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Pesquisa aponta desigualdade no uso da cannabis na favela

Pesquisa surgiu a partir da análise de famílias periféricas que não conseguem acesso a cannabis se comparadas a famílias de outra classe social

Por Hélio Euclídes

“A corda sempre arrebenta do lado mais fraco.” O ditado popular indica que pessoas com classe social considerada mais baixa em relação à outra são prejudicadas, segundo o site Brasil Escola Uol. Isso é provado quando se realiza estudos sobre políticas públicas que demoram a chegar em favelas e periferias. A organização Movimentos realizou a pesquisa Plantando saúde e reparação: o uso terapêutico da maconha nas favelas do Rio de Janeiro, que mostra a desigualdade social no tratamento. 

O objetivo do estudo foi compreender como os moradores das favelas e periferias do Rio acessam o uso da maconha para fins medicinais em meio à violência de Estado e sua criminalização. O questionamento foi para saber se a favela que sofre com os impactos da guerra às drogas em suas vidas e territórios, por que ela não é incluída nessa discussão pelo viés da saúde?

A pesquisa surgiu a partir de muitas famílias que têm encontrado na maconha o alívio de dores e sintomas para diversas doenças. Para famílias ricas, brancas e de classe média, este uso já é uma realidade. Já para os favelados, há a criminalização e o racismo, que impedem que mais pessoas tenham acesso aos benefícios terapêuticos dessa substância. 

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A pesquisa além de ser um retrato sobre os desafios enfrentados por faveladas e favelados, no acesso à saúde como um direito, é uma chamada para se pensar políticas que reparem os impactos da guerra às drogas. As favelas não podem ficar com a guerra enquanto as classes média e alta, brancas, têm acesso aos potenciais terapêuticos das substâncias psicoativas.

Um debate na favela

A organização Movimentos organizou um debate no Parque União no dia 30 de junho, que reuniu cerca de 50 pessoas. O tema do encontro foi o mesmo da pesquisa Plantando saúde e reparação: o uso terapêutico da maconha nas favelas do Rio de Janeiro. Na mediação Jéssica Souto, coordenadora do coletivo Movimentos, fez a provocação que há uma dívida e precisa ocorrer a reparação sobre a informação e a igualdade. “A pesquisa foi realizada no final do ano passado e discutiu o uso do óleo da maconha, o que é um tabu nas favelas, onde sofremos com a guerra das drogas. O que difere o morador da favela do da classe alta?”

Drogas: Quanto Custa Proibir

Para responder foi apresentado o relatório Drogas: Quanto Custa Proibir, apresentado por Raquel Machado, socióloga e coordenadora da pesquisa. A socióloga enfatiza que a lei de drogas não pensa em quem mais precisa, com impacto na educação. “Cerca de 74% das escolas foram afetadas em 2019 com pelo menos um tiroteio envolvendo operações policiais. Isso afeta a criança e a comunidade escolar. Avaliamos as escolas que há tiroteio no entorno e as que não ocorrem. Nas escolas com tiros podem ter prejudicadas 60% no aprendizado em português, já na disciplina de matemática esse número pode chegar a 100%. As crianças perdem muito, como o sonho e a vida.” Para esse recorte foi utilizado a Prova Brasil. 

Na mesa a opinião de quem faz uso medicinal da maconha, Gisela Lopes, cria da Cidade de Deus, contou que há um alívio das dores e sente melhoria nas condições de saúde. “Eu não sabia mais o que procurar bem-estar. Foram dez anos com a prática do RPG, Yoga, Pilates e outros tratamentos, além do uso de oito medicamentos de tarja preta. Um dia ganhei o óleo e me senti bem. Com indicação após uma consulta, comecei o uso regularmente e estou inteira.”

A visão política foi apresentada por Luciana Boiteux, vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL, advogada e professora de Direito Penal e Criminologia. Ela mencionou que tentou levar a pauta para a câmara, sobre o Dia da Cannabis Medicinal, mas que os vereadores conservadores não permitiram. “Montamos uma comissão para discutir e como provocação. O nosso maior desafio é que o esse tema da terapia medicina seja discutido no Sistema Único de Saúde. Na maioria das vezes são mães brancas que têm acesso à justiça e uma sociedade que ainda persiste com o racismo.”

Boiteux explica que é uma luta das mulheres para conseguir a prescrição médica. Ela também enfatizou que é preciso uma liberação do uso não acompanhada de medicamentos caros. “Temos que enfrentar o conservadorismo e a hipocrisia, de pessoas que usam o medicamento e não falam. Hoje só por meio da associação do uso medicinal que se consegue plantar. Tem que ter uma política democrática para conseguir o acesso. É um medicamento quanto outro, que necessita de preparação.” A vereadora completou que a pesquisa organizada pelo Movimentos vai ser levada à câmara, para um olhar sobre a favela e em especial para as crianças autistas.

O evento de lançamento da pesquisa terminou em clima de festa, com música e um bufê. “Foi muito positivo ver pessoas de outras favelas aqui. O nosso objetivo é comunicar com as favelas. A apresentação da pesquisa é para impactar e pautar políticas públicas para a favela. Nosso objetivo é colocar a favela no debate, para acabar com a exclusão do benefício da liberação da cannabis para uso medicinal”, diz Jéssica Souto, mediadora do evento.

Felipe Bacelar faz sua primeira exposição individual no Museu da Maré

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O artista construiu as colagens, fotos e artes ao decorrer de sete anos, debate sobre ancestralidade e mobilidade urbana no território favelado. A mostra está no Museu da Maré.

“Uma Conexão Maré e Nova Iguaçu” é assim que o fotógrafo e artista Felipe Bacelar de 25 anos define a sua  exposição “Chave de Leitura” que estreia hoje (07/07) no Museu da Maré como parte da exposição temporária. 

O titulo é uma homenagem ao autoconhecimento do artista. Felipe que é cria de Jardim Pernambuco, bairro de Nova Iguaçu na Baixada Fluminense, e conta que as fotografias, colagens e lambe-lambes que compõem a exposição, foram criados a partir da sua experiência se movimentando pela cidade. Muitas vezes de bicicleta. “São processos que foram construídos a partir da minha perspectiva enquanto jovem preto periférico e favelado.”

Felipe Bacelar conta que conheceu a Maré em um passeio de bicicleta de Nova Iguaçu para o bairro, uma distância de 35 km. (Foto: Arquivo Pessoal)

As obras retratam os saberes e as tecnologias ancestrais. O artista ressalta que aprendeu as técnicas usadas na exposição de forma autodidata a partir das trocas de experiências. “Minha exposição é sobre tecnologia, afetividade, reconhecimento e coisas do dia a dia”. Mas além disso, ele que também é formado em fotografia pela Escola de Cinema Olhares da Maré da Redes da Maré, conta que no período de sete anos foi construindo projetos importantes para a sua formação como artista e que a bicicleta é um elemento importante deste processo.

A arte transformou não só a vida profissional de Felipe. A vida afetiva, também foi modificada a partir do “transitar” entre os espaços, ele explica que se construiu, descobriu e se desconstruiu ao decorrer do tempo. Como “falar sobre afetividade a partir de uma perspectiva de um homem cis(gênero) hétero, ir construindo e entendo sobre o amor preto dentro de uma sociedade que nos vê como marginais ou como pessoas que não podem pensar ou distribuir e receber afeto.” exemplifica.

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Chave de Leitura

A exposição “Chave de Leitura” está disponível a partir de hoje até 21 de julho no Museu da Maré – Av. Guilherme Maxwel, 26 – Maré, Rio de Janeiro. A entrada é gratuita e fica disponível para visitação até 04/08. O museu fica aberto para visitas de terça à sexta, de 10h às 17h.

A curadoria é feita por Stefany Silva e a montagem de Antonio Vital dos Santos. Chave de Leitura faz parte das exposições temporárias de artistas mareenses do Museu da Maré.

Um convite para se aprofundar sobre os saberes ancestrais e a relação com os territórios periféricos e a cidade. (Foto: Felipe Bacelar / Arquivo Pessoal)

Cinema Nosso abre inscrições para Laboratórios em Games e Novas Tecnologias

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Oficinas gratuitas estão abertas para todo o território nacional pelo Cinema Nosso

A instituição sociocultural Cinema Nosso está com inscrições abertas para os Laboratórios em Games e Novas Tecnologias. As oficinas são gratuitas e serão realizadas de forma on-line e síncrona, de agosto a setembro, com duração de 21h cada, às terças, no período da manhã ou da noite, para jovens de 16 a 29 anos. As inscrições vão até o dia 19 de julho e podem ser realizadas através do formulário. Ao final, os participantes receberão certificado de conclusão.

As aulas são dedicadas às diferentes áreas de desenvolvimento de jogos digitais, como arte, planejamento, roteirização, programação, som e até divulgação por meio de streaming, contemplando os diferentes aspectos da produção de games. Os cursos serão: Pixel Art, Game Design, Programação de Jogos, Sound Design e Game Streamer.

Segundo a 9ª edição da Pesquisa Game Brasil, realizada pelo SEBRAE e divulgada em fevereiro deste ano, 74,5% dos brasileiros jogam videogame. De 2019 para 2023, a média estimada de alta foi de 7,2%, gerando US$ 204,6 bilhões em arrecadação mundialmente.

“É um fato que a indústria de games digitais movimenta milhões de dólares e, a cada dia, precisa de mais profissionais para atender uma demanda em nível global. Jovens de todo Brasil que se interessam pela área, seja na produção ou na criação de conteúdo, tem aqui no Cinema Nosso uma oportunidade para começar”, comenta Julia Toranzo, Analista de Projetos de Juventudes da instituição.

Ao final dos laboratórios, em setembro, os estudantes irão reunir seus conhecimentos em uma Game Jam – maratona de produção de jogos – onde terão 48 horas para construir um jogo do zero, colocando todo seu conhecimento em prática. O projeto LAB CN – Comunicação e Cultura Digital é patrocinado pela Petrobras, Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro e Governo do Estado do Rio de Janeiro; modalmais, Aegea, TechnipFMC, White Martins, Banco BV, Secretaria Municipal de Cultural do Rio de Janeiro e Governo Federal.

As inscrições podem ser feitas no link: https://forms.gle/9gfaDswTmPFQwra7A até o dia de julho. As aulas começam dia 8 de agosto.

A instituição sociocultural Cinema Nosso é uma escola popular de audiovisual e novas tecnologias que oferece iniciativas para crianças e jovens, com ênfase em programas de empreendedorismo e empregabilidade. A Organização atua com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais e proporcionar experiências de inclusão e tecnologia para a produção de narrativas juvenis, fomentando a cadeia produtiva do audiovisual no Brasil.

Fundado em 2000, a partir da experiência do filme “Cidade de Deus”, o Cinema Nosso é, hoje, um centro de inovação e tecnologia que oferece para crianças e jovens, com ênfase em programas de empreendedorismo e de empregabilidade.

A instituição possui prêmios como o “11th China International Children’s” e o Prêmio “Itaú-Unicef”. Conta também com metodologia premiada e certificada no Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2019, é aliada ao movimento STEAM, aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030 e ao respeito às trajetórias e vivências de todo público em volta da instituição.

O Maré de Notícias acompanhou o Cinema Nosso em outros cursos já concluídos.

A luta histórica pelo direito ao saneamento básico na Maré

Moradores se mobilizam há décadas para garantir saneamento básico (desde o abastecimento de água a coleta de lixo).

Por Shirley Rosendo, Maurício Dutra e Rian de Queiroz(*)

Dia 5 de junho marca o Dia Mundial do Meio Ambiente e as pautas e lutas relacionadas ganham mais espaço na sociedade durante este mês, no entanto, durante todo o ano reforçamos: saneamento básico é um direito. A Lei Federal Nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, Art. 1º, estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Essa lei prevê que todo ser humano tenha acesso à: a) abastecimento de água, b) esgotamento sanitário, e que seu local de moradia possa ter: a) limpeza urbana, b) drenagem urbana, c) manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. 

Esse direito iniciou sua chegada à Maré no final dos anos 1980, como resultado da luta de muitos dos seus moradores, sobretudo mulheres, que no passado tinham que atravessar a Avenida Brasil para buscar água, e em outros momentos tiveram que se organizar para demandar do estado esse direito. 

Porém devido à falta de monitoramento e planejamento do poder público, seja no que se refere à manutenção e planejamento de toda essa infraestrutura que deve garantir o direito ao saneamento, seja no acompanhamento do crescimento populacional, esse direito foi se degradando nesse território. E é nesse contexto, da população pedir ao Estado que este, viabilize seu direito, que surge a Ação Civil Pública (ACP) do Saneamento Básico de Nova Holanda. 

Visita de perito ambiental em maio deste ano para apurar denúncia sobre as redes de esgoto e água | Foto: Affonso da Lua

Juiz aceita denúncia sobre o saneamento básico em Nova Holanda

A ACP do Saneamento Básico de Nova Holanda, trata-se de uma Ação Civil Pública (processo de nº: 0313817-60.2017.8.19.0001), movida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em cobrança ao Município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) e Fundação Instituto das Águas do Município do Rio de Janeiro. “Em março de 2012, o Ministério Público Estadual iniciou investigação através do Inquérito Civil 7083 visando apurar a ausência dos equipamentos de saneamento básico e drenagem de águas pluviais na Comunidade Nova Holanda no Complexo da Maré, Rio de Janeiro – RJ”, é parte do texto da ACP.

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Vale destacar que a ACP é resultado de uma denúncia anônima de um morador à Ouvidoria Geral do Ministério Público em 2012 sobre a situação das questões de saneamento na região da Nova Holanda. Na contrapartida, o Município do Rio de Janeiro e a Rio-Águas responderam no processo, que “a ação deveria almejar a condenação dos ocupantes a demolir as construções, a desfazer o parcelamento do solo e a reparar os danos que causam ao ambiente, à ordem urbanística e a economia da Cidade”. Não sendo o suficiente, ambos consideram que “a ocupação, o parcelamento do solo e as edificações clandestinas – inclusive as que deram origem à Comunidade Nova Holanda foram empreendidos em completa desconformidade com as normas jurídicas pertinentes e precisam ser desfeitas”.

Já a CEDAE, informa que “ todos os logradouros da comunidade da Nova Holanda, nos limites assim entendidos pela CEDAE, possuem redes de esgotamento sanitário (…)  [que] funciona[m] de forma adequada”.

Por fim, o Estado, afirmou que assinou um Termo de Reconhecimento Recíproco de Direito e Obrigações para a prestação de serviços públicos de saneamento básico, no entanto, a prestação integral desses serviços estaria relacionada à pacificação da região. Depois, alega que a CEDAE implantou os serviços de saneamento básico na Nova Holanda e, por último, argumenta que “os denunciantes reclamam dos eventos transbordantes sempre em dias de chuva. Isso ocorre em razão do lançamento indevido, pela população, de detritos nas galerias de águas pluviais, o que contribui decisivamente para o entupimento das mesmas, provocando, pois, o seu extravasamento inevitável quando das chuvas, uma vez que a rede deixa então de trabalhar de forma adequada já que foi projetada para receber, tão somente, águas de chuvas, e não lixo em grande quantidade”.

Neste momento, o processo está na fase de conclusão da perícia. 

A Culpa não é dos moradores

Como se pode notar: o Município, a Rio-Águas e o Estado procuraram se eximir de suas responsabilidades culpabilizando os moradores da região por todos os desafios vividos no cotidiano . No entanto, como pode-se observar no território, em relatos e conversas com os próprios moradores percebemos que não é bem assim.

Foram recolhidos inúmeros relatos que versam sobre algum dos seguintes tópicos:
(1) danos estruturais às casas provocados pelo vazamento de esgoto;
(2) danos à pertences (perdas de móveis e eletrodomésticos);
(3) danos à saúde de moradores;
(4) retornos de esgoto para dentro das residências dos moradores;
(5)  Prejuízo no funcionamento de empreendimento ou estabelecimento comercial;
(6) Danos ao funcionamento de atividades como escolas, unidades de saúde, bibliotecas, atendimento e outros serviços. 

A maior parte dos relatos feitos pelos moradores estão relacionados ao entupimento das redes de esgoto. Dizem que quando chove é pior, pois gera o retorno de esgoto para dentro das casas levando, assim, prejuízos à saúde e prejuízos financeiros com perdas de móveis, roupas e demais pertences. 

Apesar das declarações dos moradores, Rio-Águas afirma que existe rede de saneamento no território | Foto: Affonso da Lua

Outros falaram que quando a rua fica alagada passa a ter dificuldade de acesso para entrar em casa e, muitas vezes, acabam tendo que pisar no esgoto para depois entrar em casa. Além disso, acaba inviabilizando as brincadeiras das crianças na rua devido a essa exposição. 

Vale lembrar que a responsabilidade do abastecimento de água e da coleta do esgoto, na Nova Holanda, assim como em todo o conjunto de 16 favelas, antes da CEDAE, agora é da Águas do Rio. A COMLURB é responsável pela varrição e recolhimento do “lixo”. Por último, mas não menos importante, a Prefeitura é a responsável pela drenagem da água da chuva. Ou seja, são serviços públicos, ou concedidos a empresas que prestam serviço à sociedade. 

Mobilização para produção de evidências: 

Para compreender as narrativas declaradas de CEDAE e a Rio-Águas, que por um lado culpabiliza o morador e por outro afirma a existência de saneamento básico, com o cotidiano que aponta a ausência e precarização deste direito, o Eixo de Direitos Urbanos Socioambientais da Redes da Maré, foi às ruas da Nova Holanda buscando entender a dinâmica do esgotamento da região.
O diagnóstico preliminar tinha como objetivo:
a)  uma vistoria a cada boca de lobo e bueiro da Nova Holanda para averiguar suas condições gerais de conservação;
b) identificar possíveis entupimentos e presença de lixo nos arredores ou dentro das galerias. A vistoria deveria ocorrer em período seco (sete dias sem chuva) e em tempo chuvoso (em menos de 24 horas após cair chuva), para entender a dinâmica dos entupimentos e alagamentos. 

Ao sair às ruas, porém, percebeu-se muitas calçadas e pedaços de ruas – ou mesmo ruas inteiras – úmidas ou cheias de poças, mesmo após semanas inteiras de sol forte de verão, indicando possíveis vazamentos de esgoto constante e ininterrupto.  Segundo as pessoas que fizeram essa “ronda”, o que aparentava era  que o esgoto “minava” por debaixo das casas e emergia nas calçadas e ruas. Em algumas áreas mais críticas, como a Rua do Canal, entre Nova Holanda e Rubens Vaz, e as ruas perpendiculares à ela, não foram poucas as calçadas tomadas por lodo escuro e com mau cheiro.

As evidências apontaram para um dano na própria rede coletora de esgoto da região. As mesmas características foram percebidas em outras áreas, indicando um problema mais estrutural e profundo na rede drenagem da Nova Holanda: por ser interligada, os danos apresentados em pontos específicos significam problemas em toda a  rede. A hipótese é que as canalizações implantadas na década de 80, seja por mau planejamento seja por falta de manutenção, não dão conta da demanda de esgoto atual.

Lei prevê que todo ser humano tenha acesso a saneamento básico | Foto: Affonso da Lua

Em conversas com moradores, alguns inclusive que presenciaram o período de implantação das canalizações, os mesmos confirmaram essa suposição e garantiram que o material e o diâmetro dos canos estão aquém do necessário: se já na época de implantação geraram dúvidas, sua não substituição e atualização ao longo dos anos precarizou ainda mais a situação. 

As observações nas ruas aliada à escuta dos moradores contradizem o senso comum que responsabiliza individualmente o morador pelos alagamentos, entupimentos ou vazamento de esgoto. Anterior a qualquer modificação feita pela população local para sanar os problemas a rede já estaria comprometida, pois não foi planejada para suportar o crescimento da demanda. Situação que se agrava com a falta de manutenção sistemática do poder público – quando há intervenções, costumam tratar de problemas meramente pontuais. A consequência da ineficiência do poder público e dos órgãos competentes é o vazamento constante de esgoto, causando danos de diferentes tipos aos moradores, retorno de esgoto para as casas e alagamentos em períodos de chuva. Ou seja, por sua natureza pública, tanto o problema quanto sua solução não podem ser responsabilidade individual do morador. 

Uma pessoa morre e três ficam feridas em 15ª operação policial na Maré

Cerca de 5 mil atendimentos médicos são cancelados e pelo menos 13729 alunos ficam sem aula na Maré nesta terça 

O dia dos moradores da Maré foi iniciado nesta terça-feira, 4 de julho, com a 15ª operação policial do ano. Às 5:20h da madrugada, disparos de tiros, veículos blindados da polícia militar e um helicóptero da polícia civil interromperam o cotidiano dos moradores de parte das favelas do conjunto – da região que vai do Conjunto Esperança à Baixa do Sapateiro. 

Além dos danos e impacto no cotidiano dessas milhares de pessoas, até o momento do fechamento dessa matéria, foram registradas três pessoas baleadas, entre elas uma mulher de 46 anos e um jovem de 18 anos, morto. Uma mulher grávida que estava nas proximidades da região também foi atingida e foi levada para o Hospital Getúlio Vargas, na Penha.

Direitos violados:

O direito à educação também é, mais uma vez, bruscamente violado no Conjunto de Favelas da Maré. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Educação, 39 unidades escolares suspenderam as atividades nesta terça-feira, impactando 13729 alunos. Não foi possível contabilizar o número de alunos que também são impactados ao não conseguir acessar unidades escolares fora da região, além das unidades de ensino privado do território e as atividades educacionais que acontecem em diversas organizações sociais na Maré.

As clínicas da Família Augusto Boal, Adib Jatene, Jeremias Moraes da Silva e o Centro Municipal de Saúde Vila do João acionaram o protocolo de acesso mais seguro e também suspenderam o funcionamento na manhã desta terça-feira. Cada uma dessas unidades de saúde recebem, a média de 1200 a 1500 atendimentos diariamente. 

A operação conta com equipes do Comando de Operações Especiais, que abriga o BOPE, O BAC, o BPCHOQUE e o GAM , que apoiam a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), da Polícia Civil. Não há informação oficial sobre a motivação da mesma. No entanto, veículos de comunicação informaram que o motivo da operação foi cumprir mandados de prisão.

Manobras para desrespeito a determinações federais:

Na segunda semana de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Edson Fachin, reafirmou a obrigatoriedade da instalação de câmeras em uniformes dos agentes policiais de todos os batalhões de polícia do estado do Rio de Janeiro. No momento, o governo do estado informou em nota ao Maré de Notícias que iria cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal dentro dos prazos estabelecidos pela Corte, que se encerrou no último dia 23 de junho. No entanto, na operação policial desta terça-feira, não foram identificadas câmeras acopladas nos uniformes dos agentes que circulam o território. Ambulâncias para socorro a possíveis vítimas também não foram identificadas.

Também nesta terça, o governador do estado do Rio de Janeiro publicou o decreto 48.585, que cria novas regulamentações para o compartilhamento e os pedidos de acesso aos dados e imagens produzidas pelas câmeras.  No início do ano, Castro chegou a afirmar que “recorreria até o fim” da decisão do plenário do STF que determinou a instalação das câmeras em todas as unidades das forças policiais, sem exceção. 

A Redes da Maré publicou uma nota sobre A falta de legalidade das operações policiais no Rio de Janeiro, em resposta à operação policial desta terça-feira, 4 de julho.

Desafios no ensino de altas habilidades

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Álvaro Melo (7) e familia, moradores Vila dos Pinheiros, trilham a luta por adaptações no ensino ideal para o menino

Editada em 05/07/2023, às 07:45h

A Educação para alunos com altas habilidades é prevista por lei no Brasil, mas a realidade para o acesso a esse direito é bem diferente. Embora a Maré tenha 49 escolas, não há registro de núcleos especializados em alunos com altas habilidades e superdotação. O direito à Educação na favela foi tema neste mês de junho no 4° Seminário de Educação na Maré. São muitos os atravessamentos que os estudantes de favelas lidam diariamente, contudo, os que tem desafios como o de altas habilidades lidam no cotidiano com ainda mais entraves.

Álvaro Melo tem 7 anos, é autodidata e aluno da rede municipal de ensino. Aos 4 anos de idade já apresentava características de superdotação, quando aprendeu a ler sozinho, em casa, em apenas 15 dias. De acordo com a mãe, Priscila, a surpresa e felicidade pela habilidade do filho também trouxe grandes desafios: “Nessa fase, aos 4 anos, ele começou a ver hora em relógio analógico, a se interessar por línguas estrangeiras, por robótica, programação, xadrez e construção de games. Só que isso passou a ser um problema devido à falta de recursos e de acesso, principalmente em ambiente escolar em que toda a equipe desconhecia o proceder em casos de altas habilidades e superdotação (AH/SD). Desconheciam até mesmo o que realmente são altas habilidades e quais são os indicadores e comportamentos a serem observados”, contou.

A psicóloga e integrante do Conselho Federal de Psicologia, Izabel Hazin, conta que as características comportamentais são envoltas em muitos mitos e isso dificulta a vida da criança, como por exemplo, de que pessoas com altas habilidades conseguem fazer tudo sozinha sem um ambiente adequado. De acordo com Hazin, existem três grandes fatores a serem observados no aluno com altas habilidades: o envolvimento muito grande com as tarefas, a criatividade e o desempenho em alguma área do conhecimento acima da média: “É importante destacar que quando falamos de altas habilidades, não estamos falando só de desempenhos ligados às disciplinas escolares. Esse desempenho acima da média pode ser em áreas como esporte, música e artes. As altas habilidades não significam nota 10 em tudo ou que o aluno seja um nerd. Esse pressuposto social pode gerar desafios e sofrimento para criança”.

Izabel Hazin diz que a sociedade pode afetar negativamente as crianças com altas habilidades:

“Esse desenvolvimento que é qualitativamente diferente vai depender muito de como o ambiente sociocultural lida com essa forma atípica de ser e estar. Na maioria das vezes, o sofrimento causado na criança é construído pela sociedade cheia de expectativas e com rótulos do senso comum”.

Izabel Hazin, psicóloga

A psicóloga continua e aborda o papel da instituição educacional nesse processo: “Cabe à escola lidar com a diversidade social e dessa aprendizagem distinta. Essas crianças seguem caminhos alternativos para resolução de problemas e o ensino rígido exige que eles sigam um percurso tradicional sem considerar as altas habilidades e especificidades daquela criança.” 

Assim como a psicóloga enfatiza a importância do ambiente adequado para desenvolver as altas habilidades, Priscila luta todos os dias para que a rede municipal de ensino garanta o direito à educação especial do pequeno Álvaro:

“Ao invés de disponibilizarem profissionais especializados nas áreas em que ele demonstra habilidades e interesses, disponibilizaram alguns atendimentos semanais com Agente de Apoio à Educação Especial (AAEE), que é um profissional de nível médio cujas atribuições do cargo se limitam a cuidados e higiene de crianças com deficiências. E é óbvio que se nem professores com formação superior estão conseguindo dar conta de acompanhar o ritmo de raciocínio do aluno com altas habilidades e superdotação, não vai ser o Agente de Apoio à Educação Especial de nível médio que irá”

Priscila Melo, mãe Álvaro Melo, estudante com altas habilidades

A família acionou a Defensoria Pública para que haja sala de recursos específica com equipamentos e profissionais especializados, além da aceleração de série de forma adequada. Também acionaram o Ministério Público e o Conselho Tutelar, que acolheram a família a recorrer ao Ministério dos Direitos Humanos. Porém não houve atualização do caso até o presente momento.

Diante da situação, os familiares de Álvaro decidiram, por conta própria, pela Educação Domiciliar. Após três anos fora do ambiente escolar, Álvaro retornou a escola por solicitação da Defensoria, mas as condições de aprendizagem já fazem o aluno cogitar a evadir novamente. Cabe dizer que a educação domiciliar não é regulamentada no Brasil e a educação escolar é obrigatória para a faixa etária de 4 a 17 anos.

Atualização (05/07/2023, às 07:45h):

A Secretaria Municipal de Educação, informou para o Maré de Notícias, em nota, “que o material pedagógico de Adriano foi encaminhado ao Instituto Helena Antipoff pela equipe escolar e validado pela professora pós-doutora em altas habilidades, Jacqueline Mac Dowell”.

A responsável pelo aluno compareceu ao Instituto Helena Antipoff para uma reunião com a equipe da Sala de Recursos de referência em altas habilidades e superdotação, onde manifestou o desejo de oferecer outros estímulos ao aluno.

Foram mencionadas opções como as Naves do Conhecimento, o Laboratório de Robótica da UFRJ especializado em altas habilidades, bem como a participação em atividades de xadrez (incluindo campeonatos) e aulas com abordagem STEAM e cultura maker a partir de agosto, as quais, essas últimas, a responsável manifestou interesse. Um encontro está agendado para a segunda semana de julho, com a professora da Sala de Recursos da unidade, para acompanhamento e planejamento do segundo semestre. Por fim, o Instituto Helena Antipoff afirmou, por meio da secretaria, que está acompanhando e orientando o trabalho realizado pela Sala de Recursos onde Adriano é atendido.