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Capoeira raiz de luta e cultura na Maré

Arte é mistura de ritmo, canto e resistência contra a opressão e preservação da história

Edição #163 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

A Capoeira é uma manifestação cultural afro-brasileira e estima-se que seja praticada por mais de 6 milhões de pessoas em todo o mundo, mas, nem sempre foi assim. Criada por africanos escravizados e seus descendentes, a capoeira foi estigmatizada e até 1937 era proibida no Brasil. 

 Foi necessário muita luta e ginga para que a capoeira fosse considerada cultura e reconhecida, em 2014, como patrimônio cultural imaterial da humanidade, pela UNESCO.

África-Brasil

A capoeira chega ao Brasil por meio do ritual do engolo (ngolo), realizado por povos do sul de Angola, na África. Mais de meio milhão de homens e mulheres das regiões do Congo-Angola foram traficados para o Brasil, trazendo junto com eles a própria cultura.

A capoeira surge como uma das formas de lutar e resistir, mantendo a cultura viva. Ela foi “disfarçada” de dança de roda, para não chamar atenção: é por isso que, no centro, duas pessoas disputam e dançam, ao som de palmas e de instrumentos, como berimbau, reco-reco, agogô, atabaque, chocalho e pandeiro.

Capoeira Maré

Dia 3 de agosto é comemorado o Dia do Capoeirista e, recentemente, um capoeirista mareense foi destaque em um reality show nacional. O professor Lucas Henrique mostrou para todo o Brasil que a capoeira ocupa um importante espaço na vida dele: 

Um dos capoeiristas pioneiros é Vicente Ferreira, o Mestre Pastinha, nascido em 1889, um ano depois da abolição de 1888. O mestre era defensor da preservação da Capoeira Angola, conhecida como capoeira mãe, pelo resgate de movimentos tradicionais, executados perto do solo e com uma mistura de jogo, canto, toque e história. Ele considerava a capoeira como a luta dos excluídos e explorados.

Na Maré, o defensor dessa linha é Manoel Lopes, o Mestre Manoel, de 62 anos. Em 1994, começou a trabalhar no território e fundou o Grupo Capoeira Ypiranga de Pastinha, na ocupação Portelinha, no Morro do Timbau. Ele conta que seu trabalho é focado na arte, educação e conscientização. 

“Quando cheguei na Maré as mulheres não queriam cabelos crespos e nem serem identificadas como negras, mas sim mulatas, sem saber o verdadeiro significado dessa palavra”, destaca. Mestre Manoel defende que os alunos dele sejam cidadãos políticos e não apenas lutadores. 

“Tem que ser mandingueiro, tendo jogo de cintura para sobreviver. A capoeira precisa resgatar que o povo preto foi escravizado e teve uma falsa liberdade, assinada a lápis. Os meus alunos precisam compreender que há uma ausência de políticas públicas, que tudo foi negado aos afrodescendentes e povos originários. Hoje, não somos escravos do colonizador, mas sim do sistema, que por meio de operações policiais na favela, tenta o extermínio do povo preto. A verdadeira história do Brasil foi apagada, de que a miscigenação foi forçada”, enfatiza.

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Expressão da liberdade

Há 50 anos morria Manoel dos Reis Machado, Mestre Bimba. Ele fundou a capoeira regional, no final da década de 1920, e foi o primeiro capoeirista a dar aulas em local fechado. À época, um divisor de águas, pois ao sair da rua, diminuíram as perseguições policiais. Em 1953, Mestre Bimba promoveu uma apresentação para o então presidente Getúlio Vargas.

Admirador do Mestre Bimba, Iranildo Batista, o Mestre Yrann, de 64 anos, da Associação de Capoeira Kapoart, há 50 anos pratica a arte. Ele lembra que o primeiro berimbau que teve foi feito com cabo de vassoura e lata de leite e, os treinos, eram na Associação de Moradores do Parque União, com Mestre Silas. 

“Eu era esforçado, pois arrumava tempo entre o estudo e o trabalho. Aprendi que a vida é a maior expressão de liberdade e que a capoeira se compara a ela. Que a palavra capoeira deriva de um vegetal do mesmo nome e da resistência dos negros contra os açoites.” 

O irmão dele, Ivanildo Batista, de 64 anos, o Mestre Mano, começou a prática da capoeira na Bahia e deu continuidade à cultura também no Parque União. “O conhecimento ninguém tira da gente, ano que vem completo 50 anos de capoeira. Um diferencial é que desde de 2019, atuo na Capoeira Viva Para Cristo, onde realizo um trabalho missionário no qual levo o evangelho através da arte”, diz. 

Para todos e todas

Para quem acha que a capoeira é um mundo masculino, está enganado. Maria Cleide, de 56 anos, a Mestre Cleide, do Grupo Terra, de Olaria, é viúva de um dos maiores mestres da cidade do Rio de Janeiro, o Mentirinha. Ela exalta a força da mulher que precisou conquistar o seu espaço. 

“Só há 20 anos que conseguimos aparecer, pois antes era muito complicado, até pegar um berimbau era difícil. Hoje somos muitas”, garante.

Tetracampeão

Um dos capoeiristas mais antigos da Maré é Jorge Roberto, o Mestre Crioulo, de 70 anos. Ele começou na capoeira aos 10 anos, ainda na época das palafitas. 

“Só tinha uma televisão na rua e assisti o filme: O pagador de promessas, onde tinha uma roda de capoeira. Decidi que queria isso para minha vida. Meu pai era contra, pois associava a ser vagabundo, então, tive que aprender lendo o livro Capoeira Sem Mestre”, conta. 

O pai de Crioulo descobriu o que o filho fazia através do jornal, que trazia ele na manchete e na foto, com o título de primeiro campeão brasileiro da modalidade. “Os vizinhos deram parabéns e meu pai acabou aceitando, então, repeti o feito de campeão em 1975, 1978 e 1981. Conheci o mundo através da capoeira, mostrando que o gol é demonstrar que sabemos bater, mas que a arte é não machucar”.

Novas vozes na Capoeira

Apesar de legalizada e premiada, a capoeira e os capoeiristas não deixaram de encontrar dificuldades para manter os grupos. Ainda assim, o que mantém a arte forte e viva nesses muitos séculos, é a renovação das lideranças e dos mestres.

Entre um golpe e outro, além de alunos, já aparece lideranças jovens no meio de saltos. Entre essa juventude se encontram dois irmãos: os mestres Jacaré e Crocodilo. 

Sérgio Inácio, de 36 anos, o Mestre Crocodilo, fundador do Grupo Maré de Bamba, respira o gingado da capoeira há 22 anos, ao lado do irmão, Mestre Jacaré. Ambos vieram da Paraíba para a Maré, e Sérgio confessa que, ao chegar, teve um choque com a cultura carioca. Para aliviar a ansiedade e a saudade, encontrou na capoeira um estilo de vida. 

Ele conta que seu maior encanto é ensinar o que aprendeu com outros mestres. Por isso, já deu aulas em escolas e creches e criou o grupo que, atualmente, ocupa o Museu da Maré. 

“Isso é preservar a cultura! Com respeito, tento repassar o que aprendi”, conclui.

Favela Olímpica: atletas medalhistas da Maré inspiram novas gerações do esporte

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A emoção inexplicável de quem já competiu nas Olimpíadas e a esperança dos sucessores

O mundo vivenciou a 33ª Olimpíada, que aconteceu em Paris, na França. Agora nas atenções se voltam para os Jogos Paraolímpicos, disputados por atletas com deficiências motoras, visual ou intelectual de várias modalidades, representando o seu país e tentando levar para casa uma medalha no peito. Quem já participou das Olimpíadas, maior competição esportiva do planeta, afirma que é uma emoção inexplicável.

Nova Holanda olímpica

Dizem que o atleta precisa não só correr atrás do que almeja, mas correr na frente. Foi o que fez o ex-atleta olímpico Robson Caetano, de 59 anos, que deu seus primeiros passos na Nova Holanda. Ele se tornou recordista sul-americano dos 100 metros rasos e participou de quatro edições olímpicas, trazendo duas medalhas para o Brasil.

“Nasci na rua F e tenho orgulho disso. Estou há mais de 20 anos aposentado das pistas, mas não deixo de levar o que aprendi a todos. É muito bom ver as sementes que plantamos”, comenta.

Outro que não esquece suas raízes é o ex-pugilista Roberto Custódio, de 37 anos, também da Nova Holanda. Ele construiu a trajetória esportiva na instituição Luta Pela Paz e hoje é o coordenador esportivo. Roberto foi medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2013 e competiu nos Jogos Olímpicos de 2012: 

Felipe Gomes tem 38 anos e vai para quinta Paralimpíadas, na classe T11, para deficientes visuais. O cria da Nova Holanda reclama que o maior peso é que o Brasil é o país do futebol e não do atletismo. “E quando é Paralímpico, ainda é pior, [porque patrocinadores] não desejam associar a marca a pessoas com deficiência. No Brasil, depois de 2016, o incentivo para o esporte de modo geral piorou. Muita coisa se perdeu, são muitos elefantes brancos pela cidade. A gente tem a esperança de que as coisas venham melhorar por meio de projetos sociais, das vilas olímpicas e das escolas”.

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Pensar o futuro

Felipe Oliveira, de 24 anos, ex-boxeador, criou o trabalho social gratuito da Escola de Boxe Havana, em uma praça do Conjunto Esperança. O projeto hoje já conta com três núcleos na Maré e mais de 100 alunos. 

“Acredito que o sonho de todos da minha equipe são as Olimpíadas, mas são muitas etapas, uma estrada longa. Formar o favelado é mais difícil, pois não temos ajuda governamental. Os equipamentos são caros, por isso precisamos de apoio. Mas não vamos desistir, pois como numa luta, o impossível é questão de opinião”, ressalta.

Um dos destaques do projeto é Cauã Kabriel, de 14 anos. Ele assegura que o boxe é essencial para a vida dele. “Eu tinha muita distração e o boxe trabalha a mente e a concentração, dessa forma, eu evoluí no esporte. No ringue aprendi a ter disciplina, algo que levei para a casa. Eu me vejo um vencedor! Quem sabe um dia chego às Olimpíadas, mas também quero passar a outros da favela o que aprendi, de que o talento está dentro da gente, só precisa de quem nos apoie e incentive”, afirma.

Kaillany Melo, de 15 anos, é atleta de jiu-jitsu, mas vem se destacando também na modalidade luta olímpica (greco-romana, livre e luta feminina). Ela é atleta da instituição Luta Pela Paz e do projeto Tijolinho, na Nova Holanda. Campeã brasileira, conseguiu conquistar o auxílio da Bolsa Atleta. Kaillany classificou-se para a seletiva dos jogos Pan-Americanos, mas por problema no passaporte, perdeu a vaga. “No caminho se encontra dificuldades, mas não se pode desistir. Sei que hoje tenho uma representatividade feminina”, resume.

Narrativas ancestrais e lendas folclóricas preservam a memória da Maré

Iniciativas na Maré propõem diferentes formatos para manter viva as histórias e o conhecimento dos mais antigos

Edição #163 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

Saci-pererê, Cuca, Curupira, mula sem cabeça, boto, Iara, boitatá, caipora, são alguns dos personagens do folclore brasileiro, celebrado em 22 de agosto. Mas, a Maré, também tem as suas próprias lendas: a figueira mal-assombrada, o ensopado de cobra, a festa do casamento nas palafitas, o porco com cara de gente, o lobisomem da Nova Holanda, a história da criação do bloco Mataram Meu Gato, entre outras. 

Lendas são narrativas de histórias que passam de geração em geração, geralmente, de forma oral. Mas atualmente, para manter as histórias vivas, pessoas têm se dedicado a passar essas narrativas para o papel ou para as telas. 

É o caso do filme Contos da Maré (2014), do diretor Douglas Soares, e do livro Lendas e Contos da Maré (2003), que relatam histórias contadas pelos primeiros moradores do território e se tornaram um documento de saberes dos mais antigos. Ambos podem ser acessados online gratuitamente.

Valorização

O livro foi utilizado em 2023 por duas escolas da Maré, que realizaram eventos em que alunos e professores se debruçaram sobre as histórias. Foi o caso do Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA-Maré) que realizou um Chá Literário recheado de memórias e conhecimento.

A professora Alaíde Biscácio apresentou com a turma o conto A Festa de Casamento nas Palafitas. O relato destaca uma festança com direito a dança, que é interrompida quando as tábuas das palafitas se quebram, e os convidados vão parar no mangue. “O evento trouxe a memória de histórias que me contavam a beira da fogueira, quando eu tinha oito anos. Alguns personagens, eu cheguei a conhecer. Essas histórias trazem recordações da maresia do local. Naquele tempo, tinha os causos de animais, como o felino do Mataram Meu Gato”, lembra.

Já a Creche Municipal Vila Pinheiro colocou no projeto pedagógico da escola as histórias que as avós contavam sobre a Maré. A mostra teve a peça: Maré, um Musical, que mostrou a valorização local com o mapa do território trabalhado com as crianças e o folclore voltado para o território. 

O objetivo da encenação foi falar da história local e envolver o morador na construção da Maré.

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Continuidade

O grande medo é o espelho se quebrar, ou seja, quando um mais velho morrer, levar com ele o conhecimento dessas lendas, sem que o mesmo seja passado aos mais jovens. Pensando na circulação desse conhecimento, foi criado o projeto Saberes Ancestrais, da Casa Preta, projeto da Redes da Maré. O projeto já se encontra na 3ª edição, com duração de seis meses em cada etapa. São oficinas que visam criar um diálogo entre pessoas do território que possuam conhecimentos das artes, cultura indígena ou plantas medicinais, entre outras. 

“Nosso trabalho é exportar esse conhecimento para outros grupos específicos, como escolas e o grupo sócio educativo da Maré. Com esses caminhos da educação mudamos nossas práticas, pois a história possibilita a construção de novas narrativas”, conta David Alves, mobilizador do território e coordenador da oficina Saberes Ancestrais. O projeto resgata a resistência e as práticas ancestrais, levando essa memória à juventude. O resultado é uma troca de aprendizado, de vivências e lutas. 

Da Escola Bahia às 50 escolas: o impacto da mobilização comunitária na educação na Maré

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A mobilização e articulação dos moradores e movimentos sociais tiveram um papel crucial na atual configuração da educação no conjunto de favelas

Edição #163 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

Henrique Gomes 

“Aqui na Favela da Baixa do Sapateiro, só ouvimos falar de Juscelino e Jango. Todos vão votar neles, pois prometeram atender às nossas reivindicações. Eu não sei ler, mas não podem me tirar o direito de reclamar ou pedir medidas de salvação para os moradores desta favela, principalmente para as crianças. Eu não posso votar, mas posso lutar para que J-J instalem escolas para nossos filhos.” 24 de setembro de 1955 – Jornal Imprensa Popular

A mobilização e a participação popular pela educação sempre foram almejadas pelas classes populares, como exemplificado no trecho acima da matéria escrita pelo jornalista Diógenes da Costa, com a fala de Dona Maria José Marques, moradora da Favela da Baixa do Sapateiro. Esse exemplo de mobilização mostra a importância daquela população num período em que as pessoas não alfabetizadas não tinham o direito de votar, o que só aconteceu a partir de 1985.

Em 1955, ano da matéria, o Conjunto de Favelas da Maré ainda não era formalmente um bairro e, naquela década, o entorno da Maré contava apenas com uma unidade escolar: a Escola Bahia. 

Atualmente, as favelas da Maré contam com 50 escolas públicas, sendo 46 municipais e quatro estaduais, onde estudam 17.355 alunos na rede municipal e 2.457 na rede estadual, num total de 19.812 estudantes (Censo Escolar 2013). Ao longo de todos esses anos, a mobilização e articulação dos moradores e movimentos sociais tiveram um papel crucial na atual configuração da educação no conjunto de favelas. Não apenas pela quantidade de escolas, mas, sobretudo, pelas relações estabelecidas entre as escolas e a comunidade. 

Educação e samba

Uma das primeiras escolas do Conjunto de Favelas da Maré foi a Escola Nova Holanda, criada junto com o Centro de Habitação Provisória da Nova Holanda, em 1962. A instituição, por muitos anos, foi o ponto de referência do Estado no território, funcionando como ponto de campanha de vacinação, até um dos primeiros espaços de alfabetização de jovens e adultos, organizado em conjunto com a Associação de Moradores da Nova Holanda na época.

Em uma matéria de 1984 do jornal O Globo, a professora Ivanise, narra a relação dos alunos com a Escola Nova Holanda e o bloco carnavalesco da comunidade: o Mataram Meu Gato.

“’Escola também ensina a ler com atabaques e tamborins.’ Ivanise conta que sabia ser necessário procurar um caminho novo e começou a perguntar qual seria ele para seus alunos. ‘Eu já tinha percebido’, conta, ‘que a música, principalmente o samba, era muito importante para todos eles, que saíam no bloco ‘Mataram meu gato’. Passavam horas cantando sambas-enredo ou batucando nas carteiras.’ A professora, que prestava atenção aos alunos em busca de algum caminho, pediu então que eles levassem para a escola alguns instrumentos.’” 08 de abril de 1984 – Jornal O Globo

Novo modelo

A partir da eleição vencida por Leonel Brizola para governador do estado, em 1982, uma das principais iniciativas daquele governo foi a implantação do novo modelo de educação baseado no Centro Integrado de Educação Pública (Ciep), popularmente apelidado de Brizolão. O equipamento contava com uma estrutura de funcionamento para manter os alunos em tempo integral na escola.

Na Maré, foram construídos sete CIEPs que, durante muito tempo, foram a porta de entrada para a educação infantil e para múltiplas atividades comunitárias. Um exemplo foi a organização de um ciclo de debates realizado pela Associação de Moradores da Nova Holanda junto à direção da escola na época:

“A favela organizou até o ciclo de Debates ‘Nova Holanda Reflete’ – na verdade uma retrospectiva dos melhoramentos conseguidos na favela através da Associação de Moradores, com uma avaliação dos problemas da comunidade.” 09 de junho de 1988 – Jornal do Brasil

No contexto das iniciativas de mobilização ambiental e educacional no Rio de Janeiro, a Favela da Maré se destaca como um exemplo de inovação e participação comunitária. Em 1992, o Ciep Gustavo Capanema, localizado na Vila do Pinheiro, implementou um projeto pioneiro de coleta seletiva de lixo. A iniciativa se destacou pelo impacto causado dentro da comunidade e o papel que teve na promoção da educação ambiental, evidenciado no trecho da matéria a seguir:

“Uma das iniciativas pioneiras de coleta seletiva de lixo no Rio de Janeiro, que vem influenciando outras unidades, começou no ano passado, no CIEP Gustavo Capanema, na Favela da Maré. Ali, como parte de um projeto de fazer uma educação participativa, estudantes, pais de alunos e professores têm realizado o trabalho com excelentes resultados.” 02 de fevereiro de 1992 – Jornal O Globo

Comunidade na escola

Da importância da construção participativa dentro da escola, Amarildo Baltazar, que foi agente de educação na Associação de Moradores da Nova Holanda durante os anos 1980, participou da construção de uma cartilha para as creches comunitárias, falando da importância do conhecimento e experiência das crianças das favelas, como aparece na matéria sobre o lançamento da cartilha:

“Voltado para o professor, o trabalho preocupa-se em garantir o acesso das crianças ao conhecimento teórico, sem menosprezar sua cultura e saber próprios. Para Amarildo, a escola tradicional subestima os conhecimentos das crianças, principalmente as das classes populares, com métodos e elementos pedagógicos alheios a seu cotidiano.” 11 de outubro de 1992 – Jornal O Globo

Mais recentemente, o fórum das 16 associações de moradores da Maré, produziu um documento diagnóstico com as demandas do conjunto de favelas chamado: “A Maré que Queremos“, construído com dados e informações levadas ao prefeito Eduardo Paes, na época da construção do Campus Maré – tendo como base este documento. 

As iniciativas na atualidade ajudam a fortalecer a educação na Maré, como a Carta da Educação construída durante o Seminário de Educação – que reivindica a importância de ter uma CRE (Coordenação Regional de Educação) somente para a Maré – uma luta das escolas do conjunto de favelas. 

Em ano olímpico, Maré segue em busca por mais investimentos no esporte

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Atletas driblam desafios para sobreviver das modalidades esportivas

Em ano olímpico, os holofotes se voltaram para as modalidades esportivas e, a falta de investimentos no esporte no Brasil é um debate comumente levantado nessa época. Nas olimpíadas, Brasil ficou na 20ª posição com 20 medalhas conquistadas, sendo três ouros, sete pratas e 10 bronzes. Já nas Paralimpíadas, que só acabam no próximo dia 8, Brasil ja ocupa a sexta posição com 50 medalhas sendo 14 ouros, 12 pratas e 24 bronzes. Após o atleta brasileiro de decatlo José Fernando Ferreira, conhecido como Balotelli, afirmar não ter recebido um material adequado à quantidade de provas que disputa, a discussão voltou a ganhar força durante os jogos olímpicos. 

A primeira Vila Olímpica da cidade do Rio de Janeiro foi inaugurada na Maré, a Vila Olímpica Seu Amaro, em 1999. O equipamento sócio desportivo da prefeitura possui 25 atividades gratuitas como ginástica, natação e jiu-jitsu e juntamente com o Luta Pela Paz, instituição que atua há 24 anos na Maré, são os principais formadores de atletas do território. 

Ao Maré de Notícias, Roberto Custódio, coordenador de Projetos da Luta Pela Paz, conta que os projetos esportivos sociais são os meios formativos para desenvolver e apoiar jovens talentos, mesmo sem ter o alto rendimento como uma meta: “A vivência esportiva e o alto rendimento são formativos, e que para além das práticas físicas, extraindo as habilidades e competências para vida, como os valores e suas intencionalidade pedagógica”, explica. 

Embora a história desportiva na Maré seja marcada por pioneirismos, outro fator importante desafia a juventude que enxerga no esporte uma forma de sobreviver às violações de direitos e desigualdades sociais. Segundo a 7ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, produzido pela Redes da Maré e publicado em março de 2023, em 2022 ocorreram 27 operações, deixando a Vila Olímpica fechada por quase um mês. Este ano já foram mais de 20 incursões policiais no território. 

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Cadê o investimento na base?

Poucos dias antes do início dos Jogos Olímpicos de Paris, uma pesquisa do Serasa, realizada em todo o Brasil, revelou que a maioria dos atletas brasileiros não têm condições financeiras para seguir na carreira. O estudo constatou que 74% dos esportistas não contam com nenhum tipo de apoio financeiro ou investimentos. E quando o recorte é em espaços de favela, a situação é ainda mais preocupante.

Para Roberto, o acesso ao esporte está cada vez mais restrito: “A falta de investimentos no trabalho de base e de melhores estruturas para os demais esportes ainda deixa muito a desejar. O esporte está cada vez mais elitizado, onde quem tem um poder aquisitivo consegue acessos que outros(as), até talentosos (as), encontram muita dificuldade ou nem chegam”, afirma.

Em recente entrevista ao SporTV, após conquistar o pódio inédito na Marcha Atlética para o país, Caio Bonfim desabafou sobre a situação dos atletas brasileiros: “”Eu brinco que o Brasil tem dois esportes: o futebol e o outro é o que está ganhando. Então, se você quer aparecer, tem que estar no outro que está ganhando. Agora, somos medalhistas olímpicos. Tomara que essa medalha possa abrir portas e ter investimento”, conta. 

Apesar da dificuldade, Caio faz parte do grupo de atletas com apoio financeiro do governo federal, o Bolsa Atleta. Embora passados 14 anos sem reajuste, os valores atuais do Bolsa Atleta ainda demonstram a urgência de maiores investimentos no esporte brasileiro. O valor destinado aos atletas de base e aos atletas de alto rendimento compromete o desenvolvimento do esporte de base no país. Enquanto um atleta olímpico recebe cerca de R$ 3.400, um atleta de base, que está iniciando sua carreira, recebe apenas R$ 410. 

A cria da Maré, Rebeca Lima é atleta da seleção brasileira de boxe. Com a realidade semelhante à da maioria das crianças mareenses, sua mãe trabalhava e para ocupar o tempo, matriculou a pequena Rebeca na Vila Olímpica Seu Amaro. Na ciclovia ali perto, ela viu outras meninas treinando boxe, ficou encantada e iniciou na modalidade aos 7 anos na Luta Pela Paz. Ela conta que o começo é muito difícil para a base:

“Outro momento complicado é a transição de atleta juvenil para atleta elite. Quando você cresce, você se vê em uma posição em que precisa trabalhar, treinar ou estudar e treinar. Tem a necessidade de fazer renda e muitas vezes a galera desiste da modalidade”, diz Rebeca. 

Hoje, como atleta da seleção e do exército brasileiro, ela consegue se manter na profissão, mas reforça: “Comecei com nada, tinha uma ajuda de custo de transporte que o projeto social me fornecia até ser campeã do campeonato nacional. E então passei a receber a bolsa. Sem isso seria muito difícil permanecer, até porque já é difícil com.” 

Os desafios para os atletas e moradores de favela são grandes e assim como Rebeca Lima, há outros exemplos de mareenses que seguem tentando viver do esporte. Douglas Antônio é um deles. O jovem lutador de Jiu Jitsu, de 19 anos, conseguiu os investimentos após ter a sua história contada aqui no Maré de Notícias. Para isso, é fundamental o investimento em políticas públicas para territórios favelados para que não tenhamos exceções e sim maioria na disputa olímpica.

Três mortes, agressão e invasão de domicilio marcam 37ª Operação na Maré

A PM em conjunto com a Polícia Civil é a responsável pela ação de hoje com a participação do Bope, do Choque e da Coe

O Conjunto de Favelas da Maré vive a 37ª operação policial de 2024. A ação desta terça-feira (3) começou por volta das 4h e está concentrada na Baixa do Sapateiro e Conjunto Esperança. Há relatos de tiros e circulação de policiais a pé e carros blindados também no Morro do Timbau, Vila dos Pinheiros e Vila do João. Por volta das 14h, os disparos se intensificaram.  

A Polícia Militar em conjunto com a Polícia Civil é a responsável pela ação de hoje com a participação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), do Choque e da Companhia de Operações Especiais (Coe). Até o momento, três pessoas morreram e uma pessoa foi agredida até ficar inconsciente. Há relatos de vários casos de invasão à domicílio por parte dos agentes e furto de pertences dos moradores. O Eixo de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré, também recebeu vídeos indicando arrombamento de veículos.

Questionados sobre abordagens violentas com moradores do território, o Major Maicon Pereira, porta-voz da Polícia Militar alegou em entrevista ao RJ1, na TV Globo, que os policiais têm “uma abordagem cordial e urbana”, ressaltando os canais das corregedorias para denúncias serem apuradas.

43 escolas, sendo uma estadual e 42 municipais, estão fechadas, impactando mais de 8 mil estudantes. A operação segue em andamento. A Secretaria Municipal de Saúde não retornou ao Maré de Notícias sobre o funcionamento das unidades. 

Sem descanso

“[…]É covardia em tudo quanto é lugar na Maré, de ponta a ponta, pô. Não tem essa de que é morador do lado a, lado b ou c. Não, pô! É covardia com nós tudo, nós somos um só, nós somos a Maré, mano. Passei [quase] 15 dias de covardia aqui, pô. Todo dia, todo dia aqui”

A fala é de um morador cansado após viver nas últimas duas semanas 13 operações consecutivas. Na última segunda-feira (2), com o anúncio do fim da primeira fase das demolições de casas realizadas pela Secretaria de Ordem Pública (SEOP), surgiu a esperança de que o cotidiano dos moradores da Maré pudesse retornar à normalidade. No entanto, essa expectativa não se concretizou.

O Maré de Direitos, projeto do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré, acolhe situações de violações de direitos no WhatsApp (21) 99924-6462 e também nos equipamentos da organização.