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Livros para quê te quero

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Semana Nacional da Leitura nos lembra a importância de se valorizar a leitura e espaços de estudos

Andressa Cabral Botelho – 16/10/2020

Nesta semana, celebrou-se o dia das crianças e feriado de Nossa Senhora Aparecida do Brasil, mas há mais uma celebração nacional no dia 12 de outubro que a população desconhece: o dia nacional da leitura. Seja os livros mais vendidos, revistinhas em quadrinhos ou até os e-books, o dia é importante para reforçar a necessidade de se estimular a leitura, principalmente em crianças, mas também para incentivar a interação entre adultos e crianças por meio da leitura. Junto à data, comemora-se a Semana Nacional da Leitura e Literatura, de acordo com a Lei nº 11.899/2009, que nos ajuda a lembrar de espaços importantes para os estudos: as bibliotecas.

No Brasil, os números não são positivos: o país perdeu 4,6 milhões de leitores em cinco anos, de acordo com a pesquisa Retratos da leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró Livro, que comparou dados de 2019 e de 2015. Mas nem tudo é negativo segundo o levantamento. Meninos e meninas de cinco a dez anos têm lido mais, diferente das outras faixas etárias, onde esse número caiu. Atualmente, 52% da população se considera leitora e, em média, o brasileiro lê quatro livros por ano, ? do que é lido anualmente na França, por exemplo. Esses dados são de 2019 do Centro Nacional do Livro. Ler fica em 10º na preferência de atividades de lazer, atrás de acessar internet, ouvir música e ver televisão. 

Em dezembro de 2019 surgiu o programa do Governo Federal Conta pra mim, que para incentivar a leitura entre responsáveis e crianças, promovendo, assim, a literacia familiar, aprendizagem por meio da leitura em voz alta, linguagem oral e escrita. No site do programa está disponível aos responsáveis práticas para desenvolver a literacia familiar, além de materiais em texto, áudio e vídeo para contar histórias. 

Além da promoção de interação através da leitura, a Secretaria de Alfabetização, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), vê no projeto uma forma de se pensar políticas voltadas para alfabetização e mudar a realidade educacional do país, que apresenta números preocupantes. Em 2016, dos mais de 2 milhões de alunos do 3° ano do ensino fundamental, 54,73% tiveram desempenho insuficiente no exame de proficiência de leitura realizado pela Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). Desse número, cerca de 450 mil estudantes apresentaram dificuldade em encontrar informações em textos de até cinco linhas, assim como identificar a finalidade dos textos apresentados, se eram receitas, convites ou bilhetes. 

Soluções em tempos de isolamento

Legenda: Geraldo Oliveira e a geladeira de livros da Biblioteca Nélida Piñol (Marcílio Dias) – Foto: Douglas Lopes

Para muitos privilegiados, a pandemia foi uma oportunidade para colocar as leituras atrasadas em dia. Mas para outros a situação foi mais delicada para terem a acesso a leitura. Bibliotecas fecharam por causa do isolamento social e tiveram que pensar em alternativas para continuar funcionando. A Biblioteca Nélida Piñon, em Marcílio Dias, na Maré, ficou seis meses fechada, mas uma porta se manteve aberta: a da geladeira. Como parte do projeto, o utensílio doméstico ficou na rua repleta de livros, fazendo com que o empréstimo nunca parasse. Assim, os moradores  tiveram acesso ao livro para lerem em casa, fazendo com que a biblioteca – ou uma pequena parte dela – continuasse funcionando. 

O retorno das atividades da Nélida Peron aconteceu no dia 01 de outubro, quando a biblioteca inaugurou o espaço “Mergulhe nessa leitura”, dedicado às crianças. Enquanto ficou fechada, o espaço, além da geladeira, realizou outras atividades. “Durante a pandemia, nós atuamos na área social, com distribuição de cestas básicas para algumas famílias. E a geladeira, que foi transformada em estante, funcionou dia e noite neste período”, conta Geraldo Oliveira, um dos coordenadores da biblioteca, destacando a interação dos moradores com a estante de livros.

O ambiente virtual como aliado

Legenda: Crianças na Sala de leitura Maria Clara Machado, que faz parte da Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto – Foto: Douglas Lopes

Outros espaços encontraram no ambiente virtual uma forma de continuar as suas atividades de leitura, como o Clube da Leitura da Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto, da Redes da Maré. Localizado fisicamente na Nova Holanda, uma das 16 favelas da Maré,  assim que começou a pandemia, o clube migrou as atividades para o on-line e passou a ler livros para o vestibular. “Os jovens da Maré têm se desdobrado em muita perseverança para participar, porque a pandemia evidenciou os abismos sociais de nosso país. Ele precisa lidar com a interrupção das lives e das aulas não presenciais, além de disputar o sinal de conexão com muitos a sua volta”, observou Daniela Name, professora e curadora do Clube. 

Como proposta de estudos, a coordenação do clube direcionou as suas atividades para a leitura de livros do vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), para colaborar com os professores do Curso Pré-Vestibular da Redes da Maré (CPV) na programação de estudos para as provas. Além de O triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, os alunos estão fazendo da leitura de 1984, de George Orwell, livro escolhido pela UERJ para ser tema da redação do seu vestibular. O interesse e a procura foram tão grandes que o clube recebeu inscrição de vários novos integrantes. 

Não só pelo trabalho voltado para a aprovação no vestibular, mas o clube desempenha papel importante para as crianças e jovens em diversos fatores: “O ato de ler em voz alta e debater a leitura desenvolve não apenas a interpretação de texto, mas a segurança narrativa de cada um dos participantes, que melhoram muito na expressão oral e escrita”, destacou Daniela.

De leitor a ilustrador

A favela não é apenas o local que abriga essas bibliotecas, mas também é lar de escritores e ilustradores que têm produzido livros, seja falando da sua vivência ou usando a favela como ambiente onde a história acontece. Renato Cafuzo é uma dessas pessoas. Morador do Morro do Timbau,na Maré, ele desenha desde criança e em 2010 começou a ilustrar livros didáticos, em paralelo ao trabalho de designer. De lá para cá, ilustrou cinco livros infanto-juvenis: quatro da coleção Griôs da Tapera, escritos por Sinara Rúbia e o Que saudade da minha Vó, escrito por Maíra Oliveira, previsto para ser publicado em 2021.

Recentemente, Cafuzo fez uma doação de livros da edição Griôs da Tapera para a Biblioteca Marginow, no Antares, Zona Oeste do Rio. “Lembro do Jessé Andarilho [organizador da Biblioteca Marginow] contando sobre como é montar uma biblioteca comunitária em Antares e a dificuldade que é receber doação de livros legais. E realmente, como incentivar a leitura na comunidade com livros que a pessoa só doou para não jogar no lixo? Depois disso, vi que não tinha lugar melhor para o que eu faço do que esses espaços. Para mim, é uma forma de devolver para favela a formação que ela me deu para vida”, destacou o ilustrador.

Cafuzo destaca que a sua paixão pela leitura surgiu na adolescência, com o contato com quadrinhos e reflete o quanto seria importante ele ter lido textos como os que ilustra hoje, que tratam sobre questões raciais, quando mais novo. “Hoje, como um homem negro, eu vejo nitidamente que mudar o mundo para melhor só é possível tendo um poder que a sociedade não reconhece como real, sacou a metáfora? Quantas questões e inseguranças teriam me atravessado de forma menos dolorosa numa fase ainda mais sensível? No fim das contas, acho que é por isso que hoje me volto para o livro infantil: porque é para ontem”, conclui.

Tão importante quanto ler, é doar

Tem algum livro em casa que não lê mais e gostaria que outras pessoas o lessem também? As bibliotecas mencionadas no texto recebem doações de livros e outros materiais pedagógicos.

Entre em contato e visite os espaços – após a pandemia:

  • Biblioteca Nélida Piñon: Travessa Luiz Gonzaga, 58 – Marcílio Dias
  • Biblioteca Popular Lima Barreto: Rua Sargento Silva Nunes, 1.010 – Nova Holanda

Entre em contato e envie os títulos que deseja doar: [email protected]

Professoras que tem como lema o amor à profissão

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Irmãs e professoras, Adriana e Monica relatam suas experiências no contexto atual

Outubro é marcado pelo Dia dos Professores (15), uma data que não é apenas de comemoração, mas de luta.  Para falar dos desafios e expectativas, o Maré de Notícias convidou duas irmãs, Adriana Bezerra e Monica Bezerra, para compartilhar seus relatos sobre a profissão no momento atual. Elas lecionam na Escola Municipal Professor Paulo Freire, na Vila dos Pinheiros e utilizam o Maré de Notícias em sala de aula.

Adriana Bezerra do Nascimento Pinheiro: graduada em Pedagogia pela UFRJ, com Especialização em Alfabetização, Leitura e Escrita também pela UFRJ. – Foto: Crédito: Matheus Affonso


Ser professora nos tempos atuais: um desabafo

Fui moradora da Maré até pouco tempo e pude viver todas as dificuldades que um morador de favela enfrenta. Durante minha vida escolar fui aluna de escola pública. Assim, pude presenciar essa realidade intensamente ao ponto de desejar para meu futuro a profissão de professora, a fim de realizar esse trabalho de forma a contribuir na vida das crianças do mesmo modo que muitos professores contribuíram de forma tão maravilhosa em minha vida.

Cheguei à universidade pública com o auxílio de um pré-vestibular comunitário que realizei na Fiocruz, e a partir da escolha acadêmica que fiz encaminhei minha vida profissional para a educação após me formar em Pedagogia. Hoje dou aula na Escola Municipal Professor Paulo Freire, que fica localizada na Vila dos Pinheiros, e atuo em uma turma de 4º ano.

Engana-se quem acha que ser professor é uma profissão de menor valor. Infelizmente não somos valorizados como a educação merece. Atualmente vivemos um momento político onde nossa conduta é tida como algo a temer, e como professora isso muito me entristece, pois como nosso grande educador Paulo Freire afirmou “ensinar não é apenas transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção”. Dessa forma, tudo o que fazemos em nossas salas de aula é ensinar nossos alunos a pensar, a criar, a arriscar, porque é assim que a aprendizagem acontece. 

Só quem está dentro de uma sala de aula sabe a real necessidade que passamos com a falta de recursos e investimentos, mas isso nunca foi motivo para que nós deixássemos de realizar nosso trabalho da melhor forma possível. Não conheço outra profissão que invista tantos recursos próprios, como fazemos tantas vezes. Nós nos envolvemos com nossos alunos inevitavelmente, porque a educação envolve afeto e no ato de afetar e ser afetado não conseguimos seguir em nossas aulas sem considerar se nossos alunos dormiram bem ou se estão alimentados. 

Nesse ano de 2020 nós fomos pegos de surpresa com essa pandemia que nos tirou de cena presencialmente. Estamos vivendo momentos muito difíceis, pois a aula que era garantida igualmente para todos nos foi tirada, evidenciando a desigualdade social. 

“Mas professora você não está dando aula on-line?” A resposta seria sim se eu considerasse apenas a minha tarefa de passar conteúdos. A realidade de uma escola pública dentro de uma favela merece ser observada com muita cautela. Estar em casa não garante que meus alunos estejam tendo acesso aos conteúdos que sigo encaminhando desde que as aulas presenciais foram suspensas.

Muitas crianças dependem do celular do responsável, pois computador nem sempre faz parte da realidade deles. Celular com internet é outra questão, já que muitas vezes a prioridade é colocar comida na mesa. Isso quando o responsável não sai para trabalhar levando o seu telefone e a nossa mensagem sequer chega até a criança.

Diante de toda essa realidade, desanimar nunca fez parte. Sabemos que tem um “grupinho” ali que nos aguarda diariamente e seguimos acreditando no que é possível e não no que gostaríamos de fazer.

Apesar de todas essas questões que destaquei, não me vejo em outro tipo de trabalho, pois não tem alegria maior em ver um aluno aprendendo e se desenvolvendo. É muito gratificante perceber que conseguiu atingir o seu objetivo. Melhor ainda é receber a visita de ex-alunos para contar sobre suas vidas e principalmente para dizer que ainda guarda boas lembranças de quando foram seus alunos. Isso não tem preço! 

Monica Bezerra Dantas da Silva: graduada em Pedagogia pela UFRJ e Pós-Graduada em Alfabetização, Leitura e Escrita pela UFRJ – Foto: Matheus Affonso

Os professores na pandemia

Minha trajetória como professora teve início na adolescência, quando dava aulas particulares na casa de meus pais, na Maré, onde morava. Somente anos depois, já adulta, ela se solidifica com a aprovação para o curso de Pedagogia na UFRJ. Com a conclusão do curso em 2015, iniciei minha dedicação profissional na Secretaria Municipal de Educação, inicialmente na Escola Municipal Teotônio Vilella, no Conjunto Esperança. Desde 2016, atuo como professora de ensino fundamental da Escola Municipal Professor Paulo Freire, na Vila dos Pinheiros.

Escrevo o presente texto a pedido de meu amigo Hélio Euclides, do Maré de Notícias, e aproveito o momento para refletir sobre minha prática como professora neste difícil período de pandemia por conta da covid-19.

Ficar sem o contato presencial dos alunos tem sido a pior coisa que me aconteceu nos últimos tempos. A necessidade de me reinventar a cada dia, e superando minhas próprias limitações e incertezas para motivar meus alunos, é um grande desafio diariamente. O cuidado com minha família e a sobrecarga de trabalho é algo que quem está de fora nem imagina. 

Hoje não vou à escola dar as aulas, elas acontecem de forma remota. Estando em casa, preciso cuidar da alimentação, limpeza e demais afazeres domésticos, o que aumenta a carga de trabalho, sobremaneira, já que na escola tínhamos um local adequado, limpo pela equipe de limpeza da Comlurb, e almoço na hora, preparado pelos agentes. Em casa preciso fazer tudo ao mesmo tempo que dou assistência remota aos alunos, que entram em contato via WhatsApp.

No início imaginávamos que seriam apenas alguns dias de afastamento, porém este período foi sendo estendido e já se vão sete meses. Tive que aprender a lidar com tecnologias que antes não considerava e muitas delas eram muito mais familiares para as crianças do que para mim.

Não imaginava a dificuldade de produzir e editar um vídeo. Nem as formas de envio e recebimento pelos alunos, que muitas vezes tem dificuldades para baixar os vídeos enviados. É ainda mais dificultoso participar on-line, pois a maioria acessa as aulas por celular. Poucos têm o próprio aparelho, e outros precisam usar os aparelhos de seus responsáveis, ficando dependentes dos momentos em que eles podem disponibilizar o uso dos seus aparelhos. Alguns responsáveis trabalham fora de casa e só podem emprestar o celular para os filhos à noite.

Infelizmente, apesar de todo o esforço, não é possível se comunicar com todos os alunos. Uma parte da turma não tem acesso às aulas remotas por não terem as ferramentas necessárias para tal. Saber desta realidade também é um obstáculo a ser enfrentado, para não desanimar.

Nestes novos tempos, recorrer a nosso patrono Paulo Freire é a melhor forma de lembrar que educação se faz com muita dedicação, num processo de ensinar aprendendo e aprender ensinando. “Somente na comunicação tem sentido a vida humana. […] O pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade.” Freire 1987.

Vivendo esta nova realidade, a comunicação com os alunos me possibilita pensar alternativas para juntos construirmos algo que possa envolver-nos emocionalmente na superação dos desafios destes tempos de pandemia. Sabendo que não conseguirei contato com todos, e que não existe um processo de educação neutra, a dedicação permanece da melhor forma possível. Certa de estar longe do ideal, mas comprometida com o vínculo de amor e amizade para com os alunos que fora possibilitado com o contato de forma remota.

Abordagem policial: realidade de excessos

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Segundo pesquisa, 4 em cada 10 moradores de favela já passaram por alguma situação de violência durante abordagem policial.

Por Thaís Cavalcante – 14/10/2020

Um dos motivos que nos faz correr é o medo – de alguma uma situação ou de alguém. Essa atitude é compreensível, mas não tolerada em casos de abordagem policial, por exemplo. Ainda que a segurança seja um direito dos cidadãos e dever do Estado, garantido pelo artigo 144 da Constituição, sabe-se que a aplicabilidade deste artigo acontece de formas distintas dentro e fora de áreas populares. Nem mesmo a pandemia modificou a vivência dos moradores em um cotidiano marcado por violações de direitos. 

É o que mostra a pesquisa Periferia, Racismo e Violência, feita este ano pelo Instituto Locomotiva a pedido da Central Única das Favelas (CUFA). Segundo a  pesquisa, 49 milhões de brasileiros declararam ter sofrido algum tipo de constrangimento durante abordagem policial. Já nas favelas e periferias, a cada 10 pessoas, 4 relataram ter passado por alguma situação de violência durante abordagem, como desrespeito, agressões verbais, físicas e até suborno. O levantamento mostra ainda que o alvo da violência policial continua sendo homem negro de baixa renda.“Para o jovem negro de favela, só pelo fato dele estar andando na rua em dia de operação, ele é um suspeito em potencial. Então ele sofre violência passando por esse filtro racial, de que o jovem negro tem alguma ligação com crimes”, afirma Lidiane Malanquini, Coordenadora do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes  da Maré.

Lidiane conhece de perto essa realidade. Acompanha denúncias de casos dentro do território em dias de plantão de atendimento com o projeto Maré de Direitos. A ação busca dar suporte ao morador que passe por algum tipo de violação ou abuso durante operações policiais na Maré. “Faz parte do nosso trabalho fazer essa mediação, reforçar que o direito que existe na cidade vale também nas favelas, igualzinho. Por conta desse trabalho, a equipe já viveu situações em que foi xingada e até atiraram em nossa direção. Uma abordagem extremamente violenta e agressiva [da polícia], entendendo que o nosso trabalho atrapalha o deles”, conta. 

O Maré de Direitos surge justamente para minimizar o impacto desse problema histórico e reforçar para cada morador o seu direito à Segurança Pública, ou seja, o que pode e o que não pode durante uma abordagem, o que fazer para denunciar violações sofridas e mostrar o valor que é debater e entender o tema. Pensando nessas questões, a equipe desenvolveu a cartilha Somos da Maré. Temos direitos!, que traz aos moradores – principalmente da Maré, mas não apenas a eles – pontos importantes do que pode e não pode acontecer durante operações e abordagens policiais.

O que pode e o que não pode?

Episódios de truculência são difíceis de esquecer. Meses atrás aconteceu com Raull Santiago, ativista negro e morador do Complexo do Alemão, no dia de seu aniversário. Ele saía da Maré com quatro pessoas do Coletivo Papo Reto, coletivo que fazem parte. Dois deles foram abordados por policiais que estavam em uma das saídas da Maré. Raull quando percebeu que a abordagem estava violando direitos do companheiro, começou a gravar a ação, e foi detido por desacato por policiais do Batalhão do Choque. O que ele fez não foi ilegal. Qualquer cidadão pode tirar fotos ou filmar atividades policiais, pois o trabalho do agente público é estar a serviço da população. Não contra ela.

É importante entender que a abordagem policial é um ato público, mas também perceber quando acontece o abuso de poder. De acordo com a lei, por parte do policial, a abordagem de fiscalização deve acontecer com educação e respeito ao pedir o documento de identificação. Se o policial entender como abordagem suspeita com motivo, vai pedir para o revistado ficar com as mãos na cabeça, de costas e com as pernas afastadas. Caso seja uma abordagem com um infrator, as permissões são maiores, como revista, imobilização da pessoa e até apontar a arma travada na direção da situação. Recentemente, o Maré de Notícias publicou na edição #112 alguns procedimentos que não podem acontecer durante as operações policiais, além de comentar sobre o direito de se filmar abordagens policiais. O que não pode ser feito durante uma abordagem policial envolve justamente os direitos humanos, como:

– Ninguém é obrigado a dar informações para policiais sobre outras pessoas ou para onde está indo; 

– Os policiais não podem xingar, gritar ou bater em quem está sendo revistado; 

– Mulheres devem ser revistadas por mulheres, mas em caso de ausência o policial homem pode revistar, com respeito. 

O Maré de Notícias procurou o Tenente-coronel do 22º Batalhão de Polícia Militar do Rio de Janeiro para realizar esclarecimentos sobre o tema, mas a entrevista foi negada.

Uma Maré de mobilização

Com apoio institucional e da sociedade civil, o Conjunto de Favelas da Maré segue reagindo às necessidades de lutar pelos direitos que são negados diariamente. A edição especial do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, por exemplo, monitora o impacto da violência dentro do território. No ano de 2019, o número de violências registradas superou o ano de 2018. Um cenário que alarma também toda a cidade.

Alessandro Conceição, jornalista e morador do Conjunto de Favelas do Viradouro, em Niterói, vive o drama e a luta diária de uma ocupação policial violenta em seu território. Ele se inspirou na Campanha Somos da Maré! Temos Direitos!, realizada na Maré para mobilizar e informar moradores sobre segurança pública.

Para criar ações que pudessem minimizar o impacto dessa realidade, fez cartazes e adesivos de sinalização para as portas dos moradores, além de articular ocupações culturais e artísticas com apoio da associação de moradores, organizações locais e mulheres negras. “A ideia dessa ocupação é um protesto dos moradores do Morro da União, no Viradouro, que desde o mês de agosto estão sofrendo uma ocupação policial, apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter proibido operações policiais nas favelas do Rio durante a pandemia de coronavírus”, afirma. 

Além de operações policiais, também está proibido o uso do helicóptero como plataforma de tiro e foi feita a restrição de ações policiais próximas às escolas e creches, como informamos na edição de setembro do jornal Maré de Notícias.

Telefones úteis 

  • Caso precise de assistência ou presencie uma violação de direitos durante abordagem policial, busque ajuda.
  • Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio – 0800 282 2279
  • Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj – 0800 025 5108
  • Disque 100 – Disque Direitos Humanos

Ronda Coronavírus: Foram registrados novos casos de reinfecção por covid-19 no mundo

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Mesmo sendo casos raros, é importante que as pessoas que já se infectaram sigam as normas de distanciamento

Nesta segunda-feira (12) foi comprovado o quinto caso de reinfecção por covid-19 no mundo – o primeiro nos Estados Unidos. Também ontem foi registrado o caso de uma mulher holandesa que se reinfectou dois meses após o primeiro contágio e veio a falecer. No caso do jovem americano de 25 anos, os sintomas foram mais graves que da primeira vez que teve contato com o vírus, como dificuldade de respirar. Segundo artigo publicado pela revista científica Lancet Infectious Diseases, pesquisadores descartaram a possibilidade de hibernação do vírus original, afirmando que o rapaz contraiu o vírus duas vezes. 

Até onde sabemos, as reinfecções foram bem raras. Segundo a revista científica, foram cinco casos confirmados no mundo até outubro: em Hong Kong, Bélgica, Holanda, Equador e Estados Unidos. Entretanto, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou em coletiva nesta segunda-feira que tem ocorrido um aumento de casos na Europa e na América, além do mundo ter batido recordes de casos diários dois dias consecutivos na última semana. No mundo já são mais de 37.999.713 de casos confirmados e de 1.083.597 mortes.

No Brasil, até às 13h, eram mais de 5,1 milhões de casos confirmados e 150,9 mil mortes pelo novo coronavírus, de acordo com o levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa. A cidade do Rio tem hoje mais de 111,2 mil casos confirmados e 11,4 mil mortes pela covid-19. Destes, a Maré tem 1.838  casos suspeitos e confirmados e 156 mortes registradas desde o início da pandemia, de acordo com o Painel Unificador COVID-19 Nas Favelas do Rio de Janeiro.

Apesar de os números apresentarem uma estabilidade ou recuo, o Diretor executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS), Michael Ryan, também alerta que é preciso ficarmos atentos para um novo pico da doença, como tem acontecido com alguns países da Europa, como a França, que sinalizou na última semana uma segunda onda de contágio.

Vacina falsa circula em Niterói

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebeu uma denúncia de venda de vacina para a covid-19 em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. De acordo com a Anvisa, uma empresa está comercializando um imunizante dizendo que se trata da vacina da AstraZeneca, ainda em desenvolvimento pela Universidade de Oxford. A agência reforça que as vacinas no Brasil neste momento são apenas para testes clínicos, que ainda não tiveram resultados conclusivos, logo não podem ser comercializadas.

Confronto armado na Maré

O dia das crianças costuma ser um dia de bastante risada e momentos felizes. Infelizmente o último dia 12 de outubro não foi assim para a família de Leônidas Augusto da Silva de Oliveira. Como informado na Ronda Coronavírus da última sexta-feira, moradores relataram a troca de tiros ao longo da manhã do dia 9/10,que  resultou na morte do menino de 12 anos. Ele estava com a avó, que não foi alvejada. Uma mulher de 31 anos que passava pelo local também foi atingida no braço, mas foi liberada do hospital e passa bem.

Leônidas foi atingido na cabeça e após a insistência das pessoas que estavam no local, foi levado pelos policiais militares para o Hospital Geral de Bonsucesso consciente. Ele passou por uma cirurgia e infelizmente não resistiu.

Segundo familiares, houve omissão de socorro por parte de policiais, o que fez com que as pessoas começassem a filmar o que ocorria. De acordo com a PM, a viatura foi alvejada por dois carros que seguiam sentido Zona Oeste e que quando os tiros cessaram, as duas pessoas estavam baleadas foram socorridas na sequência. 

Professores e “greve pela vida”

Em assembleias virtuais realizadas no dia 10 de outubro, professores associados ao Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe-RJ) e ao Sindicato dos Professores do Município do Rio (Sinpro-Rio) optaram por manter a greve contra as aulas presenciais. A medida é uma forma de resguardar vidas de profissionais da categoria, assim como alunos, responsáveis e outros profissionais que também atuam nos espaços educacionais. Em carta aberta emitida pelo Sinpro-RJ, a organização reforça que a greve é apenas contra o retorno presencial, tendo em vista que os professores seguem dando aula de forma remota.

Essa é uma resposta ao anúncio feito no dia 09 de outubro pelo governador em exercício, Cláudio Castro, que propôs o retorno às aulas presenciais no próximo dia 19 de outubro para os 126 mil alunos inscritos no terceiro ano do ensino médio, dando prioridade aqueles que irão prestar o Enem. Serão cerca de 35 dias letivos até a data da prova (17/01/2021), com possibilidade de aulas aos sábados. Os alunos do 6º ano do ensino fundamental até o 2º ano do ensino médio não retornam às aulas esse ano.

Chamada pública A Fundação Heinrich Böll, a Fábrica de Imagens – ações educativas em cidadania e gênero (CE) e o Observatório das Favelas (RJ) convocam artistas do Rio de Janeiro e Ceará para se inscrever no edital “Olhares sobre o agora – cultura, diversidade e direitos”. A proposta da chamada pública é para aqueles e aquelas que abordam em suas produções debates em torno dos direitos humanos, na busca pela redução de desigualdades sociais. Os selecionados receberão R$1500 para produzir os seus trabalho. Acesse o edital para mais informações.

Um meio ambiente que pede socorro

Com queimadas pelo país, moradores tentam preservar o verde na Maré

Maré de Notícias #117 – outubro de 2020

Hélio Euclides

O meio ambiente nunca sofreu tanto como nos últimos 2 anos, mas, foi em  2020, que ele  levou “socos cruzados”, daqueles que deixam sequelas. Na cidade do Rio de Janeiro, logo no início do ano, o que parecia  geosmina – composto orgânico encontrado no solo – era poluição industrial nas águas do Rio Guandu, o que fez com que os cariocas ficassem sem água potável em casa. Em agosto, começaram as queimadas, que  destruíram mais 3 milhões de hectares, cerca de  21% da área do Pantanal. Recorde absoluto na história deste bioma, que é o mais úmido do planeta. E, no mês em que iniciamos a primavera, e se comemora o Dia da Árvore (22 e 21 de setembro respectivamente), o Brasil arde em chamas na Amazônia, no Cerrado,  na Região Serrana do Rio de Janeiro e no Pantanal –  que ainda não teve o fogo controlado.(até o dia 23/9)

Diante do cenário trágico, pequenas atitudes de preservação ambiental ganham outra dimensão. Na Maré, moradores lutam pela preservação de espaços verdes. Ao longo dos 20 anos, como supervisor na Vila Olímpica da Maré, Pablo Ronaldo Oliveira sempre teve muito carinho pelas árvores do local.  E não é à toa, o projeto original paisagístico da Vila Olímpica foi feito pelo paisagista Burle Marx. “O ex-diretor do espaço, José Fantine, me incentivou a continuar o paisagismo, então, começamos a pegar mudas com moradores e também compramos algumas. A Maré, devido às construções habitacionais, foi perdendo o seu verde. Hoje temos, como grande referência na Maré, a Vila Olímpica e o Parque Ecológico, na Vila dos Pinheiros”, afirma Pablo. 

Outros moradores preservam o verde dentro de suas casas. Marineide Felix, conhecida como Dona Neide, tem cerca de 20 vasos na frente da casa onde mora  na Baixa do Sapateiro, uma das 16 favelas da Maré. “Gosto de plantas desde minha infância, esse amor foi passado de meus pais para os filhos. Com a pandemia, tive mais tempo para cuidar das plantas, o que foi bom. Se tivesse espaço, teria mais vasos, pois cuidar da natureza traz um bem-estar para todos, não nos deixa deprimida, contribui com a diminuição da poluição e causa mais sombra nas ruas”,revela a entusiasmada dona de casa.

Há doze anos, Raimunda Sousa, comerciante da Nova Holanda, outra favela da Maré, ganha a vida vendendo plantas, mas confessa que sua maior conquista foi acabar com o lixo na porta de sua loja. “Comecei a plantar tudo que eu tinha em casa. Depois outras pessoas começaram a querer plantas, então comecei a vender. As pessoas ainda não dão tanta importância à natureza, por isso gostaria de poder ensinar às pessoas a gostar e cuidar das plantas”, comenta a comerciante que, apesar de sempre ter gostado da natureza, foi após uma depressão que o amor se revelou com mais força.

Pablo Oliveira em momento de cuidado das plantas da Vila Olímpica, cujo projeto paisagístico é de Burle Marx – Foto: Elisângela Leite

Dicas para um cuidado com as plantas:

Para cuidar das plantas é preciso ter um solo saudável, com reposição de matéria orgânica, reintroduzindo nutrientes através de adubo ou composto. Cobrir o solo com uma camada de matéria morta, como grama seca ou folha seca ou ainda serragem protege e mantém a umidade. Outra dica é regar sempre em horário em que o sol não esteja forte, somadas a podas periódicas. As plantas precisam de adaptação às condições do clima e à iluminação. Há plantas que requerem mais luz e outras que preferem meia sombra.

O biólogo Jorge Tonnera Junior lembra que a reposição de matéria orgânica no solo pode ser feita através de fertilizantes, produzidos dentro de casa, por meio da compostagem de talos, folhas ou cascas de frutas, legumes, casca de ovos e borra de café. A maioria das plantas precisa receber água todo dia. Mas não é bom encharcar a terra. É preferível regar a terra, nem toda planta suporta que suas folhas sejam molhadas. “É preciso sensibilidade e atenção para perceber como as plantas respondem”, conta. O biólogo informa que as próprias folhas mostram como a planta está: se saudável, se necessita de água, nutrientes ou se não está tolerando o clima ou a luz. 

Veja algumas dicas específicas:

  • Cebolinha, onze horas e coroa-de-cristo: são plantas que gostam muito de sol, ou seja, não vão sobreviver em ambiente com pouca. 
  • Tomateiro: embora goste de sol, aceita meia sombra. 
  • Tomilho: uma planta que bebe bem água e não aguenta alguns dias sem água na terra. 
  • Coentro: atraem joaninhas e essas se alimentam de pragas, como pulgões que adoecem couve e brócolis.

Árvores morrem por podas

Sérgio Ricardo, ambientalista e coordenador do Movimento Baía Viva, afirma que, em média, recebe três reclamações semanais de podas assassinas –  cortes que são feitos sem estudo prévio, podendo causar a morte das árvores. “Acredito que o déficit de arborização seja de 21 milhões de árvores, por ter em média a perda de 200 mil unidades por ano. Deixamos de ter uma cidade de sustentabilidade. Com mais concreto, passamos a perceber uma cidade mais quente, com ilhas de calor. É preciso amenizar as condições climáticas com arborização”, diz ele. Acrescenta que a poda assassina virou um padrão de política pública por parte da Comlurb, mas que a Light também faz as podas indevidas. 

A insegurança também agrava a situação, pois, para que as ruas não fiquem  escuras, é feita a poda como uma solução equivocada. Para o ambientalista, o que não faltam são equívocos dos governos na questão ambiental.  “O Plano Diretor de Arborização Urbana é maravilhoso, mas não saiu do papel. Aqui na cidade do Rio de Janeiro, estamos passando pela farra do boi, com a construção do autódromo, que vai causar a devastação de uma  Floresta, que é a  do Camboatá”. 

A assessoria de Imprensa da Light informou que apenas realiza a poda dos galhos que estão em contato com a rede elétrica da empresa. E que os demais serviços de podas de árvores, remoção de árvore ou poda completa são de responsabilidade da Prefeitura do Rio. 

A Fundação Parques e Jardins diz que está trabalhando em conjunto com a Comlurb para fazer o inventário arbóreo da cidade, que tem em torno de um milhão de árvores. Confirmou que a cidade ideal teria todas as vias totalmente arborizadas, porém isso não demanda somente plantio, mas também infraestrutura urbana. Sobre a Maré, informou que no momento não tem nenhum projeto específico para o território.

Florestas viram cinzas após incêndios 

Na comparação com o ano passado, a quantidade de incêndios nas florestas brasileiras  subiu 10% em 2020. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou, na Amazônia, até o meio de setembro, 8% a mais de incêndio do que o mesmo período de 2019. A área desmatada na Amazônia pelo do fogo foi de 1.359km² em agosto. O número é o segundo maior para o mês dos últimos cinco anos.

O fim do Fundo da Amazônia e a proibição do trabalho do Ibama podem ter influenciado este aumento. O ambientalista acredita que, com a  dificuldade de o IBAMA em trabalhar e sem a sua fiscalização, ficou mais fácil para grileiros e fazendeiros promoverem queimadas criminosas, para usar terras, antes, protegidas no agronegócio: “O Governo Federal não tem uma política ambiental e de bioeconomia. O que está acontecendo na Amazônia influencia o Sudeste, com relação ao regime de chuva e impacto no reabastecimento de água. O medo é a Amazônia passar por um estado de savanização, se transformando num cerrado”. 

Apesar da alta nos registros de incêndios florestais, a previsão é de que os principais órgãos federais, que cuidam dos biomas do país, tenham menos orçamento em 2021. De acordo com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), para o ano que vem, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) podem ter um corte de R$ 126,1 milhões nas suas verbas.

Três décadas de lutas pelas Crianças

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Estatuto da Criança e do Adolescente completa 30 anos de atuação na garantia da cidadania

Maré de Notícias #117 – outubro de 2020

Hélio Euclides e Thaís Cavalcante

“…quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão. Criança não trabalha, criança dá trabalho…” De uma forma animada, a dupla musical Palavra Cantada interpreta a canção Criança Não Trabalha, de composição de Arnaldo Antunes e Paulo Tatit. A música infantil lembra que trabalhar é coisa para adultos, que a criança tem de brincar, experimentar, bagunçar, riscar e desenhar. As preocupações devem ficar para o futuro. O trabalho infantil é crime, sendo um dos temas encontrados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que, em 2020, completa 30 anos.

Com o papel de guardião da garantia dos direitos e deveres das crianças e dos adolescentes, os conselheiros tutelares são fundamentais nos territórios, na expectativa de melhoria da qualidade de vida. O Conselho Tutelar 11, em Bonsucesso, é o órgão gestor da área que abrange Manguinhos, Cidade Universitária,  Bonsucesso  e Maré. Os conselheiros recém-empossados são Carlos Henrique, Daniel Soares, Jader Fagundes, Maria Elisângela e Rosimere Nascimento. Pela primeira vez, os cinco profissionais do Conselho são oriundos de favela. Esse olhar próximo, a vivência e a bagagem são convertidas num atendimento sensível, de atenção e de uma maior escuta. 

O conselheiro Carlos Henrique, mais conhecido como Carlos Marra, é morador do Parque União, uma das 16 favelas da Maré e lembra que todos os direitos e deveres necessários, mencionados na lei devem ser cumpridos. Segundo Marra, o Conselho Tutelar tem de estar alinhado e junto com as redes de proteção, que são as de Saúde, Educação e Assistência Social. Este último reúne o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). “O conselheiro é esse articulador que vai fazer a ponte para a mediação dos equipamentos e, assim, possibilitar a criação de novas políticas públicas, pensadas a partir das necessidades reais e efetivas dos territórios. Precisamos estar o tempo todo dialogando com as escolas e estudando todas as questões, tipo as vagas para os estudantes e a evasão escolar. Na saúde, acompanhar a campanha da vacinação, a prevenção à gravidez na adolescência, o pré-natal e casos de IST/AIDS”, expõe. O conselheiro tutelar deve manter diálogo com pais ou responsáveis legais, comunidade, poder judiciário e executivo e, principalmente, com as crianças e adolescentes.

Marra avalia que, passados 30 anos, o ECA ainda precisa ser colocado em prática em sua integralidade. Para isso, seria necessário que os profissionais de saúde se apropriassem mais do estatuto, e que o mesmo fosse ensinado na sala de aula, para que crianças e adolescentes pudessem saber de seus direitos. Apesar das dificuldades, o documento é uma política pública, que reafirma e fortalece, de forma necessária, o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, que são sujeitos de direitos.

Muitas vezes, as leis deixam de fora as crianças e os adolescentes, contudo, o ECA foi feito para protegê-las e, neste sentido, dialogar e entender quais são as melhores maneiras de atendê-los. “O ECA, mesmo com todos os retrocessos e questões políticas, ainda se mantém existindo e resistindo. Nós, conselheiros, estamos no trabalho de dar respaldo a esta ferramenta, que é muito importante para a sobrevivência das crianças e adolescentes”, finaliza Marra.

O Estatuto surge em 1990, para substituir o Código de Menores, de 1979, que era voltado apenas para crianças e adolescentes em “situação irregular”, associando pobreza à delinquência. O documento é fruto de uma forte mobilização da sociedade civil organizada e representa um novo olhar para os direitos desta parcela da população.

“Apesar das leis contidas no ECA, a proteção às crianças e adolescentes são diferenciadas, no asfalto ainda não é a mesma que na favela.” Beatriz Cunha, subcoordenadora de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Rio

Garantia de direitos

A garantia de direitos é coletiva, mas quem faz a assistência jurídica integral e gratuita da população é a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a qual, antes mesmo da pandemia, moveu uma ação civil pública para impedir a violação de direitos nas favelas. Conseguiu a proibição de operações policiais próximas às creches e escolas públicas, nos horários com mais movimentação. Fundamental na vida de crianças e jovens que, frequentemente, têm o seu direito à educação negado  por causa da violência cotidiana. 

Junto aos desafios enfrentados pelas famílias da Maré neste primeiro semestre, está a adaptação das aulas à distância. Beatriz Cunha, subcoordenadora de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, acredita que o direito à educação não pode ser deixado de lado nem mesmo em uma pandemia. “O que me chamou a atenção foi a oferta de uma educação virtual na rede pública de ensino para aqueles que estão em situação de pobreza ou não têm pessoas que podem auxiliá-los no sentido educacional do conteúdo”, diz.

Cunha garante ainda que, devido ao isolamento social das famílias, aumentaram as demandas de violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes. Outro motivo de muita procura vinda dos moradores de favela foi sobre a falta de acesso à merenda escolar, já que as aulas presenciais continuam suspensas. Questões sociais antes urgentes, agora, borbulham. “Apesar das leis contidas no ECA, a proteção às crianças e adolescentes são diferenciadas, no asfalto ainda não é a mesma que na favela. A grande modificação do ECA é que a proteção integral à criança deve ser oferecida pela sociedade, pelo Estado e pela família”, comenta.

Existe uma versão ilustrada do ECA para o público infantil – Crédito: plenarinho.leg.br – Câmara dos Deputados

Apoio social promove cidadania

Esse fortalecimento de direitos é praticado diariamente pelas organizações sociais, como o Projeto Uerê, que atende crianças na Maré há 22 anos. Os filhos de Maria José, moradora da Nova Holanda, foram beneficiados pelo projeto de diferentes formas. Maria é mãe social, também conhecida como mãe acolhedora. Ela tem dois filhos biológicos e quatro filhas de coração. As crianças, que são irmãs, foram abandonadas e acolhidas por ela, junto ao Conselho Tutelar. Mãe solo teve seu maior apoio foi no Projeto Uerê, que deu todo o suporte na alimentação e educação das crianças e jovens. 

Maria se orgulha da criação dos filhos. Hoje, adultos, uns estão casados, outros formados. “O projeto é tudo. Ajuda na disciplina, na educação das crianças e apoia as famílias que querem”, conta. A partir da experiência de ser uma mãe acolhedora, ela avalia que, na prática, ainda há obstáculos para a garantia da cidadania: “As leis são difíceis, eu tive essa facilidade, pois tive o projeto para me ajudar. O direito, as crianças têm, mas às vezes não funciona”, conclui.

Francis Roberta, assistente social do Projeto Uerê há 19 anos, defende que o trabalho da instituição é de orientação, escuta e conversa. Um laço tão forte como o de uma família. “Trabalhamos as disciplinas regulares, como Inglês, Artes e Música; mas, principalmente, buscamos saber como estão nossas 270 crianças e jovens”, conta. A nova rotina da instituição, com a pandemia, tem sido de aulas remotas e a entrega de cesta básica e kits de higiene todo mês. Por fora, os desenhos dos muros do Projeto alegram a Nova Maré, favela onde a organização tem sua sede. Por dentro, as cadeirinhas coloridas e figuras na parede garantem a decoração para o retorno das atividades infantis, ainda sem data. 

Todos podem ajudar. 

Quem desejar assegurar a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, é só entrar em contato com o Conselho Tutelar que atende toda a Maré.

  • Endereço: Rua da Regeneração, n° 654, Bonsucesso
  • Atendimento presencial de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h.
  • E-mail: [email protected]
  • Telefones: (21) 2573-1013 / 2562-3100 / 97340-1559
  • Telefone do Plantão 24h: (21) 98909-1432