Home Blog Page 149

Por dias que possamos brincar, sonhar e viver sem operações policiais

0

Por Luiz Menezes, em 08/10/2022 às 8h

Fico constantemente me perguntando que Estado Democrático de Direito é esse em que vivemos. Enquanto um jovem nascido e criado em uma favela no Rio de Janeiro, me sinto cansado de tantas violências e violações de direitos que cotidianamente preciso passar por simplesmente morar dentro de um território favelado. No último dia 26, fui acordado mais uma vez, antes mesmo do dia amanhecer, por diversas rajadas de tiros. Era mais uma operação da Policial Militar instaurada no conjunto de favelas da Maré e que anunciava mais um dia de tensão e desespero para os moradores do território. 

O sentimento de impotência perante essa situação começou a me consumir por volta das 4 horas da manhã. Com uma respiração ofegante, coração acelerado e dominado por uma enorme sensação de medo, estava anunciado que aquele dia seria  mais um momento de (in)segurança. Sem muito o que fazer, comecei a rolar de um lado para o outro da cama e junto com esse movimento agonizante me veio algumas lembranças de quando criança. Nessa época, lembro-me da minha mãe, recorrentemente com medo de me deixar brincar na rua porque a qualquer momento poderia chegar o carro blindado usado pela Polícia Militar, conhecido popularmente como Caveirão. 

Depois de 3 horas nessas idas e vindas entre o passado e presente me levantei. Comecei a me arrumar para tentar ir para a universidade, outro espaço que historicamente pessoas como eu não eram bem vindas. Pensei diversas vezes em não ir a aula por conta da alarmante situação que a Maré se encontrava, mas ecoava junto a essa vontade uma outra, de não permitir que o Estado mais uma vez me impedisse de realizar meus sonhos e ocupar espaços que foram negados aos meus. Então fui…

Essa política de (in)segurança é um projeto minuciosamente pensado por quem o faz. São cerca de 140 mil habitantes que são vítimas dessa política da morte. Escolas que são fechadas, trabalhadores e negócios locais impactados, postos de saúde com atendimentos interrompidos e inocentes mortos. 

Aprendi que o ódio de forma organizada é capaz de estabelecer grandes mudanças. É nesse sentido que sigo, com a esperança de que os que virão depois de mim possam ter a garantia dos seus direitos na prática. E que esse país dito democrático nos permita ser crianças que possam brincar, adultos que possam sonhar e sujeitos que possam viver. 

Luiz Menezes é mareense e aluno do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias. Atualmente estuda Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Economia na Estácio de Sá, sendo o primeiro da família a acessar a universidade

Evento debate vulnerabilidade da mulher com deficiência à violência obstétrica

Última reportagem da cobertura Maré de Notícias do festival Ecoar! aborda os direitos das pessoas com deficiência no momento do parto

Por Elaine Lopes, em 07/10/2022 às 17h

O parto é um momento importante e rico em simbolismos. No entanto, para uma mulher com deficiência auditiva dar à luz pode ter uma dose extra de tensão e sofrimento. Práticas que poderiam ser evitadas na sala de parto como a Episiotomia, corte feito no períneo; e a Manobra de Kristeller, pressão na parte superior do útero; ainda são usadas para facilitar a saída do bebê, mas podem ser traumatizantes.

Esses foram dois dos principais temas tratados na roda de conversa “A violência obstétrica e violação de direitos das pessoas com deficiência” realizada durante o “Ecoar! – Festival de Ativismo para Enfrentamento da Violência Sexual”, no dia 24 de setembro, no Museu de Arte do Rio (MAR).

A mesa teve a presença de Maria Rita Valentim, educadora do MAR, como mediadora; Sabrina Lage, educadora e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras); e Andreia Oliveira, educadora perinatal e também especialista em Libras. Sabrina e Andreia também são doulas, profissionais que acompanham as mulheres em todo processo de gestação, parto e pós-parto.

Comunicação é apenas parte do problema

Sabrina Lage e Andréia Oliveira falaram principalmente sobre a importância de se humanizar o parto e manter uma comunicação entre o profissional da saúde e a paciente (independentemente de sua deficiência), dando opção de escolha quanto ao método utilizado e às práticas realizadas. Segundo Sabrina, que é mãe de duas filhas, de dois e cinco anos; e é surda, a Episiotomia, procedimento cirúrgico que consiste em um corte feito no períneo – região entre o ânus e a vagina – frequentemente utilizado pelos médicos, pode ser considerada uma forma de violência contra a mulher. 

Andréia Oliveira afirma que existe uma concepção  de que a mulher é um objeto, um acessório, um corpo que pode ser facilmente invadido e esse comportamento vai gerando diversas violências, em várias camadas, e o trabalho de parto é um lugar onde isso ocorre, “então é necessário que a gente comece a conversar sobre essas violências que acontecem”. 

Sabrina Lage se comunica com os integrantes da mesa e compartilha suas experiências através da linguagem em libras | Foto: Elaine Lopes

Ela critica a opção dos médicos pela manobra de Kristeller, uma técnica que consiste na pressão sobre a parte superior do útero, também  com o objetivo de facilitar a saída do bebê. Segundo Andréia, a manobra é invasiva e acontece antes mesmo da mulher autorizar. 

Parto Humanizado

De acordo com Sabrina, existem obstáculos para as mulheres surdas que escolheram a maternidade. No entanto, não estão ligadas exclusivamente ao fato de não conseguirem ouvir, mas por falta de acesso a instituições que acolham adequadamente essas gestantes como clínicas, hospitais e maternidades: “os profissionais da saúde precisam ter pelo menos um conhecimento básico em LIBRAS e de como é o atendimento de uma pessoa surda”, explica ela. 

Segundo Sabrina, uma mulher surda que chega ao ambiente hospitalar não consegue se comunicar com os profissionais. Em muitos casos, o médico não faz nenhuma pergunta, apenas os procedimentos como pesagem e pressão. E não é diferente no dia do parto; a gestante tem que deitar na maca, tem seu corpo tocado e é encaminhada para a sala do parto sem que haja qualquer diálogo, “por isso a taxa de cesáreas em mulheres surdas é muito alta”. Segundo Sabrina, o agendamento da cesárea também é combinado entre o médico e o acompanhante da gestante, que geralmente é alguém da família, mas sem o consentimento da paciente.

Sabrina acredita que a Central de Intermediação entre surdos e ouvintes-ICOM, um serviço de tradução de LIBRAS em tempo real, 24 horas por dia, disponível por aplicativo, poderia ser uma opção no caso de gestantes surdas, “mas a questão é que ele não é gratuito, impossibilitando o uso entre todas as mulheres”. 

Durante a roda de conversa, Sabrina exibiu o parto de sua segunda filha; humanizado, com total liberdade de escolha., que lhe permitiu se movimentar e escolher o local apropriado para dar à luz, com o apoio do marido e da filha mais velha, o que segundo ela, “fez toda a diferença, tornando esse momento de muita união entre a família.” 

Andréia Oliveira compartilha seus conhecimentos sobre violência obstétrica  | Foto: Elaine Lopes

Violência pós-parto

Outra questão discutida na roda de conversa foi a laqueadura. Segundo Maria Rita Valentim, violência obstétrica é qualquer ato que provoque danos físicos ou psicológicos à mulher. Assim como atos praticados por profissional da saúde ou de outra área que  firam os princípios de autonomia e liberdade de escolha da mulher que está em trabalho de parto, e enfatiza ainda o direito à informação. 

Segundo Sabrina, em muitos casos, a família entende que a mulher surda não tem condições de ter filho, por causa do trabalho e, simplesmente, decide que ela tem que fazer uma laqueadura, e o médico faz o procedimento, mesmo sem o conhecimento da paciente, isso também se caracteriza como violência obstétrica.  

Após citar os vários tipos de violência obstétrica, o quanto a violência de gênero está relacionada a essas práticas e o quanto elas representam de violência para as mães surdas, Andréia Oliveira cita como exemplo positivo a experiência da Sabrina durante o parto humanizado. Sem nenhuma intervenção, sem nenhum método invasivo e completo, “em nenhum momento o corpo da Sabrina é tocado sem aviso durante o parto”.

Todas as mulheres surdas, segundo Andréia, deveriam ter a oportunidade de vivenciar isso também, poder ter os seus direitos respeitados, ter a oportunidade de optar pelo parto que desejam, ter uma comunicação com acessibilidade, absolutamente todos os direitos, sem exceção. “É o que todas merecem”, enfatiza.

Em quem votou a Maré? Caveirão, santinhos e resultados locais das eleições

Acompanhe o resumo do Maré de Notícias sobre o primeiro turno do pleito mais importante dos últimos anos no conjunto de favelas da Maré

Por Jéssica Pires, em 07/10/2022 às 8h

Uma semana após a tensão vivida durante mais uma operação policial, os mareenses saíram de casa para exercer seu direito democrático durante o primeiro turno das eleições de 2022 sob forte presença policial. Claudio Castro, que foi reeleito com 58,67% dos votos (4.930.288), também foi maioria na 161ª Zona Eleitoral, que abrange o conjunto de favelas da Maré, com 43,2%. O candidato do PL que inicialmente foi vice-governador e assumiu interinamente o governo do estado em 28 de agosto de 2020 em decorrência do afastamento do titular Wilson Witzel, utilizou como uma das ferramentas de campanha o Programa Cidade Integrada, e tem como uma das propostas ampliar as ações desse projeto.

Na disputa entre os presidenciáveis mais bem colocados, Lula recebeu 54,6% dos votos dos mareenses enquanto o candidato Jair Bolsonaro obteve 37,6%. Ou seja, nesse caso, o resultado específico na Maré apontou uma vantagem maior para o candidato do PT, que também venceu o primeiro turno no resultado nacional por 48,4% X 43,2%, o que definiu a realização do segundo turno eleitoral no próximo dia 30 de outubro.

No caso da disputa pelo Senado Federal, o candidato mais votado na Maré foi Alessandro Molon, com 27,4% dos votos. Romário, vencedor no estado do Rio, teve quase 24% dos votos mareenses. O candidato mais votado para deputado federal foi Felipe Brasileiro, que foi escolhido por 11,35% dos eleitores mareenses, mas não teve votos suficientes para chegar ao Congresso Nacional.

Caveirão durante as eleições

No dia 1 de outubro, sábado véspera do primeiro turno das eleições, a Polícia Militar do Rio de Janeiro divulgou por meio de pronunciamento do tenente-coronel Ivan Blaz o reforço do policiamento na Maré durante a eleição: “este é o maior esquema de segurança já planejado para uma eleição”, destacou o porta-voz da polícia. Veículos blindados e homens da PM puderam ser vistos em diversos pontos da região e dentro das próprias seções eleitorais. A presença incomum das forças policiais nas favelas da Maré durante as eleições gerou curiosidade dos moradores que fizeram vídeos que circularam rapidamente nas redes sociais.

O Rio registrou 3 das 4 chacinas mais letais da história durante o atual governo. Foram 72 mortos nessas três operações, segundo dados do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF). A segunda-feira anterior às eleições, dia 26 de setembro, também foi marcada por uma operação policial que deixou mortos, feridos e diversas violências e violações para a Maré.

Mareenses aglomerados durante a passagem de um caveirão
Mareenses aglomerados durante a passagem de um caveirão; momento ocorreu seis dias antes das eleições | Foto: Pedro Prado

“É em alguma medida espantoso que um governador que está a frente de uma gestão pública que produziu em aproximadamente 1 ano e meio, 3 das operações policiais mais letais da história do RJ tenha sido bem votado”, comenta Flávia Oliveira, colunista do jornal O Globo, comentarista do programa Em Pauta e do Jornal das Dez desde junho de 2020, além da rádio CBN.

 Para a jornalista, isso pode ter haver com a perspectiva de que a segurança pública é vista por boa parte da população como um ciclo repetitivo do qual não há saída. “A esquerda não conseguiu dialogar, propor e convencer a sociedade de que tem um plano para a segurança pública”, opina. 

A estreiteza do debate e a composição do novo Congresso Nacional são desafios para a discussão de outros modelos de políticas de segurança pública para Flávia: “Vai ser preciso que um novo Governo Federal assuma em alguma medida esse debate, algum protagonismo, uma articulação com os estados na direção de operações e contextos de investigações policiais fora dos territórios, que impeça a chegada de drogas e armas”.

Representatividade 

Renata Sousa, cria da Maré, feminista negra, defensora dos direitos humanos foi a mulher candidata à deputada estadual mais votada do estado do Rio de Janeiro com 174.132 votos. Destes, 5.249 votos foram de eleitores mareenses.  

Outras importantes candidaturas faveladas eleitas indicam maior representatividade das questões e desafios dos territórios de favela, como Benedita da Silva, nascida no Chapéu Mangueira, Zona Sul, foi eleita deputada federal com a maior votação de suas candidaturas, e Dani Monteiro, do São Carlos, foi reeleita como deputada estadual.

A abstenção dos votos na Maré foi de 24%, superando a média nacional, mas ficando abaixo da taxa de 32,79% de eleitores no estado (1.590.879 pessoas não exerceram o direito de voto no RJ). 

Campanhas 

O descuido com o meio ambiente por parte de algumas campanhas pôde ser percebido por moradores desde o início da corrida eleitoral. Porém, os dias antecedentes ao fim de semana das eleições escancarou esse modo antigo e pouco profundo de comunicação e publicidade dos candidatos e legendas. Recebemos algumas imagens e relatos de moradores e em uma rápida ronda, ainda nesta quinta-feira, 4 dias depois das eleições, muito papel ainda podia ser visto nas ruas das favelas.

Sujeira espalhada nas ruas da Maré | Foto: Gabi Lino

Brasil registra aumento de 3.600% em casos de estupro contra meninos e homens

Roda de conversas que abordou o tema, chamada ‘Trocas de Experiências: Masculinidades e Violência Sexual’, foi realizada durante festival em museu no Rio

Por Brenda Magalhães* e Luiz Menezes*, em 06/10/2022 às 17h55

De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e o Fórum de Segurança Pública, só entre 2009 e 2018 foram registradas 31.826 notificações de violações sexuais contra meninos e homens no Brasil. O maior crescimento foi nos casos de estupro: 3.600%. Esse foi um dos temas abordados no Ecoar! – Festival de Ativismo Contra a Violência Sexual, no dia 24 de setembro, no Museu de Arte do Rio (MAR). A roda de conversas que abordou o tema, “Trocas de Experiências: Masculinidades e Violência Sexual”, contou com a participação dos pesquisadores Denis Ferreira, Henrique Restier, Rosemary Peres Miyahara, e George Severs, além da mediação do psicólogo e também pesquisador Marcos Nascimento. 

É nesse contexto de violência sexual contra meninos e homens no Brasil, que Denis Ferreira (37) falou no debate sobre a construção da iniciativa “Memórias Masculinas“, a  primeira no Brasil voltada a oferecer um espaço de escuta para esse grupo.  Para ele, “há uma urgente necessidade em se levantar informações sobre violências sexuais contra meninos e homens, pois estas têm sido sistematicamente negligenciadas”. 

A psicóloga Rosemary Miyahara (62) chamou a atenção para a infância. Disse que a criança violada se torna um adulto que pode não reconhecer o abuso ou mesmo resistir a ajuda. Para ela, a violência sexual está diretamente ligada à dominação masculina. “Todos se reúnem para negar que aquilo acontece”. 

Rosemary relatou que apesar de vivenciar diariamente a questão da violência sexual com os seus pacientes, ainda se surpreende com o impacto dos relatos. Reforçou que sua motivação é olhar para isso na tentativa de entender o tema e colocar um fim no problema. 

Pintura “A Redenção de Cam” (1895), de Modesto Brocos | Foto: Reprodução

Henrique Restier (44) foi buscar no processo de colonização da América e o domínio político, cultural e religioso dos europeus sobre os povos indígenas e africanos as razões   pela masculinidade tóxica presente até os dias atuais. “Quando o colonizador penetra o território, ele também penetra o corpo dos que estão nele”, disse o sociólogo. E acrescentou:  “O colonialismo tem intrinsecamente a violência sexual”. 

Restier fez alusão à pintura “Redenção de Cam”, de 1895, sete anos após a abolição da escravatura. O quadro mostra, da esquerda para direita, uma senhora negra, descalça sobre um chão de terra, que ergue as mãos e os olhos aos céus ao lado de uma mulher, provavelmente sua filha, de tom de pele mais claro, que segura seu bebê, branco, no colo. E um homem branco à sua direita. Segundo Restier, as três personagens representam as três gerações necessárias para fortalecer o embranquecimento da população brasileira. Para o pesquisador, o quadro retrata o processo de mestiçagem como uma herança colonial que  também reflete as masculinidades tóxicas no país desde aquela época: “A mulher negra era a responsável por gerar os filhos do homem branco no processo de embranquecimento da população”. 

Não é só aqui

O pesquisador britânico, George Severs (28), mostrou que esse cenário de violência e preconceito não se resume ao Brasil.  George relatou que antes de 1994, as leis britânicas não consideravam as violências sexuais contra meninos e homens. E que a questão persiste em relação às mulheres trans: “As leis britânicas são transfóbicas. Quando mulheres trans sofriam estupro ou qualquer outro tipo de violência sexual, não eram acolhidas pelas leis vigentes por não serem vistas como mulheres”, afirmou.    

Um outro ponto abordado no debate sobre a realidade brasileira foi o desafio de fazer o  mapeamento racial da violência sexual. De acordo com Denis Ferreira, apesar de homens negros serem os mais distanciados de atendimento psicológico por problemas econômicos e sociais, infelizmente as pesquisas realizadas até agora não tiveram nenhuma pergunta direcionada a entender especificamente as questões raciais nessas relações tóxicas. “Essa foi uma grande falha”, lamentou..   

Para denunciar abusos e violência sexual, procure os seguintes órgãos: Conselho Tutelar, polícias Civil e Militar e o Ministério Público. Outra opção é o Disque 100, o canal de atendimento do Disque Direitos Humanos. 

*Comunicadores da primeira turma do Laboratório de Formação em Jornalismo do Maré de Notícias

Atletas mareenses buscam saídas para superar ausência de apoio financeiro

Crianças e adolescentes vendem rifas, docinhos, pipocas… ‘se viram nos 30’ para não desistir de carreira no esporte

Por Hélio Euclides, em 06/10/2022 às 11h55

Os empecilhos enfrentados por quem deseja viver do esporte no Brasil vão muito além daqueles estrategicamente posicionados nas pistas de atletismo durante a prática de saltos com barreiras. Muitos atletas, das mais diversas idades, precisam realizar vaquinhas, vender rifas, pipocas e docinhos… para quitar gastos com transporte, alimentação, hospedagem, inscrição, antes da conquista das medalhas.

Segundo um levantamento feito pelo site Globo Esporte, 42% dos brasileiros que disputaram os Jogos Olímpicos em Tóquio não possuíam patrocínio. Em números foram 131 atletas sem patrocínio algum, 36 realizaram permutas, 41 fizeram vaquinhas para arrecadar dinheiro e 33 conciliam o esporte com outros empregos. Na delegação brasileira, 78 competidores sequer estão incluídos no Bolsa Atleta. O Maré de Notícias vem mostrando esses obstáculos que os atletas enfrentam em diversas matérias. Recentemente abordamos a trajetória de três jovens esportistas: Kauan Barboza, Lorrane da Silva e Lucas Santana, que são lutadores de jiu-jítsu. 

Jacilda Santana, mãe de Lucas, não entende como um atleta campeão sul americano em 2019, vice-campeão Pan Kids em 2020, terceiro colocado peso e absoluto no Brasileiro de 2022, campeão Tour Guarapari em 2022 e 32 vezes campeão regional não consegue patrocínio. “Ele tem um total de 48 medalhas e precisa vender rifas, doces nas ruas e vaquinhas para conseguir competir. Temos corte de gastos em geral, contamos as moedas. O meu filho nem corta mais os cabelos para economizar. Sem contar que precisamos da ajuda de familiares e amigos”, comenta. Ela lembra que quanto mais rápido conseguir as passagens para o filho competir no campeonato internacional em Abu Dhabi (Emirados Árabes) será melhor, pois há aumento de preços constantemente. 

Um desafio em comum

Para Marcela Barboza, mãe de Kauan, ser um atleta de alto rendimento não é uma tarefa fácil. É algo que envolve diversos desafios que devem ser superados todos os dias. “Meu filho precisa ter uma dedicação total, como manter os treinos e cuidados com o corpo, ter uma boa alimentação, conciliar estudo com o esporte, ir a explicadora e ajudar nas tarefas de casa dentre outras coisas. Agradeço aos professores da Escola Municipal Dilermando Cruz, em Ramos, que se empenham em ajudá-lo e ainda fazem divulgação”, conta.

Lorrane da Silva e Lucas Santana foram destaque em matéria publicada na edição de julho do Maré de Notícias. Mãe de Lucas não entende o porquê de um atleta tão premiado permanecer sem apoio financeiro para sua trajetória | Foto: Gabi Lino

Quase todos os finais de semana o Kauan tem competição, com necessidade de transporte e estadia, porque às vezes os campeonatos não acontecem no estado do Rio. “É por essa razão que a questão financeira também é parte fundamental para o desenvolvimento do atleta que, infelizmente, muitas vezes acaba esbarrando na falta de apoio e patrocínio”, diz.

Não é difícil achar atletas fazendo atividade extra para competir, são nomes diferentes com novas histórias, mas os mesmos problemas de falta de financiamentos e patrocínios. Para chegar a ser atleta do Flamengo, a moradora do Parque União, Hellen Vitória, de 13 anos, teve que vender rifa em 2017, para conseguir viajar e participar do campeonato brasileiro de ginástica artística em Porto Alegre. O pai Benevides Silva revela que o próximo objetivo dela é disputar o mundial juvenil, em 2023, na Turquia. “Para conseguir ser atleta é um sacrifício que começa às 6h da manhã quando acorda. Às 07h inicia o treino no Flamengo, que vai até ao meio-dia. Já às 13h tem escola e depois retorna às 18h para um segundo treinamento, que termina às 20h. O que falo para ela e para quem está começando e não desistir dos seus sonhos”, expõe. 

Os irmãos lutadores de Jiu-Jitsu Akyllys Torres, de 12 anos, e Athylla Torres, de 10 anos, são ex-moradores do Conjunto Esperança e sentem no quimono a maior dificuldade que é conseguir patrocínio. O pai Júlio Cesar, conta que a maioria dos responsáveis desejariam levar seus filhos para o exterior, para alcançar a valorização, algo que não acontece no Brasil. “Aqui ainda se pensa que o esporte na vida da criança é apenas um passatempo. Nunca olham para o pequeno atleta como um profissional, que pode no futuro se tornar um faixa preta e abrir sua própria academia de artes marciais”, conta.

Um apoio importante parte dos comerciantes, mas ainda não é suficiente. A mãe dos meninos faz bolo de pote e a família toda sai às ruas para vender. “Ela ainda se sacrifica vendendo tapioca e pastel em frente ao estádio do Engenhão, isso para custear as despesas. Se para adulto se encontra difícil o patrocínio, imagine para as crianças”, diz. O objetivo dos irmãos Torres é também disputar o mundial em Abu Dhabi. “Precisamos de ajuda para a alimentação e hospedagem. Mesmo com as dificuldades só tenho a agradecer a todos os professores que ajudaram nessa caminhada e a Academia Renzo Gracie, com os mestres Áureo Couto e Bruno Vargas”, conclui. 

Do Piscinão para os aparelhos

Geisa Barbosa, de 10 anos, é moradora da Praia de Ramos e atleta de ginástica olímpica.  Para tentar competir, a menina vende pipoca, como foi para participar do campeonato nacional em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, quando ficou em oitavo lugar entre 250 crianças. A atleta treina há três anos na Vila Olímpica Grêmio Recreativo e Esportivo dos Industriários da Penha (VOGREIP). Na pandemia teve muita dificuldade para treinar, então foi necessário montar uma academia para Geisa em casa, para não deixar de fazer os exercícios.

Com apenas 10 anos, a premiada Geisa Barbosa precisa vender pipoca para se manter em atividade no esporte | Foto: Arquivo pessoal

Para a mãe de Geisa, Juliana Jesus Ferreira, sobra o sentimento de frustração pela dificuldade em conseguir suprir as despesas diárias e das competições. “A minha filha é atleta há três anos, mas sem patrocínio. Todo ano buscamos ajuda para ir às competições, mas temos que recorrer a rifa e doações. Os sacrifícios para mim é muita das vezes saber que minha filha precisa de algo e não ter para dar”, desabafa. Esse ano a família tenta levá-la para a competição em Manaus, no dia 15 de novembro. 

Além da venda de pipoca a mãe é manicure. “Trabalho mais de 12 horas por dia no salão para tentar suprir todas as necessidades dela. Também faço unha a domicílio para ter um dinheiro a mais. É uma pena que o esporte que a minha filha escolheu para seguir não é patrocinado e nem tem recurso. Vivemos da ajuda das pessoas que se comovem em fazer doações. Eu fico muito triste de a criança ter um sonho e encontrar tantas dificuldades”, comenta. Ela só percebe patrocínio no futebol.

Ferreira acredita que o reconhecimento só venha após participar de olimpíadas e trazer uma medalha de ouro. “Ano passado a minha filha competiu sem recurso nenhum, dessa forma gastei para ela poder participar o valor de R$ 4.800, fora os gastos de alimentação. O que me estimula é perceber que minha filha tem muita garra”, conclui. Ela espera para o futuro coisas boas. Geisa Barbosa tem um ritmo de vida corrida, com nove horas de treino, três vezes por semana, mas não desanima. “Eu amo demais fazer ginástica artística e todos os aparelhos. Me inspiro na Rebeca Andrade. Meu sonho é chegar nas olimpíadas”, finaliza.

Saiba como ajudar os jovens atletas

Colabore ao clicar aqui com a vaquinha de Lucas Santana

Clique aqui para ajudar Lorrane Silva a seguir atrás dos seus sonhos

Colabore aqui com a vaquinha para impulsionar a carreira dos irmãos Torres (ou Pix com o telefone 21981099768)

Clique aqui para participar da vaquinha de Kauan Barboza

Participe da força-tarefa para apoiar Geisa Barbosa ao clicar aqui

Diálogo por uma coleta de lixo mais eficiente para a Maré

Encontro envolveu moradores da Nova Maré e representantes da Comlurb e foi promovido pelo eixo de Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré

Por Samara Oliveira, em 05/10/2022 às 16h30

Não é de hoje que os mareenses reclamam das ruas cheias de lixo espalhado, especificamente na Nova Maré. Por outro lado, também existe a reclamação por parte dos trabalhadores da Comlurb em relação à falta de conscientização dos moradores, já que a coleta passa na região de segunda a sábado. 

Para discutir problemas e soluções, a Redes da Maré, através do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais (Dusa), reuniu moradores, representantes da Comlurb e da gerência executiva local para apresentar o resultado de uma pesquisa realizada sobre as percepções sobre o lixo na Nova Maré no fim de setembro. 

O encontro foi realizado na Lona Cultural Herbert Vianna e um dos pontos mostrado pela pesquisa que norteou o principal debate no encontro foi que os moradores sabem da coleta que acontece na região e que a Comlurb realmente realiza o trabalho todos os dias, exceto aos domingos. 

No entanto, a dona de casa Elizana Pereira (32), ressalta a dificuldade de descartar o lixo no horário pedido pelos trabalhadores da Comlurb. “Infelizmente, de manhã não dá. A coleta passa às 6h, essa hora eu estou arrumando meus filhos para escola e o ponto de coleta é muito longe da minha casa. Eu só consigo deixar lá depois que já passaram. Tenho que esperar meus filhos mais velhos chegarem da escola para conseguir fazer isso”, disse. 

Outra preocupação de todos presentes na reunião foi acerca dos períodos de chuva já que os lixos colocados fora do horário de coleta tendem a parar nas galerias de águas pluviais causando mais enchentes.

Durante a reunião foi apresentada pesquisa percepções sobre o lixo na Nova Maré realizada em setembro deste ano. Em destaque, Shirley Rosendo, coordenadora do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré | Foto: Gabi Lino

“O lixo é um problema de todos. Fui em uma comunidade aqui mesmo da Maré que em todas as casas tinham um gancho para pendurar o lixo. Ou seja, não tem o risco de ir para as galerias ou rede de esgoto quando chove. O que estamos fazendo aqui é um diálogo importante para melhorar o atendimento da coleta de lixo domiciliar. Assim a gente organiza um horário de coleta, trabalha a conscientização dos moradores e reafirma que a Maré é o único lugar do município que a Comlurb passa todos os dias”, afirmou Pablo Ronaldo, gestor executivo local. 

Shirley Rosendo, coordenadora do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré, relembrou que o planejamento de coleta na Maré pela Comlurb é da década de 1980, quando havia apenas seis comunidades. Hoje, com mais que o dobro desse número, ela acredita ser necessário pensar em novas estratégias.

“Precisamos pensar sim num processo de conscientização com o lixo. Não é porque eu não quero mais algo ou não uso mais aquilo que eu posso jogar em qualquer lugar. Ninguém quer o lixo na própria porta, mas a gente descarta onde está o outro. Não dá pra gente ter uma quantidade de lixo absurda em frente às escolas, em frente a Vila Olímpica. Também não precisamos achar um culpado, precisamos pensar juntos num problema que é comum a todos”, opinou. 

Ainda será definida uma nova data para o próximo encontro que tem como objetivo levar propostas de rota, horários e ações de conscientização e informação para os moradores.