto ainda prevê a instalação da chamada passarela da ciência que vai ligar os dois campi, um centro esportivo e a requalificação do prédio-sede. 

O nome do novo campus, mais que uma homenagem à Maré, traduz o trabalho realizado e planejado da instituição: futuras intervenções estratégicas, com foco em pesquisa e inovação; integração e requalificação do Campus Manguinhos-Maré; desenvolvimento institucional; e desenvolvimento territorial.

“Haverá um memorial das vítimas da covid no muro em frente à Avenida Brasil, além de ações de compensação ambiental na Maré como o plantio de árvores, para diminuição da patologia respiratória”, conta Valcler Fernandes, médico sanitarista da Fiocruz. 

O projeto promete a integração do Campus Maré com as demais ações e projetos institucionais, fortalecendo a relação da Fiocruz com a comunidade e instituições locais, usando as capacidades da própria comunidade de favelas na colaboração em diversas dimensões e no processo de comunicação a nível do território. 

“Acho positivo esse relacionamento da instituição de saúde com a Maré. Isso se soma ao peso de ser um órgão honesto, com status mundial. Agora, além de estarmos ao lado, a Fiocruz destaca o nome do território, isso é de suma importância”, diz Pedro Francisco, presidente da Associação de Moradores do Conjunto Esperança.

Um campus de pesquisa

A primeira novidade do campus foi o Biobanco-Fiocruz, uma iniciativa pioneira que reúne em uma única infraestrutura o armazenamento seguro, confiável, ético, legal e rastreável de amostras humanas e não-humanas. O Biobanco tem capacidade para armazenar aproximadamente 1,5 milhão de amostras em condições adequadas de temperatura, umidade e pressão. O equipamento é uma das ações resultantes do do enfrentamento da pandemia de covid-19. 

A emergência sanitária global também impulsionou a criação do Centro de Pesquisa, Inovação e Vigilância em Covid-19 e Emergências Sanitárias.  Ali estará reunida uma equipe multidisciplinar trabalhando para entender melhor como o coronavírus age. O centro não ficará restrito à pesquisa da covid-19: sua função será agir frente às emergências sanitárias futuras. 

O prédio novo, com dois blocos com três pavimentos custou R$ 207 milhões. Por seus 11.400 metros quadrados se espalham 15 laboratórios, áreas laboratoriais multiusuários, quatro plataformas tecnológicas, acervos microbiológicos e área de experimentação animal de pequenos roedores, com capacidade para 4.300 animais. 

 “Queremos pensar nos dois lados do instituto, com conjunto de ações que traga além das construções, diversidade, geração e expectativas, resultados, incidências e criação de cooperativa com o território”, diz Valcler Fernandes. 

Junto à comunidade

Juliana Garcia, coordenadora do projeto de integração e requalificação do Campus Manguinhos-Maré, explica que o centro de pesquisa nasce como uma grande oportunidade de conseguir repensar um pouco o território que se encontra o equipamento. 

“A gente tem uma perspectiva tanto de integrar os dois campi, como de requalificá-los, aumentando a infraestrutura e promovendo a humanização do espaço. Foi preciso reconhecer que o espaço do Campus Manguinhos se esgotou, levando para o outro campus algumas estruturas que são essenciais para o pleno funcionamento da Fiocruz”, explica.

O projeto prevê a ampliação da infraestrutura de suporte e requalificação dos serviços, integração do Campus Manguinhos-Maré com a comunidade, harmonização dos espaços da Fiocruz, promoção de um ambiente saudável e seguro, incentivo à convivência ao lazer e à cultura e, por fim, a revitalização. “O princípio básico desse projeto é o do cuidado com o trabalhador da Fiocruz e com a comunidade do entorno — no caso a Maré”, diz Juliana. 

O projeto de integração e requalificação do Campus Manguinhos-Maré teve como base o plano diretor Campus Manguinhos Saudável, de 2016. “A ideia é que quando o Centro de Pesquisa efetivamente começar a funcionar, o campus esteja preparado para receber essa população nova que passa a ocupar esse espaço”, conclui. 

Centro de Pesquisa, Inovação e Vigilância em Covid-19 e Emergências Sanitárias da Fiocruz deve ser inaugurado até o fim deste ano – Foto: Matheus Affonso

O passado da expansão da Fiocruz

O território da Fiocruz que fica ao lado da Maré tem historicamente sua importância. É o que confirma o arquiteto Renato da Gama, chefe do Departamento de Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo Cruz (COC) e Alexandre Pessoa, arquiteto da COC, autores do livro Um lugar para a ciência: a formação do campus de Manguinhos

Os dois, em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), destacaram que antes da construção da Avenida Brasil, os pesquisadores vinham de trem e por via marítima, desembarcando em um cais ao lado do que atualmente é o Campus Maré.

A violência já assustou quem atuava na antiga expansão. Uma dessas situações ocorreu em 2018, quando foi realizada uma operação da Polícia Civil na Maré com o uso de um helicóptero. Naquele dia, foram sete vítimas fatais: seis jovens e o adolescente Marcos Vinícius da Silva, que estava uniformizado, a caminho do CIEP Operário Vicente Mariano. 

O caveirão voador, além de fazer voos rasantes, contava com policiais que faziam disparos do alto. O prédio da Fiocruz foi evacuado e as atividades, encerradas. Isso ocasionou um processo de revisão do Plano de Contingência, com ações de proteção das pessoas que circulavam nos campi, com aprimoramentos no prédio da expansão.

O Prédio Sede, que já foi a expansão, tem uma área construída de 4.864 metros quadrado. A edificação foi erguida no início da década de 1970, todo com revestimento de cerâmica. 

Até 2021, ele abrigou o mais importante acervo de história da saúde pública e da ciência do país: uma biblioteca de sete mil volumes, incluindo um livro sobre a saúde dos povos de 1757; registros da atuação de Oswaldo Cruz no combate a epidemias; o primeiro esboço do Pavilhão Mourisco, sede da Fiocruz; fotografias de insetos capturados em Lassance (MG), onde Carlos Chagas descobriu a doença que leva seu nome, em 1909; diários das expedições científicas ao Norte e Nordeste no início do século 1920; e estudos sobre HIV/Aids e biotecnologia.

Potência do afeto em laboratório de jornalismo na favela

Por Tamyres Matos, em 22/10/2022 às 8h

Atuar na comunicação periférica tem um encanto difícil de explicar para quem olha de fora. O jornalista costuma ser, antes de tudo, um idealista. A comunicação, sua ferramenta para encontrar seu desejo de tonalidade kitsch*: buscar justiça social, tijolinho por tijolinho. Ter a oportunidade de reunir pessoas de diversas idades no Laboratório de Formação em Jornalismo do Maré de Notícias e ouvi-los dizer que o percurso de pouco mais de 4 meses os transformou é um mergulho bonito no propósito de se fazer comunicação.

Na última quinta-feira (20), a primeira turma do projeto idealizado por Daniele Moura, que atuou como coordenadora do Maré de Notícias até o início de 2022, concluiu sua trajetória. Entre os formandos, estudantes de jornalismo, artistas, jovens com aptidão acadêmica, futuros rostos nos telejornais, pessoas reconstruindo suas trajetórias e superando traumas. A grandiosidade da ideia extrapolou o prédio da redação na Rua Sargento Silva Nunes, 1012, desde deixou de ser potência e se tornou ato. E tudo virou cor, lágrimas, sorrisos. Afeto, afinal.

Em sua filosofia de beleza tocante, o holandês Espinosa acredita que aumentar a potência de sentir impacta diretamente na capacidade de pensar e existir. Para ele, mente e corpo são duas expressões da substância. “Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída”. Seus textos abordam a potência de existir a partir da potência de ser afetado.

E por que citar um autor europeu do século XVII neste texto? Porque jornalismo favelado é sobre potência. Sobre afeto. Sobre sentir. É o tipo de diálogo que o jornalista gosta de provocar. O sonho de tocar cada pessoa que nos lê, escuta, assiste… para tornar a vivência desta consigo mesmo, com as outras pessoas e com o mundo que as compreende mais digna, mais saborosa e menos difícil.

Após as palavras trocadas, desabafos feitos, lágrimas derramadas, todos saíram transformados da redação do Maré de Notícias no dia 20 de outubro de 2022. Uma aura de gratidão, aprendizado compartilhado e o precioso senso de propósito inundaram a subjetividade de todas as pessoas presentes. A tangível emoção tomou conta de Dani Moura, de Ricardo Lisboa Pereira, de Fábio Lau, de Jorge Melo, de Jéssica Pires e da autora deste artigo.

Mas os protagonistas, que tanto nos ensinaram, são:

Andrezza Paulo
Ana Beatriz Pires
Amanda Baroni
Brenda Magalhães
Daniele Figueiredo
Edith Medeiros
Elaine Lopes
Lucas Feitoza
Luiz Menezes

Em cada olhar um brilho diferente. Que honra fazer parte de tudo isso.

*Kitsch no sentido utilizado por Milan Kundera, no seu transformador A Insustentável Leveza do Ser: “O kitsch faz nascer, uma após outra, duas lágrimas de emoção. A primeira lágrima diz: Como é bonito crianças correndo num gramado! A segunda lágrima diz: Como é bonito se emocionar com toda a humanidade ao ver crianças correndo num gramado!”

Tamyres Matos é jornalista formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e editora do Maré de Notícias

É tempo de celebrar a herança cultural do folclore na Maré

Unidades escolares no Salsa e Merengue e na Vila do Pinheiro promovem eventos com a presença de alunos e responsáveis

Por Hélio Euclides, em 20/10/2022 às 11h07

Saci-pererê, cuca, curupira, mula sem cabeça, boto, Iara, boitatá, caipora. Esses são alguns personagens do riquíssimo folclore brasileiro. A Maré também tem as suas lendas e contos, como a figueira mal-assombrada, o ensopado de cobra, a festa do casamento nas palafitas, o porco com cara de gente, o lobisomem, o bloco Mataram Meu Gato e a loura do banheiro. Na última terça-feira (18/10) a Creche Municipal Vila Pinheiro, localizada no Salsa e Merengue, reuniu crianças e responsáveis para a encenação da peça que retrata as histórias do folclore da Maré. No mesmo dia, a Escola Municipal Quarto Centenário, localizada na Baixa do Sapateiro, trouxe o ambiente do Pantanal para a Maré.

No pátio de entrada da Creche Municipal Vila Pinheiro, os professores apresentaram o encerramento de mais um projeto pedagógico, desta vez sobre as histórias que os avós contavam sobre a Maré. A mostra teve a peça Maré um Musical, que mostrou a valorização local, o mapa do território trabalhado com as crianças e o folclore voltado para o território. O objetivo da encenação foi falar da história local e envolver o morador na construção da Maré. “Percebemos que alguns ainda falam que moram em Bonsucesso, por isso pensamos em mostrar a importância da valorização do território. Outros moradores são novos e não sabem o que os mais antigos conquistaram a partir de muitos aterros e lutas”, comenta Aparecida Filgueiras, diretora da creche.

A peça nasceu após uma pesquisa realizada junto ao Museu da Maré, para buscar os contos e lendas locais. Além da encenação, foi construído um mural e cenário com a ajuda dos alunos, incentivando o pertencimento do território. “Sou moradora daqui desde criança, igualmente outras professoras. Lembro dos alagamentos da Rua Tatajuba, das dunas de areia para o aterramento, da criação da Linha Vermelha e do início do Parque Ecológico”, conta.  

Uma outra meta é o pertencimento da unidade escolar, contra a depredação e a importância de se preservar. Antes a horta não ficava de pé, agora já conseguimos até colher. É preciso ter um carinho com a creche. Esse é um trabalho de formiguinha”, diz. Ela destaca que também é preciso cuidar do entorno, como não jogar lixo no chão, pensando no meio ambiente. Graucilene Rodrigues, mãe de Ágata, de 4 anos e moradora da Vila dos Pinheiros, concorda e acredita que ao saber sobre o nascimento da favela é possível uma maior preservação do lugar. “Acho bom saber da história da gente. Não conhecemos tudo que se passou, foram muitas lutas”, conclui. 

Diretora Aparecida Filgueiras associa valorização da cultura ao reconhecimento do território mareense | Foto: Hélio Euclides

O próximo evento da creche será o Dia da Beleza, um lembrete sobre o Outubro Rosa. A ação acontece no final do mês para as mulheres, sendo uma parceria com a instituição Nova Direção.

Estudando a natureza

A Escola Municipal Quarto Centenário realizou o evento intitulado Aventura no Pantanal. A festa que reuniu danças e barracas com comidas típicas foi o encerramento do trabalho pedagógico do colégio. Esse ano com o sucesso da novela remake, os professores fizeram um tributo ao Pantanal, com destaque para a fauna e a flora. O objetivo foi a conscientização da natureza, para a preservação do ambiente, com o cuidado com animais e plantas, especialmente pelo fim das queimadas.

Os alunos durante o ano tiveram a oportunidade de assistirem vídeos do Pantanal para entenderem a importância da preservação cultural e entenderem a presença dos animais nessa região. “Nesse encerramento do trabalho trouxemos o Pantanal para a Maré. Não fazemos festa junina e nesse período da primavera sempre há um evento de culminância. Já fizemos um trabalho sobre brincadeiras de roda e aniversário da cidade do Rio de Janeiro, isso antes da pandemia. Agora é o retorno de algo presencial da comunidade escolar com os responsáveis”, expõe Alessandra Aguiar, diretora da Escola Municipal Quarto Centenário. 

Crianças durante atividade na Escola Municipal Quarto Centenário; a temática era Pantanal | Foto: Hélio Euclides
Crianças durante atividade na Escola Municipal Quarto Centenário | Foto: Hélio Euclides

Adeilde Gomes, moradora da Baixa do Sapateiro, já teve seu filho estudando na escola e agora é a vez da neta Alice, de 10 anos. “São duas gerações que percebem esse trabalho maravilhoso, que ajuda no desenvolvimento e crescimento das crianças. Além disso, esse tipo de evento colabora com a interação dos responsáveis com a escola. O tema é uma demonstração da valorização da cultura do país”, conta. Ao final, a escola ainda escolheu entre os alunos, o rei, a rainha e a princesa do Pantanal.

Centro de referência na Vila do João é ponto de apoio a mulheres

Com aumento de 57% nos casos de violência doméstica durante o isolamento da pandemia, trabalho de instituições como o CRMM ganha ainda mais relevância social

Por Elaine Lopes*, em 19/10/2022 às 12h13

Após um período fechado, por causa da pandemia, o Centro de Referência de Mulheres da Maré Carminha Rosa (CRMM-CR), que funciona na Vila do João, uma das 16 favelas da Maré, retomou as atividades presenciais na última semana. A instituição oferece diversos tipos de atendimentos, todos voltados às mulheres, principalmente as que residem na Maré e que sofrem violência doméstica. A importância da reabertura tem explicação social ilustrada por dados: houve aumento de 57% nos casos de violência durante a pandemia. Parceiros íntimos, maridos ou companheiros, surgem como os protagonistas da preocupante estatística. 

O projeto conta com uma equipe de profissionais, formada por servidores e estagiários da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, participam do trabalho dois assistentes sociais, psicólogos, técnico administrativo, pedagogo, publicitário, social media, advogado, técnica em assuntos educacionais, motorista e auxiliar de serviços gerais. A instituição funciona de 2ª a 6ª feira de 9 às 16:30h na rua Éden (antiga 17), s/n (anexo ao posto de saúde). A iniciativa faz parte do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH), Órgão Suplementar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CFCH/UFRJ).

Dados publicados pelo Instituto Patrícia Galvão/Locomotiva em 2020 revelam que os casos de violência doméstica aumentaram durante a pandemia. Segundo a pesquisa ‘Violência doméstica contra a mulher’, o período registrou aumento do número de casos de agressões físicas e verbais, violência sexual, ataques na internet e assédio contra as mulheres.

Centro de referência está de portas abertas desde maio deste ano | Foto: Elaine Lopes

Ao longo do período de quarentena, o serviço foi prestado de forma online e a maioria das ocorrências foram registradas por mulheres de outras localidades. Já por parte das moradoras da Maré aconteceu o oposto: a procura pelo serviço se manteve baixa. Ainda não há uma explicação sobre este dado, mas especula-se que as mareenses não sabiam que a instituição estava fornecendo atendimento virtual ou se sintam “inibidas” em procurar ajuda.

O projeto retomou com o atendimento presencial desde maio deste ano. No entanto, mantém online para mulheres que já estavam sendo acompanhadas via internet. Hoje, a equipe está atuando de forma híbrida até que sejam finalizados os atendimentos que foram iniciados na pandemia com as mulheres que não moram na Maré.

Por outro lado, devido ao elevado número de atendimentos de forma remota, a equipe decidiu criar um banco de dados contabilizando essa prestação de serviço. E os números aferidos indicam que, em 2020, foram atendidas 51 mulheres. Mas aí percebe-se um súbito aumento em 2021, quando 204 mulheres buscaram o serviço. Neste ano (2022), até setembro, somavam 107 mulheres atendidas pela equipe do CRMM.

O projeto também retomou com as atividades em grupo este ano. A primeira oficina aconteceu no dia 13 de outubro, com a exibição do documentário “Estou me guardando pra quando o Carnaval chegar “, e já tem outro Cine Pipoca previsto para o próximo mês, segundo Erika Fernandes, assistente social do CRMM.

Quem pode ser atendido pelo projeto?

O Centro de Referência Mulheres da Maré prioriza os casos de violência de gênero, em especial violência doméstica. Mas os serviços que fornece são oferecidos a todas que buscam atendimento. Assim, qualquer mulher pode se beneficiar dos serviços prestados pela instituição e não somente as que estão sofrendo violência doméstica, como explica Higor Linhares de Souza, que atua na função de pedagogo do projeto. “Atendemos qualquer mulher que nos procure e damos orientações de acordo com a demanda, mas nossa preferência é acompanhar as mulheres que sofrem violência. Mas qualquer mulher que nos procure, mesmo de fora da Maré, será assistida”, esclarece. 

Higor também conta que desde o início da pandemia a procura cresceu significativamente e se manteve no mesmo ritmo. O pedagogo acredita que os atendimentos crescem em números cada vez que a divulgação do serviço é feita. E.C.L, 26 anos, moradora do Conjunto Esperança, tinha dúvidas quanto ao retorno das atividades presenciais do projeto, mas obteve a informação do retorno através de um agente comunitário de saúde que trabalha no posto da Vila do João.

A usuária conta que foi logo procurar atendimento e não encontrou dificuldade para receber o atendimento do CRMM, e demonstra a satisfação no atendimento recebido pela instituição ao declarar: “eles me deram suporte desde o primeiro contato. A assistente social me ligou, me explicou como funciona. Foi muito atenciosa”, afirma a usuária. 

O atendimento que o CRMM deu foi todo de forma online porque ela não conseguia comparecer nos dias disponibilizados pelo projeto para fornecer atendimento de forma presencial. Ela terminou interrompendo o acompanhamento por não conseguir adaptar sua agenda aos do projeto e confessa que sentiu falta do atendimento presencial.

Quem também já utilizou os serviços oferecidos pelo CRMM foi Janaina Eugênia de Jesus, 42 anos, agente comunitária de saúde, que trabalha no posto da Vila do João. “Na época em que precisei do serviço, há muitos anos, foi oferecido curso de capacitação aos agentes de saúde, sobre violência às mulheres”, informa ela. Janaína ressalta que o curso foi muito bom, “com muita orientação aos serviços de apoio à mulher”, acrescenta ela.

Janaína: uma das pioneiras do curso na Maré | Foto: Elaine Lopes

Segundo a pesquisa “Práticas de resistência para enfrentar a violência de gênero na Maré” (2022), 57% das participantes experimentaram uma ou mais formas de violência direta de gênero em casa ou na rua (34% física, 30% sexual e 45% psicológica). Quase metade ( 47%) dos atos de violência foram praticados por parceiros íntimos, com mais da metade dos incidentes ocorrendo na esfera pública (53%). Apenas 52% das mulheres que sofreram violência de gênero denunciaram ou falaram sobre o ocorrido. Mas esse número é ainda menor quando se trata da denúncia formal: apenas 2,5% denunciaram a instituições, como a polícia.

Outros serviços de apoio à mulher na Maré 

E não é apenas o CRMM que oferece apoio às mulheres da Maré. Há também a Casa das Mulheres da Maré que funciona de segunda a quinta, das 8h às 21h, nas sexta, das 8h às 17h e nos sábado, das 9h às 15h.

A Rede de Apoio à Mulher da Maré (RAMM) uma iniciativa da Luta Pela Paz, organização local que conta com a ajuda de uma rede colaborativa entre os serviços de assistência à mulher. Com a articulação de profissionais do serviço público de diversas áreas do cuidado essencial, organizações locais da sociedade civil ou universidade, que surgem estratégias conjuntas para proteger as mulheres mareenses. 

As atividades oferecidas na casa de quatro andares na Rua da Paz, n? 42, Parque União, se encaixam em diferentes frentes de trabalho: qualificação profissional, enfrentamento das violências contra as mulheres, atendimento sociojurídico e psicológico e a articulação territorial para a criação de uma agenda positiva nas políticas públicas para as mulheres. 

Há também os Serviços Especializados de Atendimento à Mulher, são eles: casas-abrigo, Casas de Acolhimento Provisório, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), Defensorias Públicas e Defensorias da Mulher (Especializadas), Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Promotorias e Promotorias Especializadas, Casa da Mulher Brasileira e o Serviços de Saúde Geral e Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual e doméstica.

Contatos de apoio a mulheres que sofrem violência doméstica:

CRMM: (21) 3104-9896 e 3938-0322

Casa das Mulheres da Maré: (21) 3105-5569                     

E-mail: [email protected]                            

Central de Atendimento à Mulher: Ligue 180 

Disque Mulher: (21) 2299- 2121

*Comunicadora da primeira turma do Laboratório de Formação em Jornalismo do Maré de Notícias

10 anos da Lei de Cotas

Apesar de ter reduzido as desigualdades no ambiente acadêmico, ela ainda enfrenta resistência de alguns setores

Por Hélio Euclides e Jorge Melo

Há uma década era sancionada a lei nº 12.711, chamada Lei de Cotas, que reserva 50% de vagas em universidades públicas e institutos federais de ensino superior para estudantes advindos de escolas públicas. Agora, conforme previsto pela própria legislação (um adendo de 2016), ela deve passar por revisão pelo Congresso Nacional.

Mesmo sendo atacada como “racial”, a lei é fundamentalmente social. Dentro da reserva de vagas, estão incluídos os alunos de baixa renda pretos, pardos e indígenas (PPI); pessoas com deficiência (PcD); e, sob a rubrica “Outros”, alunos brancos e de outras etnias não especificadas. 

Essa distribuição reflete os percentuais representativos de cada grupo em seu estado, apurados pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE). Se a população de um estado é 50% composta por indivíduos negros, metade das vagas reservadas será ocupada por alunos negros.

Menos desigualdade

Em dez anos, a lei conseguiu diminuir as desigualdades sociais e raciais na educação superior. O portal UOL divulgou um levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sobre os avanços na diversidade do ensino superior. O estudo avaliou os anos de 2012 a 2016, revelando que, neste período, o ingresso de estudantes de escolas públicas cresceu de 55,4% para 63,3% nas instituições federais; já o de alunos negros e indígenas saltou de 27,7% para 38,4%.

Uma das lideranças que há mais de duas décadas tem contribuído para o debate sobre políticas de ações afirmativas para negros e pobres nas universidades públicas é Frei David Raimundo, fundador da Educação e Cidadania de Afrodescendentes (Educafro). Ele questiona o motivo da revisão da lei de cotas. 

“Não há nenhuma lei do agronegócio ou que beneficia bancos que precise de revisão depois de dez anos. Essa revisão da Lei de Cotas só revela que o legislativo está impregnado do racismo estrutural. Queremos uma lei que não tenha tempo, que exista enquanto necessário”, critica.

Para o religioso, é preciso que a responsabilidade, hoje do Ministério da Educação (MEC), pelo levantamento nacional sobre o desempenho dos cotistas e a eficiência da lei seja de entidades sociais. Segundo ele, é preciso ainda que a lei contemple o ingresso do negro na pós-graduação. 

“Não é aceitável que tenhamos ainda universidades federais com mestrado e doutorado que não tenham a preocupação de incluir o negro. Isso se chama racismo estrutural”, conclui. 

De acordo com a Agência Câmara de Notícias, tramita no congresso o Projeto de Lei 3402/20, que cria cotas para acesso de pessoas negras, indígenas, oriundas de comunidade quilombola, com deficiência e transexuais às vagas de pós-graduação nas universidades brasileiras.

Lei de inclusão

O jornalista Julio Menezes Silva, pesquisador e curador do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), lembra que a luta pelo acesso à educação e a serviços básicos, como saneamento e saúde, começou há mais de cem anos.  

“Falar dos dez anos da lei de cotas é fazer um resgate histórico, por que ela é coletiva e ancestral. Esperamos que continue por uma centena de anos. Cota não é esmola, e sim reparação mínima para que possamos superar essa chaga que é o racismo estrutural, a principal doença da sociedade brasileira”, diz. 

Uma pesquisa da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) mostra que há 67 propostas que pretendem alterar a lei no Congresso Nacional; destas, 31 podem prejudicar a reserva de vagas para negros. 

Essa resistência à lei não é nova: em 2006, foi criado o Manifesto Contra as Cotas, assinado por 114 sociólogos, artistas, historiadores e ativistas. Entre eles estava a historiadora, professora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, uma das maiores autoridades em história do Brasil. Em 2019, ela publicou em seu perfil no Facebook uma retratação por ter assinado o manifesto.

“Me arrependo demais por ter assinado esse documento que vai contra minha atuação na academia e ideias que professo […] Errei ao não atentar para a intenção do documento e assim fortalecer uma causa contra a qual me oponho, com convicção.[…] Sou a favor de cotas, pois é preciso reparar desigualdades e hierarquias criadas, durante séculos, pelo sistema escravocrata e pela falta de políticas de inclusão das populações negras durante a República. […] Sou a favor de ‘desigualar para igualar’, pois acredito num país mais justo, generoso e inclusivo. Sou a favor de cotas pois elas têm a potencialidade de criar, e vem criando, ambientes mais plurais […]. Com mais diversidade seremos muito melhores e menos apequenados, como se encontra o Brasil dos dias de hoje!”

Lei de reparação 

Vitor Felix, morador do Parque Maré, acredita que a lei beneficia estudantes das periferias – Foto: Gabi Lino

O professor e pesquisador em literatura Vitor Felix, morador do Parque Maré, defende a lei porque ela beneficia estudantes das periferias, dando a eles condições de disputar uma vaga no ensino superior. 

“A lei de cotas é importante porque também expõe a desigualdade de oportunidades educacionais no nosso país. Essa realidade precisa de atenção urgente, para que a escola pública forme indivíduos cada vez mais conscientes de suas opções, dando a eles garantias de oportunidades. A lei de cotas beneficia a sociedade em geral porque promove uma formação de qualidade para uma quantidade maior de pessoas com trajetórias distintas”, ressalta.

As cotas permitem o acesso à universidade, mas não garantem que os beneficiados se formarão. “É difícil sustentar os custos com alimentação, deslocamento, material de estudo. Muitas famílias não podem arcar com as despesas durante um curso de graduação”, analisa.

Ele percebe que, em muitos cursos, ainda é difícil ver estudantes negros, mesmo com as cotas; segundo o pesquisador, as universidades têm estruturas ainda dominadas por pessoas brancas e pelo pensamento que funciona com base no racismo e nos valores culturais da elite intelectual.

Lei de vitórias

A Lei das Cotas não é ainda a solução final, pois é necessário somar a ela  políticas sociais que compensem os que foram prejudicados no passado ou que herdaram desigualdades. 

“As cotas facilitaram a entrada de pessoas pretas, pardas e indígenas na universidade — eu sou um exemplo disso. Sofri na pandemia; os dois últimos anos do Ensino Médio foram por meio remoto, assim como o pré-vestibular”, conta Lara Moreira, moradora da Nova Holanda e estudante do segundo período do curso de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Lara Moreira mora na Nova Holanda e entrou pelo sistema de reserva de vagas para o curso de matemática da UFRJ – Foto: Hélio Euclides

A estudante lembra as dificuldades que enfrentou para entrar no ensino superior, como no dia que passou pela avaliação fenotípica — ou seja, teve que provar sua cor. Segundo ela, foi muito constrangedor ficar à frente de três pessoas brancas e de uma câmera. 

“Não é só entrar; lá nos sentimos sozinhas, pois a maioria vive o dia inteiro na universidade — ao contrário de nós, que corremos para trabalhar, cuidar dos afazeres da casa e frequentar o curso”, conta.

Para a estudante, é visível a vitória depois de dez anos da lei, com a inclusão das pessoas periféricas na universidade. “Acho que ainda temos uma jornada muito grande pela frente, pois até agora só tive uma professora preta na universidade. É triste que existam políticos em posição de tirar os nossos direitos”, diz.

Lei para os brancos

O educador e artista multilinguagem Paulo Victor Lino foi cotista do curso de História da UFRJ. Para ele, as cotas estão relacionadas à reparação histórica da população negra que viveu um período de 400 anos sendo mão de obra escrava, construindo a nação do Brasil. 

Ele compreende que a construção das leis privilegiam cada vez mais a classe branca e excluem os negros do espaço de poder — incluindo o do conhecimento. “Torna-se ignorância quando as cotas são vistas como um lugar de esmolas e o negro, como um indivíduo não capacitado”, diz. 

O educador analisa o desserviço da máquina pública ao retirar direitos adquiridos: “O direito às cotas parte de um movimento popular, mas hoje o que se vê é a morte da democracia e o racismo impregnado na maneira de fazer a política.” 

Sobre os auxílios estudantis, ele afirma que o valor é baixo, atrasa e em algumas universidades o aluno só recebe a ajuda no primeiro ano. “O estudante acaba abandonado pela universidade, sem poder se alimentar, se manter e viver dignamente”, finaliza.

Desemprego cai, mas com salários e direitos reduzidos

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Mulheres e pessoas negras sofrem mais com a falta de emprego do que o restante da população

Por Jorge Melo

A taxa de desemprego no país ficou em 9,1% no trimestre encerrado em julho — menor do que no trimestre anterior, finalizado em abril, que foi de 10,5% — registrando queda em 22 dos 27 estados. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

É o menor índice da série histórica desde o trimestre encerrado em dezembro de 2015, quando também foi de 9,1%. Três milhões de pessoas a mais no mercado de trabalho, sendo 1,1 milhão na informalidade. A PNAD Contínua é um dos principais instrumentos para monitoramento da força de trabalho no país

Se a queda do desemprego pode ser considerada uma boa notícia, no mesmo trimestre o país contabilizou 9,9 milhões de pessoas de 14 anos ou mais que buscaram por vagas no mercado de trabalho, sem sucesso. 

Desigualdade se mantém

A proporção de trabalhadores domésticos com carteira assinada diminuiu em 14,7%; entre os que já trabalhavam sem carteira assinada (diaristas, por exemplo), a redução no desemprego foi de 1,4%. Esses números mostram bem o perfil de um setor que sempre contou com um grande contingente de trabalhadores informais. 

Apesar da queda generalizada na taxa de desocupação, a diferença entre homens e mulheres ainda é grande. Segundo a PNAD Contínua, a taxa de desocupação de homens (7,5%) ficou abaixo da média nacional (9,1%). Já a taxa das mulheres desempregadas ficou acima: 11,6%.

O fator desigualdade também influenciou na hora de encontrar um novo trabalho, seja ele formal ou não. Segundo o IBGE, a taxa de desocupação das pessoas brancas foi de 7,3%, ou seja, abaixo da média nacional, ao contrário da taxa entre pessoas pretas (11,3%) e pardas (10,8%).

Sem carteira assinada 

João Pedro, de 22 anos, é solteiro, mora com a mãe na Nova Holanda; e trabalha como vendedor. No início de agosto conseguiu emprego, numa loja de roupas na Maré. O salário é de R$ 800, mais 5% de comissão por cada venda realizada. No entanto, sua carteira não foi assinada pelo novo empregador. 

João estava desempregado desde outubro de 2021 e conseguiu se recolocar por indicação de uma prima. “Enquanto procurava, recebi auxílio- desemprego por um tempo. Estou ganhando mais ou menos o mesmo salário, mas faz diferença não ter a carteira assinada.” 

O novo emprego de João Pedro está contemplado na pesquisa do IBGE. No recorte por idade, a taxa de desocupação de jovens de 18 a 24 anos recuou. Era 22,8% no primeiro trimestre e caiu para 19,3% no segundo trimestre. Segundo a coordenadora do PNAD Contínua Adriana Beringuy, “foi, entre as faixas etárias, onde a desocupação mais caiu. Mas ainda sim, é uma taxa bastante elevada, bem acima da média”, diz.

Desemprego e informalidade

O número de trabalhadores informais, estimado em 39,3 milhões, também foi o maior da série histórica, iniciada em 2015. Na comparação com o trimestre anterior houve um crescimento de 2,8%, o que representa mais 1,1 milhão de pessoas. 

Simone Oliveira, de 53 anos, vive nessa divisa entre o desemprego e o trabalho informal. Está desempregada há sete meses e há cinco anos não tem carteira assinada. No último emprego, como auxiliar de creche, trabalhou por seis anos: “Adorava esse trabalho por causa do cuidado e da aproximação com as crianças. Não tinha carteira assinada, era um contrato com a prefeitura.” 

No momento, Simone está trabalhando na campanha de um candidato a deputado, “bandeirando” — uma atividade que paga diárias de R$ 50,00 a R$ 80,00 — de 8h ao cair da noite. É um trabalho temporário e sem registro, mas Simone não perde as esperanças: “Estou buscando uma oportunidade de voltar à minha área porque é uma atividade com a qual me identifico.” 

Estima-se que o número de trabalhadores por conta própria, somados formais e informais, é de 25,7 milhões, o maior contingente desde 2012 para um trimestre encerrado em junho. Houve crescimento de 1,7% (431 mil pessoas) frente ao trimestre anterior.

O marido de Simone, João Henrique, vive a mesma situação dela. Tem 51 anos e não consegue emprego formal há cinco, e faz “bicos” para sobreviver. Técnico em logística, a última experiência profissional durou apenas dois meses, sem carteira assinada. Ele trabalhou como Micro Empreendedor Individual (MEI), mas, mesmo assim, “o patrão achou o custo de me manter muito alto”. Ao contrário de Simone, João Henrique não acredita que vá conseguir trabalho como técnico em logística: “Está muito difícil.” 

Comércio e endividamento

Segundo o IBGE, os setores que mais contribuíram para a redução do desemprego foram o comércio e a administração pública, principalmente nas áreas de saúde e educação.  Adriana Beringuy observa que “nenhum grupo de atividade econômica apresentou perda de ocupação. Ou seja, todos os setores adicionaram pessoas ao mercado de trabalho”.

O desempenho do comércio não é casual. Em março, pressionado pelas lideranças do setor, o governo federal antecipou o pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas, além de autorizar saques de até R$ 1 mil nas contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). 

Segundo o governo, a antecipação do 13º injetou na economia R$ 56,7 bilhões.  A primeira parcela, de 50%, foi paga entre os dias 25 de abril a 6 de maio, e a segunda, de 25 de maio a 7 de junho. A liberação de saques do FGTS de até R$ 1 mil totalizou, entre abril e junho, R$ 30,9 bilhões. 

O economista Daniel Ribeiro de Oliveira, professor de economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), acredita que essas medidas surtiram efeito, inclusive no mercado de trabalho. 

“Elas permitiram um aumento da demanda de forma direta sobre o comércio e tendem a gerar efeitos sobre os demais setores da economia. Contudo, dado o grau de endividamento das famílias, o impacto que se percebe é um pouco menor, pois uma parte importante desse recurso acaba indo para o pagamento de dívidas já contraídas”, explica.

Que emprego é esse? 

Em março, pressionado pelas lideranças do setor, o Governo Federal antecipou o pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas – Foto: Elisângela Leite

Segundo a economista e professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Célia Kertenetzky, o aumento do número de pessoas ocupadas esconde uma série de situações preocupantes: “Para começar, o aumento de postos de trabalho do setor privado sem carteira assinada, de 6,4%, foi mais importante que do que em empregos com registro em carteira, de 2,4%.”  

Ela lembra ainda que “carteira assinada, depois da reforma trabalhista, representa um vínculo com menos estabilidade e segurança econômica. Então, entre os novos formais está um contingente de trabalhadores com vínculos parciais ou intermitentes e com remunerações mensais muito baixas ou instáveis”. 

Daniel Ribeiro de Oliveira explica que o conceito de pessoas ocupadas não se restringe ao emprego formal, pois também considera o informal: “A despeito da ligeira melhora no mercado de trabalho, o avanço da informalidade e o baixo crescimento econômico não tem permitido o aumento do rendimento médio real do trabalho, que no segundo trimestre de 2022 registrou queda.” 

No entanto, ele reconhece que há uma melhora na economia: “Tivermos um crescimento do número de empregos no setor privado com carteira assinada associado a uma ligeira queda do quantitativo de pessoas ocupadas informalmente. Isto representa uma melhora no mercado de trabalho.”