Projeto nasceu em outubro de 2011, no Centro de Artes da Maré. Fruto da parceria entre a Redes da Maré e a Lia Rodrigues Companhia de Danças
A Escola Livre de Dança da Maré (ELDM) acabou de entrar para a “adolescência” ao completar seus 12 anos. O projeto que nasceu no Centro de Artes da Maré (CAM) idealizado pela bailarina e coreógrafa Lia Rodrigues, pela professora Silvia Soter e pela Redes da Maré oferece oficinas abertas para os moradores de todas as idades.
São aulas contínuas de danças de salão, danças de rua, dança contemporânea, ballet clássico, yoga, consciência corporal e danças afro-brasileiras, além da formação intensiva em dança. Este segundo é voltado para formação técnica, artística e profissional de forma continuada para jovens da Maré e de outras regiões, com aulas teóricas e práticas. Com o objetivo de democratizar o acesso à arte, todas as atividades são gratuitas e algumas delas proporcionam bolsas com auxílio financeiro aos alunos.
Celebrando:
Para comemorar mais um ano de trabalho, a ELDM preparou um evento que acontece nesta quinta-feira (9), às 15h30, no Centro de Artes da Maré.
A programação conta com roda de conversa sobre memória e continuidade da Escola Livre de Dança da Maré; a parceria entre a Redes da Maré e a Lia Rodrigues Companhia de Danças, além de performance artística ‘Anastácia’ com Luciana Barros e encerramento com baile das antigas com Dj Júlio Rodrigues e Dj JP Blacksoul.
Karoll Silva, de 31 anos, bailarina contemporânea, ex-aluna e agora coordenadora da escola fala sobre o sentimento em ver o projeto completar mais um ano.
“Me sinto muito grata por poder participar dessa história e poder adicionar um ‘tijolinho’ na construção da ELDM. Sou suspeita para falar sobre, pois me formei nessa escola e integrei como intérprete criadora a Lia Rodrigues Companhia de Danças. Poder fazer a coordenação, juntamente com a Lia e a Silvia, tem sido um processo de constante crescimento. Acredito que nosso sentimento, em comum, seja o de olhar para o passado para nos fortalecermos na continuação da escola do futuro, da escola que nossos alunos e alunas atuam como fio condutor.”
Ao refletir sobre a trajetória da escola até os dias atuais, Karoll complementa “entendo como um forte trabalho de resistência chegar a seus doze anos sem ter interrompido as atividades, em um país como o Brasil, onde o apoio à arte e cultura é entendido como secundário. É sobre entender a importância de trabalhar a favor da garantia do direito à arte, cultura, formação e profissionalização de seus alunos e alunas.”
Família há três meses luta para limpar o nome do filho, Thiago Menezes, retratado em mural na Cidade de Deus
Foto: Mayara Donaria Este conteúdo foi publicado originalmente por Lupa
Thiago Menezes, 13 anos, passou o dia 7 de agosto na casa da avó, na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Almoçou com a família naquela segunda-feira e, no final da noite, pediu para dar uma volta na moto do pai. O passeio virou tragédia: a menos de 2 quilômetros de casa, montado na garupa de um amigo que conduzia o veículo, ele foi alvejado por policiais do Batalhão de Choque que realizavam uma operação no bairro. Primeiro, foi atingido na perna e caiu. No chão, recebeu mais tiros. O menino morreu na hora.
A história do Thiago mostra o quanto jovens negros de favelas são vítimas duas vezes: quando são assassinados e, depois, quando viram alvo de boatos que os acusam, sem provas, de serem bandidos.
Nesse caso, ainda há um agravante: a onda de desinformação foi iniciada pela própria polícia. Ao terminar a operação na comunidade, já na madrugada do dia 8 de agosto, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) publicou no X (antigo Twitter) que um “criminoso” tinha ficado ferido ao “entrar em confronto com policiais”. O “criminoso” descrito na publicação era Thiago.
Depois da publicação nas redes, a polícia apresentou outras versões. Todas acusavam o estudante de ter iniciado uma troca de tiros com os agentes. Priscila de Souza, mãe do menino, contou que conheceu outras mães que já passaram por uma situação parecida. A percepção dela é que o Estado não enxerga as crianças da favela como inocentes.
Eles vêm com a mentira mas a gente está com a verdade. Sempre que eles [os policiais] entram na favela e matam um inocente, justificam que a pessoa era criminosa, mas com o meu filho não conseguiram fazer isso. Temos um boletim escolar dele que comprova uma frequência de mais de 99,5%. Nossa luta é para que eles passem a enxergar que na favela tem gente inocente.
Priscila de Souza, mãe de Thiago
Além da escola, Thiago também se dedicava ao futebol e tinha o sonho de se tornar jogador profissional. “Ele era a alegria da casa, brincalhão e sempre dançando. Era uma criança educada, carinhosa e pelo jeitinho dele conquistava todo mundo. Frequentava a escola todos os dias, jogava em três times e ia à igreja”, conta a mãe. “Minha vida não é a mesma. Acordo e deito pensando no meu filho. A gente nunca imagina que vai perder um filho assim. Foi uma covardia que fizeram com ele. Era só uma criança”.
Em nota, a PMERJ confirmou que uma investigação da Corregedoria Geral da Secretaria de Estado de Polícia Militar (CGPM) apontou “indícios de fraude processual, omissão de socorro e descumprimento de missão por parte dos policiais à época lotados no Batalhão de Polícia de Choque, durante a tentativa de abordagem ocorrida naquela madrugada”. A corporação não respondeu, no entanto, sobre a publicação postada e depois apagada nas redes sociais ou sobre as diferentes versões para o caso.
Desinformação ‘oficial’ e a lógica da criminalização da vítima
Segundo levantamento da ONG Rio de Paz, que atua desde 2007 no combate à violência e pobreza no Rio de Janeiro, entre abril de 2007 e setembro de 2023 foram registradas 103 mortes de crianças e adolescentes de zero a 14 anos, grande parte causada por balas perdidas. A maioria desses disparos foi num contexto de confronto entre policiais e bandidos.
O levantamento mostra que 2020 foi o ano com mais mortes de crianças e adolescentes até o momento, com 12 vítimas. Mas 2023 está quase superando a marca. Até setembro, 12 jovens de 0 a 14 anos já perderam a vida no estado.
De acordo com a ONG, dados oficiais sobre mortes de crianças por armas de fogo no Rio são escassos e, por isso, a compilação começa a partir das informações da imprensa.
“Não foram poucos os casos em que a gente se aproximou da família e teve a oportunidade de ouvir a história real e não a que circula na mídia ou nas redes sociais — que no geral colocam esses adolescentes como ligados ao tráfico. Foi assim no caso do Marcos Vinícius [morto em 2018, quando estava a caminho da escola], da Maré. Foi assim no caso do Ray Pinto Faria [morto em 2021], no Campinho. Foi assim no caso do Thiago Menezes e vários outros que a gente acompanhou”.
João Luís Silva, articulador social da ONG Rio de Paz.
Nessa mesma linha, o ouvidor-geral da Defensoria do Rio, Guilherme Pimentel, que acompanha a família de Thiago na busca por justiça, afirma que ações de letalidade policial em favelas, normalmente, seguem o mesmo padrão até quando as vítimas são crianças. Logo após a morte, começam a surgir uma sequência de acusações contra a vítima com versões conflitantes dos próprios policiais sobre o ocorrido.
“A produção de um discurso que criminaliza a vítima para legitimar aquela morte é uma das estratégias. Muitas vezes fazem isso sem apresentar nenhuma prova. Vale lembrar que o protocolo não é investigar a vítima e, sim, o fato que a vitimou”, diz o ouvidor-geral.
Pimentel também é crítico à prática da polícia de apresentar uma declaração oficial sobre o ocorrido antes mesmo da apuração dos fatos, sem dar espaço para a investigação — a exemplo da publicação da PMERJ após a operação que matou Thiago Menezes.
“É muito importante apurar os fatos antes de fazer a divulgação para não cometer mais uma injustiça com a família”, finaliza Guilherme.
“A família, sem escapatória, sofre duas vezes. Ao invés de se preocupar com o luto, tem que se voltar para a luta, para provar que o seu familiar era inocente. Ou mesmo que não fosse: foi covardemente morto, executado.”
João Luís Silva, articulador social da ONG Rio de Paz
Do luto à luta para desmentir boatos
A família e os vizinhos de Thiago Menezes acusam a polícia de tentar forjar a cena do crime. Diogo Flausino, pai do adolescente, conta que, quando chegou ao local, os policiais atiraram com fuzil. Ao se aproximar do corpo sem vida do filho, foi alvejado novamente com balas de borracha. A marca nas costas ainda está aparente.
A família agora pede por justiça e espera que os policiais envolvidos sejam responsabilizados. Flausino contou que o processo está lento. As investigações seguem, mas nenhum policial foi acusado pelo homicídio. Em nota, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro informou que o inquérito está sob sigilo. Já a Corregedoria-Geral da PMERJ apontou “indícios” de fraude processual, omissão de socorro e descumprimento de missão por parte dos policiais — mas não citou homicídio.
Flausino, que trabalha com moto-táxi, também foi acusado nas redes sociais de proximidade com o crime. “Pegaram fotos do meu filho com cordão dourado de R$ 20 que eu dei para ele, imagens dele em cima de moto de amigos e até fotos minhas”, lamenta.
“Que menino da idade dele não gosta de tirar foto com moto? Não preciso provar que meu filho era inocente. É só ver: Thiaguinho era nota 10, a vida dele era escola e futebol.”
Diogo Flausino, pai de Thiago Menezes
Lutos atravessados pela desinformação
O caso da família de Thiago Menezes não é isolado nas favelas do Rio de Janeiro. Em junho de 2018, Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, foi baleado pelas costas quando estava a caminho da escola durante uma operação policial no Complexo da Maré, na Zona Norte da capital fluminense. Ele estava com o uniforme escolar. A mãe do estudante, Bruna Silva, precisou desmentir uma série de boatos que afirmavam que o garoto tinha envolvimento com o tráfico de drogas. Na época, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que o Facebook retirasse do ar conteúdos falsos sobre o caso.
Da Cidade de Deus, a mãe de Thiago se uniu a grupos de famílias de diferentes territórios do Rio que há anos se encontram e buscam juntas por justiça por meio de grupos, como as Mães de Acari, a Rede Contra Violência, a Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense, o grupo Mães e Familiares de Vítimas de Terrorismo do Estado e o Mães do Jacarezinho e Manguinhos.
“A nossa luta por justiça não é fácil. Antes do Thiago, aconteceram outros casos. E depois dele, também. Conheci muitas mães que estão há anos tentando provar a inocência dos seus filhos, tendo que provar que uma criança de 10 anos era inocente.”
Priscila Souza, mãe de Thiago Menezes
Todo dia 7, a família e amigos do Thiago ocupam as principais vias da Cidade de Deus em protesto e memória. A caminhada sempre tem a presença de muitas crianças da favela.
Na tarde de 15 de abril de 1996, a criança brincava perto de casa com um amigo de seis anos na comunidade de Acari, na Zona Norte do Rio, quando foi atingida por balas disparadas por policiais militares durante uma operação no bairro.
“Além de matar, o Estado marginaliza. O Maicon teria completado 30 anos em 25 de outubro. Ele tinha dois anos. Só muda de favela, nome e idade. O Estado viola a todo o instante o nosso direito de ir e vir. E o Ministério Público, por sua vez, não fez a gentileza nem cumpriu o dever de retratar o auto de resistência.”
José Luiz Faria da Silva, artista plástico, pai de Maicon
O auto de resistência mencionado pelo pai de Maicon, José Luiz Faria da Silva, é um conceito jurídico utilizado para inocentar policiais que matam pessoas em operações. Essa medida foi criada em 1969, durante o regime militar, após o Ato Institucional nº 5, e passou a ser utilizada para registrar casos de civis mortos mediante suposta resistência à prisão e confronto. Na prática, foi um instrumento criado para justificar e minimizar a prisão em flagrante de policiais autores de homicídio.
Fake news, racismo e punitivismo
A edição mais recente do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho deste ano, indicou que houve 47.508 mortes violentas intencionais no país em 2022 – 76,5% das pessoas mortas eram negras. Ainda sobre as mortes desse grupo étnico-racial, o relatório indicou que 83,1% foram vítimas de intervenções policiais (página 31).
Conteúdos desinformativos, como os que afetaram as famílias de Thiago Menezes, Marcos Vinícius, Maicon e outras crianças e adolescentes, são instrumentos para “justificar” excessos e violências contra negros no país. É o que aponta artigo publicado em 2019 pelo pesquisador Edson Mendes Nunes Júnior, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que analisou a relação entre a disseminação de fake news e o racismo institucionalizado no Brasil.
Ele concluiu que a construção da imagem do “bandido” associado a pessoas negras está relacionada à busca de legitimar uma ação violenta para restabelecimento de uma suposta “ordem”. “Entendemos que, para além da atuação punitivista existente na imprensa tradicional, existe a forma não oficial de mídia, atuante nas redes sociais, que, como expressão da ideologia dominante na sociedade, cria boatos para justificar excessos e violências”, diz o texto.
Mendes Nunes Júnior ainda reconhece a desinformação como um “braço do Estado Penal”, que atua de forma não oficial para justificar a violência contra negros e pardos de periferias e favelas. “Destruir a memória de pessoas marginalizadas cujo estado encontra-se responsável, direta ou indiretamente, pela violência praticada, através da ação em massa de notícias falsas, em geral espalhando imagens em páginas de Facebook e grupos de WhatsApp, requer organização e disciplina suficientes para que se amplie o alcance das narrativas, rompa-se as limitações de algoritmos e, para além disso, ecoe em uma população que já sofre com uma mídia tradicional de caráter punitivista”, afirma.
Para João Luís Silva, articulador social da ONG Rio de Paz, não é possível falar de desinformação e violência contra jovens negros sem passar pela questão econômica e social e pelo racismo.
“A gente tem que fazer esse recorte racial. É o que mostram os números e o perfil dessas crianças que foram assassinadas e acusadas de vínculo com o tráfico. É conveniente taxar o menino ou a menina preta de bandido ou bandida. Se um jovem branco é preso com certa quantidade de drogas fora da favela, é usuário ou portador de entorpecente. Quando você é preto e é preso na favela com uma quantidade ridícula, é traficante. Então aí está a resposta.”
João Luís Silva, articulador social da ONG Rio de Paz
Questionada sobre os índices de letalidade das operações no Rio de Janeiro e sobre quais procedimentos a corporação toma para evitar mortes, a PMERJ informou que os “números representam o elevado grau de resistência por parte dos criminosos armados, que tornam a opção pelo confronto uma constante”. Informou ainda que “vem investindo em treinamento, nas melhorias das condições de trabalho dos policiais e em equipamentos para que as ações da corporação sejam cada vez mais técnicas e seguras para seus integrantes e a sociedade”.
Existem leis que regulamentam o ensino de cultura afro-brasileira e leis punitivas para o caso de injúria racial que são considerados como racismo
Por Gabriel Pereira* e Hélio Euclides
No Brasil cada um tem o direito de professar a sua fé ao seu modo. Isto se dá porque vivemos em um país laico. Entretanto a realidade, principalmente dos povos de terreiro, mostra que a liberdade religiosa é um ideal distante.
A pesquisa Egbé (comunidade em Yorubá) – realizada pela iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial (DMJRacial)- revelou que na Zona Oeste, na região central e na Baixada Fluminense, 75% dos terreiros já sofreram racismo religioso e todo terreiro fala sobre segurança pública. Os territórios estudados foram escolhidos por registrarem os maiores índices de casos de racismo religioso no Estado.
Um caso recente ocorreu com o cantor Rogerinho Ratatuia, cria da Maré, que levou um susto no mês de setembro. Ao postar nas redes sociais vídeo de um show no qual exibe uma performance artística do colega Celynho Show, que interpretava a entidade Zé Pilintra, ambos foram alvos de intolerância religiosa. Os comentários foram carregados de falas preconceituosas.
Rogerinho respondeu aos preconceituosos com o seguinte comentário: “Aos intolerantes que não respeitam a religião alheia, que procurem evoluir”. Tanto o cantor quanto o artista preferiram não dar entrevista com receio de serem entendidos como fazendo uma provocação. O caso foi registrado na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Celynho e Rogerinho tiveram que ir à delegacia duas vezes ao descobrir que a unidade fica fechada aos finais de semana.
Definido por discriminação, hostilização e até mesmo atos de violência contra pessoas de diferentes crenças religiosas, a intolerância religiosa é motivada por preconceitos, estereótipos negativos ou simplesmente pela falta de compreensão e respeito pelas diferentes religiões e crenças. Carlos André, um dos coordenadores da Casa Preta da Maré, projeto da Redes da Maré, explica que é preciso entender a questão histórica.
“A população negra vem para esse território de maneira forçada no processo do tráfico transatlântico de escravos. Algo bastante cruel, assim como foi o processo de castigos físicos de não respeito às suas identidades, ancestralidade e suas práticas culturais.”
Para o pesquisador, a linha do tempo explica muito do que a população negra sofre hoje. “Os escravizados não poderiam professar sua fé, na verdade eles o faziam escondido. Também eram obrigados a estarem em cerimônias católicas. Imagino que deveria ser um ambiente de muita negociação, e de negar-se. As religiões de matriz africana, todas elas criadas aqui no território do Brasil, eram proibidas de professar a sua fé.”
Outro exemplo da racismo religioso ocorreu por parte da polícia. Os policiais invadiam os terreiros, baseados em códigos penais promulgados em 1890 e 1940 para perseguir a população negra e criminalizar as religiões. Profanadas por eles, os objetos sagrados foram apreendidos que, desde 1938, permaneceram alojados em caixas de papelão no Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro, em um acervo denominado Magia Negra. Recentemente os mais de 500 itens que contam a história do candomblé e umbanda foram transferidos para o Museu da República para uma exposição que se chamará Nosso Sagrado.
A intolerância religiosa pode se manifestar de várias maneiras como: comentários preconceituosos ou insultos; ameaças verbais ou físicas; vandalismo em locais religiosos; discriminação no local de trabalho ou escolar; exclusão social; difamação pela internet; assédio religioso; recusa de serviços; agressão física e pichações ou símbolos de ódio religioso.
O nome certo do crime
Carlos André critica o termo intolerância.
“Pesquisadores se deram conta que racismo religioso é o termo mais apropriado. Quando você diz que você tolera uma religião é como se você agisse com benevolência, como se você permitisse a existência. Do ponto de vista político, entende-se hoje que não implica na garantia de direitos. Ao mesmo tempo, intolerância religiosa parece que suaviza, romantiza e esconde essa questão do racismo. O racismo religioso, na verdade, a criação desse termo foi para definir e descrever uma prática que existia por muito tempo sem nome. Isso é importante para o estado brasileiro, que vai conseguir entender e destinar políticas públicas específicas para esse problema. Então, na verdade, esse é o mesmo raciocínio quando há a criação de termos como trabalho análogo à escravidão, feminicídio e homofobia.”
A questão da liberdade de culto e da liberdade religiosa é conferida pela nossa Constituição Federal, afirma o coordenador da Casa Preta da Maré. “Esses cultos, essas cerimônias, as gírias, como é tratado esse momento do ritual, elas têm segurança jurídica. O candomblecista e o umbandista podem bater no peito e dizer quem ele é, qual é a religião que ele professa sem precisar ter medo de ser achincalhado ou zombado. Mas isso é no papel. A gente sabe que não é bem assim? As últimas notícias de terreiros demonstram que eles são queimados, que pessoas que têm as suas vestes até rasgadas e tem medo de caminhar com seus fios de conta ou com sua roupa branca. Tem regiões do Rio de Janeiro que não podem mais ter espaços de culto, porque é proibido.”
Passos importantes para a reparação histórica na sociedade vieram há 20 anos, com as Leis 10.639/0311.645/2009. Elas estabelecem, nas diretrizes e bases da educação nacional, a inclusão da temática História e Cultura Afro-Brasileira. “O combate ao racismo precisa ser feito por meio da educação, também nas escolas. As crianças precisam entender essa questão do respeito às diferenças e à diversidade. De modo que essas religiões, possam ser conhecidas. Esse mito de que elas estão ligadas à maldade, possa ser combatido o quanto antes. Além disso, elas precisam aparecer mais nos filmes, nos seriados e nas novelas”, destaca Carlos André.
Outra vitória importante veio este ano. A Lei 14.532/23 estabelece que as pessoas que cometem esse crime podem ser condenadas a cinco anos de prisão, alterou a tipificação do crime de injúria racial, passando a ser considerados uma modalidade do racismo.
“Com isso, a mesma lei transformou o dia 21 de março como o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas. Com isso já é possível ver mudanças, como lojas de grife muito famosas, que fazem suas coleções de camisas em homenagem aos orixás. Nas rodas de samba espalhadas pela cidade, tem sempre na maioria delas uma imagem de Ogum ou de São Cosme e São Damião.”
Como realizar denúncia sobre o ato de intolerância?
O professor e doutor Babalawô Ivanir dos Santos, diz que a intolerância religiosa é uma atitude social que repercute na vida cotidiana das pessoas “tanto nas escolas, nas relações de vizinhos, como no mundo do trabalho e, consequentemente, os ataques à cultura de origem afro-brasileira, que tem sido muito frequente, inclusive, na internet” comenta. Ele reforça a importância da denúncia desses crimes, investigação e diz que “Ministério Público deve, na verdade, oferecer denúncia ao Judiciário.”.
Delegacia: Pode-se dirigir à unidade mais próxima e relatar o incidente. De acordo com a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, pode haver variações nos horários de atendimento em delegacias específicas, e algumas menores podem ter horários limitados. Informações: http://www.policiacivil.rj.gov.br/ ou pelo número 197. A Decradi funciona de segunda a sexta, na Rua do Lavradio, 155 – Centro do Rio.
Disque 100: Serviço de denúncias de violações de direitos humanos, que acaba incluindo também o ato de intolerância religiosa. O serviço é gratuito e confidencial.
Ministério Público: Possui órgãos especializados em direitos humanos e discriminação, que ajudam com orientações sobre como prosseguir com uma denúncia.
Organizações de Direitos Humanos: Fornecem apoio e orientação sobre como denunciar o incidente. Uma das instituições que promovem o bem-estar, incluindo apoio psicológico, é o Projeto Maré de Direitos.
Defensoria Pública: Para obter assistência legal e orientação sobre como denunciar casos de intolerância religiosa.
*Gabriel Pereira é aluno do Curso de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Maré de Notícias e o Conexão UFRJ.
Locais de prova distantes de casa e últimos preparativos para a prova que abre portas para a universidade
O ENEM 2023 está chegando, as provas acontecem no próximo dia 5 e 12 de novembro. Na última semana os locais de realização do exame foram divulgados e para alguns alunos, o que deveria ser um facilitador no ingresso na universidade, se tornou um desafio.
Os estudantes da Maré que se inscreveram no ENEM terão que fazer a prova longe de onde moram. O único local de prova na Maré é a Escola Municipal Bahia, localizada na Av. Brasil, ao lado da passarela 7, apesar das 46 escolas da rede municipal de ensino, espaços potenciais para aplicação do exame nacional.
Para as recepcionistas Letícia Alexandre de 34 anos, e Melissa Cecília de 21, moradoras da Vila do Pinheiro, os locais de prova desanimam. “eu vou ter que saber como é que eu vou voltar, o principal é voltar, porque a gente mora em comunidade e o Uber não entra em comunidade, a gente não sabe que horas vai ter na volta. Não tem dinheiro pra pegar Uber e se acontecer alguma coisa no caminho que é longe e a gente acaba de noite, faz o quê?” desabafa Melissa que vai fazer o Enem em Cordovil.
Sonho custoso
Letícia vai fazer a prova no Méier e reclama “o local de prova desse ano é horrível, é super contramão, eu não sei onde fica, então isso vai atrapalhar um pouco, eu vou ter que sair de casa mais cedo, ou pegar um Uber para ir, um Uber para voltar, que vai me gerar custo, gastar dinheiro com isso.” ela conta que já fez a prova na Unisuam, faculdade em Bonsucesso, e mostra sua insatisfação. “Eu achei que seria num local mais próximo, de fácil acesso, já que tem locais disponíveis. Eu já fiz prova na UNISUAM, uma vez, e eu não gostei mesmo do local de prova desse ano. Não achei que é um lugar viável, mas eu vou fazer o que?”
A secretaria Municipal de Educação disse que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) foi responsável pela distribuição dos candidatos nos locais de prova. O INEP informou que o critério para escolha do local de realização do exame é ser na cidade em que o candidato reside e em um raio de 30 km. Nesta semana, o instituto também divulgou novas datas para alunos que fariam a prova em locais superiores a distância informada e queiram realizar o exame. A reaplicação da prova será nos dias 12 e 13 de dezembro.
Às vésperas do exame, o que fazer?
Tem pessoas que se prepararam o ano todo para a realização da prova que abre portas para ingressar no ensino superior. Agora a dica é relaxar. É o que afirma o professor de português e literatura Vitor Felix. “Acredito que é necessário começar a se preparar no dia anterior. Comer bem, dormir cedo, começar a usar menos o celular, já que nosso cérebro está acostumado a ficar muitas horas olhando a tela, e no ENEM é o contrário disso, muitas horas sem contato com a tela.” explica.
Outra dica do professor é usar o tempo ao seu favor “não ficar preso só em uma parte da prova, e fazer a redação com muita atenção. Ler o rascunho, corrigir os erros e aí sim passar o texto para a folha que vai ser entregue junto com o cartão resposta.”
Neste primeiro dia de ENEM será aplicada a redação e a prova tem duração de cinco horas e meia. Os portões abrem ao 12h e fecham pontualmente às 13h. Atenção ao local e horário para evitar atrasos! No dia da prova tente acordar cedo, se alimentar e organizar o material para levar: caneta preta transparente, documento oficial com foto, o cartão de confirmação e um lanche.
O professor Vitor completa: “Desejo uma boa prova a todos que sairão da Maré no domingo com o objetivo de fazer uma boa prova. Essa etapa é só mais um desafio em busca de um sonho maior, então acreditem no seu potencial! Boa prova!”
A equipe do Maré de Notícias também deseja uma boa prova a todas as pessoas que farão o ENEM.
2ª edição do Festival Comida de Favela começa nessa sexta, 3 de novembro, e promete um percurso gastronômico por 17 estabelecimentos gastronômicos mareenses
Quem ama Comida de Favela e a comida mareense, pode comemorar, que tem boa notícia nessa sexta-feira. Começa hoje o festival que reúne a tradição e a identidade da gastronomia mareense. Com pratos de R$ 2,50 a R$ 30,00, quem participar do festival poderá conhecer e votar nas receitas e estabelecimentos preferidos. Os vencedores do concurso receberão premiações de três a dez mil reais, nas categorias “Melhor Comida de Bar, Restaurante ou Pensão” e “Melhor Comida de Rua”.
Roteiro e visita guiada O festival vai disponibilizar roteiros guiados com monitores-moradores da Maré, saindo de 2 pontos diferentes da Maré, aos sábados e domingos, às 12h. Os visitantes vão percorrer os pontos do Festival Comida de Favela e ainda conhecer histórias sobre a Maré ao longo do caminho. Pontos de encontro: Praça do Parque União e no ponto de ônibus da Vila do João (esquina com a Av. Brasil). Informações via WhastApp: (21) 99723-5681.
Votação e premiação A votação será composta metade por júri popular e a outra parte por meio da avaliação de 16 jurados – entre chefes de cozinha, jornalistas, influenciadores, professores, cozinheiros, moradores da Maré e de outras favelas do Rio de Janeiro e membros da coordenação do Festival. Haverá prêmios em dinheiro para os três escolhidos em cada categoria, que serão conhecidos em uma festa, no Parque União, com direito à roda de samba, no dia 2 de dezembro.
Perfil dos inscritos Entre maio e junho de 2023, 110 bares e restaurantes se inscreveram para o processo seletivo do festival, sendo 70,9% atuando com comida de bar e 29,1% com comida de rua, a maioria com pelo menos mais de 10 anos de atuação no ramo. Sobre o perfil dos participantes: 46,4% são do Rio de Janeiro e 30,9% são do Ceará, o que demonstra a grande força do Nordeste na Maré; o número de empreendedores mulheres e homens foi igual (49,1% cada), sendo 61,6% de pessoas entre 30 e 49 anos; 53,6% se identificaram como brancos e 44,6% como negros e pardos; entre as favelas, tiveram maior presença a Vila do João (21,5%) e o Conjunto Pinheiros (16,8%).
Um comitê curador escolheu 17 locais, entre bares e restaurantes, que receberam ainda uma consultoria profissional personalizada para se aperfeiçoar e adentrar o festival com novas técnicas e ferramentas para o negócio. Os critérios da seleção foram baseados em tradição e identidade do estabelecimento na Maré; localização; diversidade do prato; qualidade da comida e disponibilidade do empreendimento e do empreendedor em participar do processo.
O Festival Comida de Favela é realizado pela Redes da Maré em parceria com Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, ONS, RioGaleão e a Boca Rosa Beauty. O projeto é fruto da experiência do projeto Maré de Sabores, que atua no fortalecimento de grupos de mulheres, moradoras da Maré, através de qualificação profissional e geração de trabalho e renda, além de liderar um negócio social, o Buffet Maré de Sabores. A primeira edição do festival foi realizada em 2015 e contou com o apoio do edital Rumos Itaú Cultural.
Veja aqui os estabelecimentos, pratos e endereço dos participantes do Festival
Medicamento é combinação do dolutegravir 50mg e do lamivudina 300mg
O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) começou a fornecer ao Sistema Único de Saúde (SUS) uma combinação de antirretrovirais que vai facilitar o tratamento do HIV/aids. Desde este mês de outubro, o instituto distribui à saúde pública a combinação do dolutegravir 50mg e do lamivudina 300mg em um único medicamento.
A Fiocruz explica que, tradicionalmente, o tratamento do HIV envolvia combinações de vários medicamentos de diferentes classes para suprimir o vírus com efetividade e impedir o avanço da infecção para quadros de aids.
“Uma única dose diária de um comprimido deste medicamento garantirá a eficácia e auxiliará na continuidade do tratamento, com menor potencial de toxicidade e de efeitos adversos graves, não havendo histórico nenhum de resistência”, informa a Agência Fiocruz de Notícias.
O Ministério da Saúde prevê receber ainda neste ano 10,8 milhões de unidades farmacêuticas do medicamento. Para 2024, 30 milhões serão fornecidos.
O diretor de Farmanguinhos/Fiocruz, Jorge Mendonça, destaca o produto vai contribuir para a adesão aos tratamentos, um dos maiores desafios no manejo do HIV. “O fornecimento destes medicamentos combinados para o SUS contribuirá significativamente para a efetividade e continuidade dos tratamentos em pacientes adultos e adolescentes com mais de 12 anos de idade e peso mínimo de 40 kg. Além de ter dosagem mais simples e redução da carga de comprimidos, diminui o potencial para interações medicamentosas e efeitos colaterais”, explica o diretor.
A produção é fruto de uma parceria de Farmanguinhos com as farmacêuticas privadas ViiV Healthcare Company e GlaxoSmithKline (GSK), que prevê desenvolvimento, transferência de tecnologia e o fornecimento do medicamento, dando autonomia para uma produção totalmente nacional.
“Ao final desta transferência de tecnologia, Farmanguinhos/Fiocruz estará com autonomia para realizar todas as etapas produtivas do medicamento, garantindo qualidade e praticidade para os pacientes do SUS. É importante ressaltar que com esta aliança, adquirimos também mais conhecimento técnico e uma nova plataforma tecnológica para a produção de comprimidos em dupla camada, possibilitando a produção futura de novos produtos”, destaca o diretor Jorge Mendonça.