Atividades do CPV garantem incentivo e apoio para estudantes da Maré ocuparem as universidades
Por Edu Carvalho, em 17/02/2022 às 9h
Estão abertas as inscrições para o Pré-Vestibular Redes de Saberes (CPV), promovido pela Redes da Maré. As inscrições vão até 11 de março, através do formulário, clicando aqui.
Aqueles que não possuem acesso à internet em casa podem ir ao prédio principal da Redes (Rua Sargento Silva Nunes, 1012 – Nova Holanda) ou ao prédio da Vila do Pinheiro (Via A1 – CIEP Ministro Gustavo Capanema – Vila do Pinheiro) nos seguintes dias e horários: segundas, quartas e sextas, de 18h às 21h.
Ao todo, serão oferecidas 250 vagas distribuídas em cinco turmas. Para concorrer, basta cumprir os seguintes requisitos: ser, preferencialmente, morador de uma das 16 favelas da Maré; ter concluído ou estar cursando o terceiro ano do Ensino Médio; não estar matriculado e/ou frequentando outros cursos pré-vestibulares.
A iniciativa não suspendeu suas atividades no período mais crítico da pandemia, adaptando-se aos novos meios de estudos. “O CPV durante a pandemia aconteceu de forma remota, usamos o Google Meet e o Sala de Aula, onde a gente colocava atividades complementares, alguns vídeos, lista de exercícios e outros conteúdos. Tudo que os professores precisavam para complementar a aula era ali, além das aulas gravadas”, sinaliza Luana Silveira, coordenadora do projeto.
Como parte dos alunos não conseguiam assistir às aulas ao vivo, boa parte delas foram gravadas e ficavam disponíveis independente de horário. “Foi um desafio de adaptação também nesse formato, algo novo pra todo mundo, e direto de suas casas. Para os alunos também foi um desafio, no quesito de conseguir algum lugar dentro de seus lares, conseguindo manter a concentração junto a outros membros da casa, lidar com a ausência de troca como acontece na presencial’’, aponta, indicando que outro problema foi a evasão dos alunos – por conta da falta de acesso à internet.
Uma mudança sentida com a chegada do ensino remoto foi a carga horária, que sofreu alterações. “De quatro tempos em aula de segunda à sexta, ficamos apenas com três, através da recomendação de especialistas, além de termos intervalo”, conta Luana.
Seguindo todos os cuidados necessários e propostos pela saúde, o simulado do pré-vestibular foi realizado de forma presencial, assegurado com a testagem dos alunos e equipe. Agora, são estes que se preparam mais firmemente para realizar a prova da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “A expectativa deles é positiva, estão animados. Se dedicam ativamente, interagem, empolgados, apesar da conjuntura atual que acaba os fragilizando”, relata. Cerca de 15 estudantes farão o exame.
É o caso de Luci Helen de Souza, de 18 anos, moradora da Vila do João e que faz parte do projeto. “Estou nervosa, mas feliz pelo meu empenho. O CPV, além de ter ótimos professores, é um meio de apoio nesse momento difícil que estamos vivendo”, diz. A jovem conta que venceu os obstáculos e se mostra perseverante na reta final dos estudos: “É uma experiência para fortalecer”.
Outra que está animada para a prova é Michelle Gomes, de 22 anos, cria da Nova Holanda. “Acredito que a aula de forma remota tenha sido muito desafiadora, porque não se tem internet de qualidade, não se tem professor presencial, o contato ao vivo para a gente fazer a troca”, reforça.
Na ação desde 2017, Michelle conta que o pré-vestibular abriu outros horizontes dentro e fora das salas de aula. “Aprendi mais sobre política e discussões do cotidiano. Antes de acessar o CPV, não tinha essa noção. Ampliou minha visão sobre favela, sobre o que eu sou nesse espaço e o que eu posso me tornar entrando na faculdade”, analisa.
Primeiro grupo favelado a se consagrar como ganhador no Festival de Teatro Universitário (FESTU) busca doações para viabilizar temporada da peça ‘Nem todo filho vinga’
Por Edu Carvalho, em 16/02/2022 às 10h10. Editado por Tamyres Matos
Com as dificuldades impostas pela pandemia, o cenário cultural da cidade e estado do Rio de Janeiro ficou comprometido. Sem meios para que pudessem seguir com seus trabalhos, muitos artistas tiveram de adiar estreias e demais eventos até que uma retomada – segura – pudesse ser vislumbrada.
Em um cenário mais confortável, tendo a possibilidade de receber o público seguindo os protocolos desenhados pela Saúde, com vacinação e uso de máscara, o setor começa a criar expectativas. É o caso da Companhia Cria do Beco, que agora conta com a ajuda do público para montagem da peça ”Nem Todo Filho Vinga”, através de uma ‘vaquinha’ online.
”Assim como diversos outros grupos e companhias de teatro, nossa peça também foi afetada com os teatros de portas fechadas por quase dois anos. Mas persistimos, resistimos, nos vacinamos e agora voltamos com tudo. E quem viveu a Festa no Beco sabe que a gente não tá pra brincadeira né?”, reforça o texto do lançamento da campanha de financiamento do espetáculo.
O grupo é conhecido do local e em 2019 chegou a ser a primeira companhia de teatro favelado a ganhar o Festival de Teatro Universitário (FESTU). ”Nem todo filho vinga” traz a história do personagem Maicon, morador da Maré que, após passar para a Faculdade de Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), passa a confrontar os ideais de justiça do Estado Brasileiro. Diante dos inúmeros eventos de injustiça que ele e seu grupo de amigos vivem diariamente, ao longo do seu ano letivo, Maicon sentirá na pele como as políticas públicas abalam todas as esferas da vida.
Inspirado no conto de Machado de Assis, ‘Pai contra Mãe’, o espetáculo nasce da provocação feroz do autor ao concluir seu conto com a afirmação de que no Brasil: “nem todo filho vinga”. Movidos por essa crítica, o grupo Cia do Beco criou uma narrativa autoral ambientada na favela nos dias atuais, com o intuito de questionar os espaços de poder representados pelos ideais da justiça brasileira. Se há uma intenção de sistema igualitário, a peça questiona: por que nem todo filho vinga?
COMO DOAR:
Uma doação pode ser feita no valor desejado para a chave [email protected], no nome de Renata Tavares. Quem colabora tem acesso à brindes produzidos pela Companhia Cria do Beco.
Ciclo de formação virtual gratuita está com inscrições abertas para coletivos de literatura de periferias de 9 capitais brasileiras até o dia 18/02
Por Redação, em 15/02/2022 às 13h45.
Os direitos à vida, à saúde e à dignidade humana encontram imensos desafios para serem garantidos em países desiguais como o Brasil. Em seu sentido ampliado, a saúde envolve o desenvolvimento dos potenciais do indivíduo e de sua comunidade, e compreende também a dimensão da cultura como ambiente de pertencimento e campo de exercício de cidadania. Tendo por mote a literatura como direito humano, o projeto Periferia Brasileira de Letras propõe a criação de uma rede de coletivos literários de favelas e periferias em 9 capitais brasileiras para reivindicação de políticas públicas no campo da leitura, livro e literatura adequadas às demandas por direitos dos seus territórios. O primeiro ato do projeto são as inscrições que abriram nesta semana.
Ao todo, serão sete meses com encontros virtuais divididos em três etapas: 1) Curso para a rede PBL ampliar sua participação na construção de políticas públicas sobre o livro, leitura e literatura para territórios periféricos; 2) Produção de um documentário que registre a experiência dos coletivos e que registre a diversidade literária produzida em diversas regiões do Brasil; 3) Criação de um Fórum e a construção de uma agenda coletiva de articulação política e cultural da rede Periferia Brasileira de Letras para 2022.
Cada representante dos coletivos selecionados receberá bolsa de estudos mensal no valor de R$1.000,00 (um mil reais) durante os quatro meses do curso. As inscrições podem ser realizadas gratuitamente pelo site http://periferiabrasileiradeletras.org/inscricao/ . Toda formação será gratuita, mas é essencial ter acesso à internet e equipamento para participar das atividades virtuais.
Como se inscrever
Apenas uma pessoa física, com conta corrente ativa, deverá ser o representante para receber o valor da bolsa de estudo nos quatro meses da etapa “Promoção da Literatura em Periferias: curso de territorialização de políticas públicas saudáveis”.
Para se inscrever, o coletivo e/ou grupo, formalizado ou não, deve ter no mínimo um ano de atuação na área da leitura, livro e literatura, ter um portfólio com imagens postadas em redes sociais de eventos realizados, publicações e/ou calendário de atividades regulares e atuar em território de favela ou periferia nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, Brasília, Natal, Recife, Salvador, Fortaleza, São Paulo, Belo Horizonte ou Rio de Janeiro. Ademais, preencher corretamente o formulário de inscrição e entregar até a data limite, que é 18 de fevereiro.
A rede PBL é uma plataforma colaborativa que busca por meio da participação popular de coletivos literários a construção coletiva de políticas públicas para territórios de favelas e periferias.
O projeto tem também o objetivo de colaborar para o aprofundamento de um campo que seja agregador das diversas literaturas existentes no Brasil, dando visibilidade aos coletivos e grupos participantes dessa rede e, mais ainda, à diversidade da produção da criação literária de favela e periferia.
O dado, referente a cidade do Rio, é da pesquisa Elemento Suspeito, coordenada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – CESeC.
Por Redação, em 15/02/2022.
A pesquisa Elemento Suspeito, coordenada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – CESeC, volta às ruas quase 20 anos depois da primeira edição, publicada em 2003, e confirma com dados inéditos que o racismo constitui o cerne da atividade policial e do sistema de justiça criminal – além de revelar a dimensão traumática dessas abordagens. O boletim do estudo, batizado de Negro trauma: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro, em meio a recentes casos noticiados em que jovens negros foram considerados elementos suspeitos pelos agentes de segurança – como o caso do jovem Yago Corrêa de Souza, preso ao comprar pão no Jacarezinho. O quadro geral é de que nos últimos anos houve uma radicalização do foco no elemento suspeito.
O boletim Negro Trauma revela o universo das abordagens policiais na cidade do Rio de Janeiro e também outras experiências dos cidadãos com a polícia, além da avaliação da população sobre os agentes de segurança. A primeira parte da pesquisa foi quantitativa: a partir de um rastreamento com 3500 pessoas em pontos de fluxo na cidade, foram feitas 739 entrevistas detalhadas pelo Instituto Datafolha. A segunda parte foi qualitativa: foram realizados grupos focais e entrevistas com jovens moradores de favelas, entregadores, motoristas de aplicativos, mulheres e policiais. Desta forma chegou-se ao perfil predominante de pessoas consideradas reiteradamente suspeitas pelos policiais e escolhidas para as abordagens.
Assim como na primeira pesquisa, comprovou-se que são os jovens negros os maiores alvos dos agentes de segurança. Enquanto 48% da população da cidade do Rio de Janeiro é negra, o percentual de pessoas negras abordadas pela polícia chega a 63%. Um quinto (17%) dessas pessoas já foi parada mais de 10 vezes.
Quando olhamos o local das abordagens, percebemos que atividades comuns para pessoas brancas são vistas como suspeitas para pessoas negras. Negros são 68% dos abordados andando a pé na rua ou na praia, 74% em vans ou kombis, 72% nos carros de aplicativos, 71% no transporte público, 68% andando de moto e 67% em um evento ou festa. Em todas as modalidades de abordagem, sem exceção, os negros são mais parados do que os brancos.
As ações são acentuadas por idade, gênero, cor, classe e território e por isso os pesquisadores utilizaram o índice IGCCT (com as iniciais de cada fator) para analisar os resultados. O que cria um perfil típico dos abordados: homens, negros, até 40 anos, moradores de favela e periferia, com renda até três salários mínimos. A distribuição desses fatores entre os que foram parados mais de 10 vezes é extremamente reveladora das características do elemento suspeito do ponto de vista policial: 94% eram homens, 66% eram negros, 50% tinham até 40 anos, 35% moravam em favelas, enquanto 33% moravam em bairros de periferia e 58% ganhavam de zero até três salários mínimos.
“O papel dos agentes policiais camufla os papéis igualmente decisivos de delegados, promotores, juízes e agentes penais na manutenção e reprodução cotidiana do racismo. Puxamos o fio de uma meada: o ‘elemento suspeito’ depois se confirma como ‘culpado’ e, depois, como ‘criminoso condenado’, cumprindo ‘pena de prisão’, que, por sua vez, produz o perfil do elemento suspeito: o chamado círculo vicioso”, explica Silvia Ramos, que coordenou a pesquisa atual e a de 2003.
Bigodim finim, cabelinho na régua: quem a polícia escolhe revistar
A revista corporal faz parte da abordagem. É um procedimento agressivo e invasivo em que o abordado é obrigado a colocar as mãos na parede, é apalpado em busca de armas e drogas, sofre com o olhar de reprovação das pessoas no entorno e, por vezes, tem armas apontadas contra ele.
Esse procedimento é reservado a quem a polícia acha que têm cara de criminoso ou que está escondendo algo, como explicaram os agentes nos grupos focais. Entre os participantes da pesquisa 50% sofreu revista física e, entre eles, 84% eram homens, 69% eram negros (lembrando que apenas 48% dos cariocas são negros), e 70% eram moradores de favelas e bairros de periferia. Em contraponto, somente 10% dos brancos que ganham mais de 10 salários mínimos são revistados
Policiais militares que participaram do grupo focal na pesquisa afirmam que o “elemento suspeito” seria aquele indivíduo com “bigodinho fininho e loirinho, cabelo com pintinha amarelinha, blusa do Flamengo, boné…” ou seja, os agentes descreveram a estética dos jovens das favelas e periferias cariocas. Mais uma vez, o índice IGCCT está presente na avaliação dos agentes. Para homens negros o risco de revista física é semelhante ao de ser abordado.
Mulheres e mulheres trans: revistas em bolsas e cabelos
As mulheres (16%) são menos abordadas do que os homens (84%) e menos revistadas quando são abordadas. Embora ocorram eventualmente, são escassos os relatos de revistas físicas em mulheres executadas por policiais homens. No entanto, quando paradas pelos agentes de segurança, mulheres e mulheres trans passam por intimidações e têm suas bolsas revistadas com os pertences muitas vezes espalhados no chão e no capô das viaturas.
“Eu não uso bolsa para ir trabalhar. Vou de mototáxi e eles não podem ver uma mulher negra na garupa da moto com bolsa que param a moto para revistar a bolsa”, explicou uma das participantes do grupo focal.
Entrevistadas também relataram que, além da revista corporal, policiais costumam procurar drogas nos cabelos, isto é, nas tranças afro e nos dreads usados por jovens negras e negros.
Violência nas abordagens
As abordagens implicam vivências que muitas vezes não se traduzem em violência física ou verbal, mas em situações de humilhação e constrangimento, que foram as palavras mais ouvidas nos grupos focais com jovens negros.
Ao olharmos a pesquisa de 2003 e a de hoje, podemos ver que as ameaças durante as abordagens passaram de 6,5% para 23%. Mas a experiência violenta mais comum é ter uma arma diretamente apontada para si: o uso de armas apontadas para os abordados foi 9,7% em 2003 para 28% na pesquisa atual.
São essas múltiplas experiências de violência que levam aos vários traumas psíquicos vivenciados por pessoas pretas. As abordagens têm um efeito prolongado sobre a vida dos sujeitos entrevistados, provocando mudanças no comportamento, na escolha dos trajetos, nos horários de trabalho e de lazer, na forma como se vestem ou utilizam seus cabelos e acessórios. Um dos entrevistados disse: “Eu fico pensando: como será minha vida? Eu vou aguentar ser parado pela polícia todo dia?”
Além do freio do camburão: outras experiências com a polícia
Nesta edição da pesquisa, outras experiências com a polícia, para além da abordagem policial foram consideradas. Entre os entrevistados, negros são70% dos que presenciaram a polícia agredindo pessoas, 79% dos que tiveram suas casas invadidas e 74% dos que tiveram um parente ou amigo morto pela polícia.
A dimensão traumática causada pela abordagem policial que persegue os elementos que julgam ser suspeitos vai além do enquadro ou do freio de camburão. Há outras ações dos agentes de segurança que impactam a vida das pessoas negativamente. O racismo cotidiano ganha forma nessas experiências.
Avaliação das forças de segurança
A pesquisa também perguntou aos entrevistados sobre a avaliação da PM em relação a eficiência, respeito, racismo, corrupção e violência. As pessoas também deram notas para as forças de segurança. A polícia Militar teve o pior desempenho entre os participantes do estudo com nota 5,4.
As notas são as médias de todos os entrevistados, considerando que alguns grupos fizeram avaliações mais negativas da Polícia Militar: 45% das pessoas pretas reprovaram a Polícia Militar (isto é, deram nota menor que 5); 23% das pessoas brancas e 28% das pessoas pardas também reprovaram a PM. Apenas 3% consideram a PM nada corrupta e 7%, nada violenta.
Sobre operações policiais, 80% dos entrevistados acreditam que elas precisam existir, mas quase a totalidade (97%) discorda que a polícia poder ferir e matar pessoas nessas ações.
Sobre o CESeC
O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania é uma das primeiras instituições dedicadas aos estudos da segurança pública. Fundado em 2000, tem como principal objetivo a realização de pesquisas inovadoras e outros projetos que alimentem o debate público e contribuam para promover os direitos humanos no sistema de justiça criminal do país.
Na presente pesquisa concluímos mais uma vez que o viés racial, a seletividade, o “racial profiling” nas abordagens policiais não é um “desvio”, mas sim parte da engrenagem racial e racista que estrutura a sociedade e, em particular, a justiça criminal. Por isso o CESeC assume o compromisso de transformar a luta antirracista numa prioridade de sua atuação e produção intelectual.
Amado ou odiado, o gestor do condomínio pode até mesmo trabalhar de graça pelo bem comum
Por Hélio Euclides
Quem já não cantou o clássico Tira essa escada daí/Essa escada é prá ficar/Aqui fora/Eu vou chamar o síndico/Tim Maia! Tim Maia!? O cantor e compositor foi eternizado na música de Jorge Benjor pelo apelido de “síndico” por ser ranzinza e sempre exigir que o som em seus shows fosse, no mínimo, perfeito (Tim Maia foi síndico do prédio onde morava, na Barra). O apelido carinhoso brinca com a relação de amor e ódio que todo mundo tem com o gestor e representante legal do condomínio, eleito por assembleia — para o bem ou para o mal.
Segundo a Associação Brasileira de Síndicos e Síndicos Profissionais (ABRASSP), há 68 milhões de pessoas que moram em condomínios no Brasil, administrados por 421 mil síndicos e síndicas; destes, 39.189 estão no estado do Rio de Janeiro. Alguns transformaram o serviço em profissão: são os síndicos profissionais, carreira ainda não regulamentada. Na Maré, os síndicos são moradores que desejam o melhor para o espaço comum, como nos conjuntos Pinheiros e Esperança e na Baixa do Sapateiro.
Quem sabe muito bem o que é ser síndica é Adélia Fernandes dos Santos, de 71 anos, que atua na metade do Bloco 106, no Conjunto Esperança. Ela ensina que é necessário ser compreensivo e ter disposição de trabalhar. “É fundamental que todos se respeitem. É preciso ter organização, o que elimina a bagunça. Mesmo que seja como uma firma onde tem que ter autoridade, precisamos ver o prédio todo como nossa própria casa, que sempre precisa de cuidados e limpeza. Ser síndico não é só cuidar do dinheiro de todos; deve-se mostrar para onde essa verba vai, fazer as obras necessárias e trazer novidades”, ensina.
Para Adélia, o papel dela é fazer o melhor para o condomínio, usando de cautela para não deixar as contas no vermelho (ela é contra a cota extra). No seu mandato, eliminou a lixeira interna, que atraía insetos, e no lugar dela fez um banheiro para swer usado durante as festas — todas, aliás, com regras para acontecer. “É preciso autorização e horário para o fim. Se alguém vai montar piscina no terreno do prédio é preciso autorização”, destaca. O condomínio, além das obras, contratou uma zeladora para a limpeza geral.
Segundo associação, há 68 milhões de pessoas que moram em condomínios no Brasil, com 421 mil administradores – Foto: Matheus Affonso
A contribuição de cada morador é de R$ 60 mensais. Por conta do valor reduzido, não há inadimplência mas, se porventura ela acontecer, Adélia procura o morador para saber o motivo. “Pode estar em situação de doença ou desemprego, então fazemos um acordo de parcelamento. Na pandemia, a associação de moradores ajudou com cestas básicas muitos dos que estavam em condição difícil; ela é parceira dos síndicos”, diz.
Pedro Francisco, presidente da Associação de Moradores do Conjunto Esperança, confirma a colaboração: “Juntos construímos uma comunidade melhor a cada dia. São homens e mulheres que trabalham sem salários e sem reconhecimento por parte de muitos moradores, mas que abrem mão muitas vezes dos seus afazeres e de suas famílias para cuidar do bem coletivo.”
Mas nem todos gostam do título de síndico pela responsabilidade que o cargo representa. É o caso de Jacy José da Silva, de 68 anos, morador do Conjunto Pinheiros. Ele prefere ser definido como um colaborador na organização do Bloco 17. São quatro anos de luta para deixar sempre o prédio limpinho, apesar de não haver uma pessoa contratada para fazer a faxina. “Esse serviço de liderança não é bom nem ruim. Tem que ter jogo de cintura, pois é muito aborrecimento, em especial com a criançada bagunceira”, diz. “O segredo é que somos unidos, a maioria coloca a mão na massa, não há verba para muita coisa. Quando um não pode fazer algo, o outro ajuda. É preciso chegar junto, pois é um cuidado coletivo.”
A taxa mensal de condomínio é de R$ 30 mas, apesar do pequeno valor, Jacy diz que há moradores que não pagam: “Por esse motivo, só podemos fazer obras quando juntamos o valor necessário. Não agradamos a todos. Mas uma certeza é que o prédio é um dos melhores do conjunto.”
Prós e contras
Se administrar a metade de um prédio é difícil, imagine nove blocos com 112 apartamentos. Esse é o dia a dia de Sônia Ramos, de 64 anos, síndica há cinco anos do Condomínio Padre Manoel da Nóbrega, ao lado da Paróquia Nossa Senhora dos Navegantes, na Baixa do Sapateiro. “Dá dor de cabeça, mas não é ruim. Tem que saber conciliar, ter espírito de liderança e tratar a todos com igualdade. Isso é uma missão, pois não recebo nenhum pagamento”, conta.
Sônia dá dicas para quem deseja ser síndico, como não deixar as contas atrasarem, realizar manutenção como pintura, cuidar dos espaços, ter pulso firme e autoridade: “Um exemplo é que não se pode colocar roupa para secar na janela, faz parte da regra do condomínio, para que o ambiente não fique feio. Outro problema é a inadimplência, pois é da taxa de condomínio que tiramos o salário do zelador e realizamos obras.” A família dela não gosta muito pela quantidade de trabalho que a síndica acumula, mas não há nada que afaste Sonia do cargo: ela é candidata a mais um ano de mandato.
Para ajudá-la nessa missão, Jielho Santana, de 51 anos, é o administrador do condomínio há seis anos, depois de cumprir mandato como síndico por oito. “É uma parceria entre os dois cargos. Tem pepinos, mas é legal a convivência com as pessoas. É preciso responsabilidade, levar o cargo a sério, economizar para realizar as obras, pensar que o condomínio é uma empresa, ser flexível para acordos, pois a pessoa pode não estar passando por uma situação financeira boa, e não tratar os assuntos com mão de ferro, para não formar inimigos”, afirma.
Na gestão dos dois foi contratada a pintura dos prédios, além da manutenção das benfeitorias. Ambos destacam que há dois anos não há a necessidade de cotas extras. “Percebo que o serviço da síndica e do administrador não é fácil; o trabalho deles é de muita importância para que não haja desorganização. Se não fossem eles, os moradores fariam de qualquer maneira, seria uma confusão geral. Tenho orgulho de viver aqui”, conclui Elma Avelino, moradora do local.
Leis e regras para ser síndico
A eleição do gestor dos condomínios hoje não está mais a cargo do que estipula o regimento interno de cada prédio: sua função é regulamentada pela Lei nº 10.406, de 2002, dentro do chamado Código Civil dos Condomínios, que descreve suas competências e os deveres:
“Art. 1.348. Compete ao síndico:
I – convocar a assembleia dos condôminos;
II – representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;
III – dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio;
IV – cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;
V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;
VI – elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;
VII – cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;
VIII – prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;
IX – realizar o seguro da edificação.”
Na Maré, síndicos geralmente são moradores que desejam o melhor para o espaço comum, como acontece no Conjunto Pinheiros – Foto: Matheus Affonso
Por Maykon Sardinha e Jéssica Pires, em 13/02/2022 às 08h.
Em 2021, a Redes da Maré, em parceria com o Itaú Social, uma frente de desenvolvimento social do Itaú, promoveu uma ação de incentivo e apoio a iniciativas tocadas pela juventude no Conjunto de Favelas da Maré. O objetivo dessa união de forças foi desenvolver e fortalecer as atividades desses jovens. Foram selecionadas 5 iniciativas, que participaram durante seis meses de um processo de formação e mentoria e receberam um apoio financeiro para implantação das propostas criadas no laboratório. O Lab Semente também contou com um processo de mapeamento das iniciativas do território. O objetivo foi identificar quem são e como elas funcionam.
Mapeamento e diagnóstico das iniciativas
Se por um lado a fragilidade do Estado em promover e assegurar direitos se torna cada vez mais latente, especialmente em favelas, por outro, movimentos sociais ganham cada vez mais importância e relevância devido a sua atuação em atividades de interesse público. Muitas são as configurações desses movimentos: coletivos, organizações, grupos, projetos etc. A fim de abarcar essa diversidade de propostas de atuação, nomeamos como iniciativas esses movimentos presentes na Maré.
O mapeamento consistiu em identificar essas iniciativas, principalmente aquelas que possuem poucos recursos financeiros, deixando de lado as grandes organizações. A partir de uma rede articulada entre as iniciativas que se inscreveram na chamada pública do Lab Semente e de indicações da rede de parceiros locais, foram mapeadas 56 iniciativas presentes nas 16 favelas da Maré.
Aliado ao mapeamento, foi realizada uma coleta de dados em forma de questionário, para a produção de um diagnóstico, que tinha como objetivo caracterizar a estrutura interna das iniciativas da Maré no que se refere ao seu modo de organização, práticas de mobilização, gestão e recursos humanos, equipamentos, trabalho em rede e relação com instituições públicas. O questionário foi aplicado com os representantes das iniciativas e contou com 33 perguntas. Das 56 iniciativas identificadas no território, 26 responderam ao questionário.
“Nossa participação no Lab foi muito produtiva. Aprendemos a estruturar o nosso projeto, escrever de fato todas as etapas. Nesse percurso, refletimos sobre nossos objetivos enquanto coletivo e definimos ações para alcançá-lo. O Lab foi uma iniciativa que nos deu confiança para seguir com o Leituras na Favela e inclusive tentarmos alguns editais. Estamos muito felizes porque recentemente ganhamos o edital do Cultura nas Redes 2, o que só demonstra a importância do nosso projeto. Então vem muita coisa boa por aí”, compartilham Camila Mendes e Anderson Oliveira, jovens educadores idealizadores do “Leituras na Favela”, projeto de incentivo à leitura literária que ocorre por meio de oficinas de leituras, contação de histórias e ciclos de leitura.
Entre os dados coletados durante esse processo chamamos atenção para o fato de 69% dos grupos não serem formalizados, o que pode revelar dificuldades nesse processo. 77% dos grupos afirmam que articulam com outras iniciativas, o que evidencia a capacidade natural de mobilização dos coletivos na Maré, porém o mesmo número não conta com apoio financeiro de qualquer tipo.
Território e a importância das iniciativas na consolidação dos direitos
O Conjunto de Favelas da Maré é formado por 16 favelas distribuídas ao longo de 3 importantes vias de circulação na cidade do Rio de Janeiro: a Avenida Brasil, a Linha Vermelha e a Linha Amarela. O conjunto é unido pela Baía de Guanabara, em sua margem direita, e pelo histórico de lutas na garantia de direitos.
Segundo o Censo Maré, realizado em 2013, esse território é composto por uma população de 139.073 habitantes. Desse total, 27% são de jovens entre 15 e 29 anos, representando, uma grande parcela da população local.
Na Maré, os jovens são, historicamente, os responsáveis pela criação de movimentos que se articulam para a implantação de equipamentos públicos que atendam as necessidades básicas. Esses movimentos foram responsáveis pela implantação de 50 escolas e 8 unidades de saúde, por exemplo.
“Pensar qualquer processo de mobilização e lutas coletivas é um desafio, principalmente em contextos em que as pessoas precisam fazer tantas coisas para sobreviver. Mas uma coisa que vem me chamando atenção é o quanto os jovens vêm se articulando e se mobilizando através dos coletivos. E o quanto a internet vem facilitando esse processo. O whatsapp e outras mídias são ferramentas da que possibilitam o diálogo com a juventude e de engajamento desse público em lutas que ultrapassam o campo individual e vão para um campo coletivo”, chama atenção Lidiane Malanquini, assistente social, coordenadora do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré e uma das mentoras do Lab Semente.
Na medida em que os direitos básicos não são assegurados pelo Estado, de forma equânime para todos os cidadãos, os movimentos de base, em especial os movimentos de favela, representam a força motriz para a implementação e garantia desses direitos.
Historicamente os movimentos sociais são os responsáveis pelos tensionamentos que promovem justiça social. Haja vista os movimentos por direitos civis e políticos durante a ditadura militar, que culminou com a elaboração da Constituição Cidadã de 1988.
Apesar dos avanços promovidos por esses movimentos, a consolidação dos direitos é um processo que requer continuamente o engajamento da sociedade para a sua efetivação. As iniciativas presentes hoje no Conjunto de Favelas da Maré, dão um sinal de que a juventude está atenta às problemáticas sociais e estão, ainda que sem apoio, visibilizando e criando estratégias de resolução desses problemas.
“Como é mais do que sabido, a juventude favelada e de territórios populares, e principalmente a população jovem negra é a que tem o direito à vida mais violentado, além de inúmeros outros direitos que lhes são negados ou para os quais o acesso é precário. No entanto, nesse ambiente, a população de um modo geral, mas especialmente a juventude, de uma forma muito vibrante e plural, não se acomoda, inventa e reinventa uma cultura diversa que expressa o que o prof. Jorge Barboza chama de “estéticas de atitude” que implicam uma reivindicação de reconhecimento, visibilidade e direitos, entendendo as favelas como “territórios populares de invenção da cultura urbana”. Isso também é fazer política e disputar à cidade”, conclui Daniela Ferreira, gestora cultural, diretora adjunta e coordenadora de projetos especiais do Instituto d’O Passo e mentora do Lab Semente.
“Mas não podemos romantizar essa energia da juventude. Para mim foi muito tocante acompanhar o processo e ver muitas vezes as distâncias entre os desejos e as possibilidades de escolhas reais. Daí a importância de projetos como o Lab Semente para dar apoio e ferramentas para que essa juventude possa seguir assumindo o seu lugar de protagonismo, sabendo que não estão só nessa luta”, complementa e finaliza Daniela.