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Ronda Maré de Notícias: Semana com Hospital de Bonsucesso em chamas e grávida em estado grave durante uma operação na Maré

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A ação dos agentes do Estado deixaram moradores da Maré sem atendimento médico em três clínicas da família. Hospital de Bonsucesso é fechado por causa do incêndio

Antes de 5h da manhã de terça-feira, 27 de outubro, moradores da Maré acordaram ao som de tiros, resultado de uma operação policial que se estendeu ao longo do dia em algumas das 16 favelas do conjunto. Cerca de 300 agentes da Polícia Civil em dezenas de viaturas e cinco blindados entraram no Parque União e com o passar do dia, a operação se estendeu para Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau. Houve registros de tiros na Rua do Serviço no fim da manhã e na Vila dos Pinheiros no meio da tarde. 

A ação policial durou cerca de 11h e aconteceu em decorrência de uma investigação de três meses, que mapeou 100 pessoas com mandado de prisão que supostamente estavam escondidas na Maré.  Dezenove pessoas foram presas/apreendidas entre adultos e adolescentes. Uma mulher grávida de quatro meses foi baleada ao sair de casa e levada para o Hospital Municipal Evandro Freire. Segundo moradores, alguns policiais estavam em cima de uma laje na Rua da Praia, quando a moça saiu de uma casa. Os policiais dispararam e ela foi atingida na barriga. Maiara Oliveira passou por cirurgia e encontra-se internada em estado grave. O bebê morreu na tarde de quarta (28).

Durante todo o dia de terça-feira (27), os moradores sofreram forte impacto no atendimento médico na região. Além das Clínicas da Família CF Augusto Boal, Diniz Batista dos Santos e Jeremias Moraes da Silva que suspenderem os seus atendimentos, um dos prédios do Hospital Geral de Bonsucesso amanheceu em chamas. Cerca de duas mil pessoas são atendidas diariamente na unidade. Com o incêndio, mais de 160 pessoas foram transferidas para outros hospitais, como Getúlio Vargas (Penha), Souza Aguiar (Centro), Evandro Freire (Ilha do Governador) e Fiocruz (Manguinhos). Quatro pessoas morreram em decorrência da transferência: Núbia da Silva Rodrigues, 42 anos que estava internada com covid-19; uma senhora de 83 anos, não identificada, também internada com covid-19; Marco Paulo Luiz, de 39 anos, que também estava infectado com o novo coronavírus; e uma idosa de 73 anos ainda não identificada.

Números da covid-19

Nesta sexta-feira (30), a Maré registra 1.916 casos e 156 mortes por covid-19, entre confirmadas e autodeclaradas, de acordo com o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas. As favelas tem 17.961 casos e 2.223 mortes relatadas até o momento pelo painel. Já no Painel da Prefeitura, a Maré acumula 779 casos confirmados e 126 mortes em decorrência ao vírus. 

Nessa semana o Painel Unificador das Favelas lançou um vídeo sobre o painel desenvolvido para computar os casos de covid-19 em favelas e periferias do Rio de Janeiro. O objetivo é conscientizar a população sobre a importância da produção e acesso de dados para  melhor entender a pandemia nessas localidades, e faz um convite para as pessoas se tornarem relatoras de casos dentro do painel. O vídeo está disponível no site junto ao painel.

Conscientização do Outubro Rosa na Maré

No último dia 24 de outubro aconteceu a 1a Caminhada Feminina “De mulher pra mulher gospel”, ação parte da Campanha Outubro Rosa na Maré. O evento reuniu 170 mulheres que circularam pelo território reforçando sobre a importância da prevenção do câncer de mama, promoção da saúde e do apoio comunitário. A caminhada foi realizada pelo Coletivo “De mulher pra mulher gospel”, composto por 15 mulheres moradoras e voluntárias que atuam na Maré. Confira no Instagram do coletivo. 

Atividades físicas na VOM

A Vila Olímpica da Maré (VOM) está com inscrições abertas para realização de atividades esportivas. Para se inscrever, basta consultar no Facebook da VOM os cursos disponíveis e a documentação necessária para a realização das atividades. As inscrições acontecem pelos telefones: (21) 3977-5788 e 3105-5166. O atendimento presencial é de terça a sexta, das 8h às 15h, na Rua Tancredo Neves, s/nº – Maré.

Um gás para as mulheres da Providência

Os coletivos SOS Providência e o Rolé dos Faveladxs estão juntos dando continuidade na campanha “Um gás para as mulheres da Providência”. Na primeira ação, foi possível ajudar 66 mulheres, mas a meta inicial era atingir 100 mulheres. O coletivo SOS Providência tem arrecadado itens da cesta básica e de higiene, mas percebe que é necessário também que as pessoas impactadas com as cestas também possam receber um botijão de gás para o preparo dos alimentos. É possível ajudar doando e/ou compartilhando o link da campanha.

Festa Literária rompendo barreiras

Estreou nesta quinta-feira (29) a 9ª edição da Festa Literária das Periferias 2020 (FLUP). O evento, que já circulou por algumas favelas cariocas até chegar à região portuária do Rio, acontecerá de forma virtual, permitindo que dessa forma fosse possível o intercâmbio com outras seis cidades do mundo. As mesas de debates serão transmitidas pelo canal do YouTube do Festival ao longo de hoje (30/10) e amanhã (31/10), e dos dias 01, 06, 07 e 08 de novembro. Confira a programação completa aqui.

Agenda Cultural para o Fim de Semana

E na sua primeira edição on-line, o Indie Festival começa a partir de quarta, exibindo 35 de 16 países. Entre os destaques está a pré-estreia de Vitalina Varela, filme do Pedro Costa, cineasta português premiado em Locarno.

Estreia hoje (28/10), a exposição on-line “Em Luta: vítimas, familiares, terrorismo de Estado”, mostra que conta com sete salas virtuais com fotos, vídeos, áudios, documentos, imagens de faixas e artesanato produzido por 25 coletivos de mães de todo o país. A mostra faz parte da 32ª Reunião Brasileira de Antropologia e pode ser visitada aqui.

Também nesta sexta-feira (30) acontece o último dia da exibição do Encontro de Cinema Zózimo Bulbul: Brasil, África, Caribe e outras diásporas. A mostra, que acontece anualmente no Cine Odeon, migrou para o virtual e está com sessões gratuitas. A programação completa e o link para as sessões estão disponíveis aqui.

Começa no sábado (31) e vai até o dia 08 de novembro o 10º Encontro Estéticas das Periferias, evento organizado pela Ação Educativa na cidade de São Paulo. Nesta edição virtual traz mais de 60 atividades, como a dança gumboot, a percussividade afro-brasileira do bloco Zumbiido e a literatura de Ferréz. Confira a programação completa aqui.

No sábado também é celebrado o aniversário de Carlos Drummond de Andrade. Em comemoração da data, o Instituto Moreira Salles disponibiliza um curso de José Miguel Wisnik e dois filmes sobre o poeta: Vida e Verso de Carlos Drummond de Andrade e Consideração do Poema. Os filmes estarão disponíveis aqui

Perdeu os posts da  semana aqui do MN? A gente acha para você!

Segunda (26/10):   

  • Por dentro da Maré: A insegurança alimentar e nutricional foi uma das expressões da desigualdade. Leia mais
  • Em caráter emergencial é instituída a telemedicina no país. Por Hélio Euclides. Leia mais

Terça (27/10):

  • Um incêndio atingiu um dos prédios do Hospital Federal de Bonsucesso, unidade que atende a Maré. Por Daniele Moura.  Leia mais
  • Mulher grávida é atingida em operação policial na Maré. Pela Redação. Leia mais

Quarta (28/10):

  • Concurso Ideias Maré-Cidade traz soluções urbanas para a Maré. Por Thaís Cavalcante. Leia mais 

Quinta (29/10):

  • Maré de Notícias inicia parceria para checagem de fatos junto à Agência Lupa e aos coletivos Favela em Pauta e Voz das Comunidades. Por Thaís Cavalcante. Leia mais
  • #CaiuNaRede: Caiu na Rede é Fake?
  • Checagem 1 : Respiramos gás carbônico ao usar máscara, mas quantidade não é prejudicial a saúde
  • Checagem 2:  É falso sorteio de Cartão Reforma no valor de R$ 5 mil
  • Checagem 3: É falso que ex-boxeador Maguila esteja pedindo ajuda para sair de clínica

Sexta(30/10):

  • Escolas da Maré se reinventam para levar conteúdo aos estudantes. Por Hélio Euclides. Leia mais
  • FLUP 2020: Festa Literária das Periferias faz integração com outras seis cidades do mundo para tratar de questões raciais. Por Andressa Cabral Botelho. Leia mais
  • Na Escola Livre de Dança da Maré professores e alunos não dançam fora do ritmo, o esforço é grande para que o corpo continue em movimento e o trabalho não seja interrompido.   Por Hélio Euclides. Leia mais

Dois para cá, dois para lá, a dança não pode parar

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Moradores de favelas precisam de mais esforços para fazer cursos on-line

Por Hélio Euclides em 30/10/2020 às 14h

Façamos da interrupção um caminho novo. Da queda um passo de dança…”, esse pensamento de Fernando Sabino está bem atual. A internet ruim, o espaço pequeno, a falta de silêncio e a dificuldade de concentração são alguns dos fatores que moradores de favela precisam superar para realizar a aula de dança. Os futuros dançarinos e dançarinas precisam de muita determinação para bailar e não perder o rebolado. Na Escola Livre de Dança da Maré professores e alunos não dançam fora do ritmo, o esforço é grande para que o corpo continue em movimento e o trabalho não seja interrompido. O grupo Dance Maré utiliza os canais da internet para mostrar o talento e ultrapassar as fronteiras da favela.

Desde março, quando começou a pandemia, as aulas da Escola Livre de Dança da Maré que aconteciam presencialmente no Centro de Artes da Maré, passaram a ser remotas. O Núcleo de Formação Intensiva em Dança, parte das ações, e resultado da parceria da Redes da Maré com a Lia Rodrigues Companhia de Danças, teve que finalizar os trabalhos do workshop com a coreografa Cristina Moura de forma remota. Foi o primeiro a aderir o sistema online e um desafio. “Nós entendemos que seria muito difícil para os jovens desse grupo estarem conectados por longos períodos à internet, devido a alguns fatores. Dos 15 estudantes do grupo que tem jovens entre 15 e 25 anos, apenas oito tinham um laptop para assistir às aulas remotas. Sem contar a péssima qualidade da internet na Maré”, comenta Gabriel Lima, coordenador da Escola Livre de Dança da Maré.

Segundo o Censo da Maré 2019, o computador está presente em 42,4% dos domicílios. Trata-se de uma proporção bem abaixo da estimada para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 2013, que era de 62,2%, de acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Já o acesso à internet de acordo com o censo alcança 17.515 domicílios, o que corresponde a 36,7% do total. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, porém, havia computador com acesso à internet em 56,1% dos domicílios, segundo a PNAD de 2013.

A experiência inicial com o Núcleo 2 foi fundamental para pensar como poderia se dar um possível retorno remoto das demais turmas da Escola. Em setembro, o retorno das aulas dos demais cursos aconteceu de forma remota. “Entendemos que as aulas não deveriam durar mais de uma hora, por conta da quantidade de dados móveis gastos nas conexões por chamada de vídeo, uma vez que nem todas as pessoas possuem internet banda larga e também pelas dificuldades de se fazer uma aula de dança utilizando o celular como tela, além de alunos sem acesso ou conhecimento sobre as ferramentas digitais”, diz o coordenador. 

Antes as aulas ocorriam no espaço amplo e hoje são transportadas para a casa de cada aluna e de cada aluno. Salas, quartos, quintais e lajes viraram salas de dança. “O corpo em movimento e o espaço onde ele se encontra estão inseridos no processo de ensino e aprendizagem. Não é raro termos relatos de estudantes que alegam não poder participar das aulas por conta das mais diversas questões familiares, que vão desde não ter espaço disponível até brigas dentro de casa no horário das atividades. Apesar das adversidades, as aulas vêm ocorrendo com aval da Prefeitura e de nossos parceiros e apoiadores, com aderência de nosso público”, conta Lima. As aulas acontecem ao vivo para as turmas que já estavam previamente matriculadas antes do início da pandemia. Mesmo assim qualquer pessoa pode fazer as aulas, pois elas também são disponibilizadas no YouTube da Redes da Maré.

Foi o jeito para manter abertas às portas da Escola para que todos e todas pudessem participar das atividades. Não apenas jovens estão se conectando nas atividades ao vivo, mas também um público mais velho, que já há muito tempo vem marcando forte presença em todas as atividades da Escola. Nas aulas é possível ver jovens, crianças, adultos e idosos direto de suas casas participando das aulas de dança. Para nós, esse é o ponto mais importante neste momento: manter a Escola viva dentro de cada uma e de cada um. E é ótimo poder ter as famílias integradas nesse processo, com a arte sendo produzida dentro de cada lar que se conecta nas aulas da escola”, conclui o coordenador da Escola. 

O amor à dança supera obstáculos

A dança por aula remota é bastante desafiadora, com muitos obstáculos, mas a partir da força de vontade dos professores e dos alunos as aulas estão a todo vapor, por meio dos plataformas virtuais. Dar e fazer aulas de dança on-line é muito diferente de outras áreas de conhecimento, pois o trabalho com o corpo passa por outras instâncias, que falam sobre a relação com o outro. Sylvia Barreto, professora do Núcleo de Formação da Companhia Lia Rodrigues e de ballet clássico na Escola de Danças da Maré, atua há mais de 35 anos no segmento e mesmo assim tudo é novo. “A dança requer presença, por isso a aula a distância não é fácil. Esse instrumento é o que temos no momento, as plataformas da internet são usadas para trabalhar o corpo e não dispersar as pessoas. Uma construção de anos que não pode se perder”, expõe 

Ela conta que tem problemas, como a internet que cai, o delay (distanciamento entre imagem e som), com dificuldade para realizar as correções e na questão da música. “Com os jovens e adultos funciona na medida do possível, mas com criança é bem complicado. Falta espaço em casa, o chão não é adequado, mas estamos tentando. Amo o que faço e isso me faz passar por qualquer revés “, comenta a professora. Apesar de nem todos os antigos alunos participarem das aulas, ela fica feliz por perceber o esforço e a alegria dos que não desistem. A mestre torce para que passe logo esse momento,que a vacina chegue para voltar ao trabalho presencial. 

Com as aulas remotas os professores trabalham muito mais e os alunos também precisam de um maior esforço. Addara Macedo faz aulas de balé e danças urbanas há cinco anos. “Dançar e estar com a turma era um momento de distração e também de concentração. Minha animação foi imediata quando veio a notícia de que teríamos aula on-line. A alegria foi tamanha que nas primeiras eu até chorei”, diz. 

As aulas acontecem quinzenalmente, mas apesar do espaçamento dos cursos, é o momento de rever os amigos, mexer o corpo e aprender mais sobre a dança. “Está funcionando. O tempo também é menor, mas é um encontro que eu não abro mão. Aproveito para, em casa, rever os vídeos da coreografia para me preparar. As aulas fazem a diferença na minha nova rotina. Os professores frisaram muito que não dependemos do espaço, apesar de claro, ser melhor estar nas condições adequadas, mas se temos um corpo para dançar, isso basta”, conclui.

O uso da internet antes da pandemia

Segundo a pedagoga Jussara de Barros, no site Brasil Escola, a definição de dança é a arte de mexer o corpo, por meio de uma cadência de movimentos e ritmos, criando uma harmonia própria. Mas ao bailar cada um tem uma sensação diferente. “Quando danço, esqueço as horas e o mundo inteiro se transforma em palco”, esse é o pensamento de Mayara Benatti. Essa é a impressão do grupo Dance Maré, que com o uso da internet já levou a dança para além dos palcos da favela. Até mesmo antes da pandemia, as suas performances do grupo já eram divulgadas nas redes sociais e no You Tube. 

Atualmente o Dance Maré está  no YouTube e tem mais de 130 mil visualizações no canal, que explora todos os estilos musicais. Para a Dáfine Andrade, dançarina, o grupo é uma vitrine de coisas boas, de talentos escondidos e de jovens que querem levar um pouco de alegria para as vidas ao redor. “É um sopro de ar no meio da vida as vezes conturbada. É uma válvula de escape, que me faz esquecer problemas, me traz amor pela convivência com meus amigos e felicidade através da expressão da arte”, diz. Maryana Oliveira compactua com o mesmo pensamento da colega. “O Dance Maré é o meu lugar, uma família e uma esperança. É o verdadeiro significado da Maré ser um bunker (reduto fortificado) de talentos e de pessoas incríveis”, comenta.

O Dance Maré foi criado em 2019 por jovens moradores do Conjunto de Favelas da Maré que buscam transmitir todo o amor e a beleza dos seus participantes. “No Dance Maré eu posso ser quem eu sou e ser feliz fazendo aquilo que eu gosto. É uma forma de escape, de encontrar a felicidade em uma coisa pequena, mas ao mesmo tempo muito grande. Para as pessoas é uma forma de ver a nossa força de vontade e de que todos podem seguir em frente”, diz Mariane Silva. Para todos os integrantes, o Dance Maré além de ser o lugar onde se distraem, é o espaço no qual fazem o que mais gostam, que é dançar. “A nossa dança também influi dentro da favela. Mostra que aqui também tem pessoas de talento, com algo a oferecer ao mundo, e que outras pessoas podem se espelhar nelas”, expõe Helena Reis.

O grupo atualmente é formado por 15 jovens, nenhum é profissional formado em dança, mas têm a prática como um hobby. Os dançarinos são moradores do Parque União, Nova Holanda e Rubens Vaz, três das 16 favelas da Maré. Uma das metas do grupo é incluir pelo menos um morador de cada uma das 16 favelas da Maré. O objetivo é usar a internet para ir contra a mídia que mostra a favela com violência, mortes e guerras. “Favela para mim é um lugar repleto de talentos escondidos, de amor e de energia. É preciso revelar ao mundo esse lado da favela que tem talento, amor e nossa energia, tudo isso por meio da dança”, finaliza Raphael Vicente, criador do Dance Maré.Quem desejar conhecer mais o Dance Maré, o Instagram e TikTok do grupo é: @dancemareoficial. Já o canal no canal no YouTube é: youtube.com/dancemare.

FLUP 2020: Literatura sem barreiras

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Em meio à pandemia, festival literário carioca faz integração com outras seis cidades do mundo para tratar de questões raciais

Por Andressa Cabral Botelho em 30/10/2020 às 11h

A pandemia nos deu a oportunidade de, por meio da internet, estar perto de pessoas que em dias comuns, jamais seria possível e é exatamente assim, conectada, que vai acontecer a 9ª Festa Literária das Periferias. A FLUP 2020 vai romper as barreiras da cidade do Rio e chegar a outras seis capitais do mundo – Paris, Edimburgo, Madrid, Lisboa, Berlim e Joanesburgo. Estas sete cidades também irão debater sobre literatura e o impacto do caso George Floyd no mundo ao longo dos dias 29, 30 e 31 de outubro e 1, 6, 7 e 8 de novembro.

Toda a programação tem sido oferecida de forma virtual, através do Instagram e Facebook e do canal do YouTube da FLUP. Se antes a proposta era promover encontros presenciais e criar redes de afetos e contatos, agora o Festival consegue ampliar a conversa internacionalmente, alcançando assim, um público mais diverso. “Agora, estamos falando para pessoas de todos os estados do país e mesmo de outros países lusófonos. Com as mesas internacionais, certamente falaremos para os países de que essas pessoas vêm, como a Espanha e o mundo hispânico na mesa da Rita Bosaho e da Lucía Mbomio, a França e o mundo francófono na mesa da Assa Traoré e a África do Sul e todo mundo anglófono na mesa do Achille Mbembe”, destacou Júlio Ludemir, um dos fundadores da FLUP. Os painéis internacionais acontecem graças a uma parceria com o Just Festival – festival de justiça social e direitos humanos de Edimburgo (Escócia) – e o TIFA – Toronto International Festival of Authors, o maior festival de palavras e ideias do Canadá.

Este ano, a feira foi fragmentada em dois momentos virtuais. O esquenta da Flup começou em 12 de maio, com o ciclo de debates Uma revolução chamada Carolina, homenageando a autora Carolina Maria de Jesus. Como resultado da primeira fase da FLUP, será publicado um livro onde mulheres negras, incluindo catadoras de material reciclável do ABC Paulista, farão uma releitura de Quarto de despejo. As mesas contaram com a presença 46 pessoas negras.

A segunda fase começa a partir do dia 29 de outubro homenageando Lélia Gonzalez, uma das referências dentro do Movimento Negro Unificado (MNU) e do feminismo negro, como mencionou Angela Davis, militante do movimento negro dos Estados Unidos. O início da segunda fase é marcado pelo encontro que acontece a partir das 19h com Flávia Rios e Márcia Lima, mediado por Alex Ratts, três pesquisadores que se dedicaram a desenvolver trabalhos sobre a homenageada. O momento é importante também pois será o dia do lançamento do livro Por um feminismo afrolatinoamericano, uma coletânea de ensaios, artigos e entrevistas de Lélia, organizado por Flávia e Márcia. Em paralelo, Flávia e Alex escreveram juntos o livro Lélia González: retrato de um feminismo negro (2014). 

A escolha das duas autoras tem relação ao tema principal da FLUP, que é homenagear figuras importantes da história e como elas retratam questões de raça, classe e poder em seus escritos. Para além desse ponto, a proposta é também chamar atenção para o trabalho desenvolvido por Carolina Maria de Jesus e Lélia Gonzalez no campo do feminismo negro. A própria Angela Davis questionou em 2019 sobre o nosso desconhecimento de Lélia, que também vale para Carolina e outras autoras negras brasileiras: “Por que no Brasil vocês precisam buscar essa referência [de feminismo] nos EUA? Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês poderiam aprender comigo”. 

O contato de leitores com autores e autoras negras brasileiras ainda é restrito. Em levantamento feito pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea (Gelbc), da Universidade de Brasília (UnB), foram analisados mais de 600 romances nacionais publicados por grandes editoras entre 1965 e 2014. Dos títulos, 10% foram escritos por pessoas negras e 30% por mulheres, o que nos faz entender que as editoras têm uma preferência por um gênero e raça. Mas o cenário tem se transformado.

Autoras como Carolina Maria de Jesus, Lélia Gonzalez e Beatriz Nascimento*, por exemplo, possuem vasta produção intelectual – as duas últimas são nomes de referência no MNU -, mas passaram a ter reconhecimento de um público mais geral no final dessa década, graças a pesquisadores e pesquisadoras que tem organizado e publicado as suas obras e a editoras organizadas por coletivos do movimento negro, a  exemplo da Editora Malê e Filhos da África, ou selos como o “Feminismos Plurais”, da Editora Pólen, criado idealizado pela Djamila Ribeiro

Passado e presente conectados 

“A comida no estômago é como o combustível para as máquinas. Passei a trabalhar mais depressa. O meu corpo deixou de pesar. Passei a andar mais depressa. Eu tinha impressão que eu deslizava no espaço. Comecei sorrir como se estivesse presenciando um lindo espetáculo. E haverá espetáculo mais lindo do que ter o que comer?” O trecho de Quarto de despejo: Diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, poderia ser dito por qualquer pessoa que hoje enfrenta a fome de frente, diante a pandemia que tornou evidente os problemas de segurança alimentar do país. 

Ao mesmo tempo que se volta 60 anos para entender a realidade da autora nesse livro, muitas pessoas olham para 2020 com a mesma insegurança que Carolina expôs em sua obra. Em 2018, cerca de 10,3 milhões de brasileiros não tinham acesso regular à alimentação básica, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um aumento de 3 milhões em cinco anos. No mundo, 815 milhões de pessoas não têm o suficiente para se alimentar, segundo as Nações Unidas. Apesar de antigo, a fome segue sendo um assunto recorrente e urgente.

Em seus escritos nos anos 1980, Lélia Gonzalez buscou entender sobre a formação da diáspora negra, que se dá a partir dispersão dessas pessoas de suas terras originárias para outros locais da África, Europa, Ásia ou América devido à escravidão. A partir da formação das diásporas negras, pode-se compreender o processo de desigualdade e racismo e a busca por estratégias de resistência para viver e sobreviver nesses locais. Anos depois, é possível recuperar esses estudos e entender que a produção de racismo e violência policial que acontece na diáspora brasileira é semelhante a que aconteceu com George Floyd nos Estados Unidos em 2020 e a que ocorreu com Adama Traoré, em 2016 na França. 

Pensando nessa relação diaspórica, atravessada por violência e racismo, que une a população negra, os painéis internacionais da FLUP abordam a questão racial após o assassinato de George Floyd e os impactos do racismo na população negra. Uma das convidadas é Assa Traoré, mulher negra e ativista francesa que luta no movimento contra o racismo e violência policial desde a morte de seu irmão, Adama, e um dos principais nomes do movimento Black Lives Matter na França. Além dela, também irá participar em outro momento o ativista senegalês Mamadou Ba, que hoje mora em Portugal e constantemente sofre diversas ameaças devido a sua luta constante pela vida e direito dos migrantes e minorias étnicas. 

* Os textos da historiadora e militante do MNU Maria Beatriz Nascimento também são raros de se encontrar. Diante disso, o antropólogo Alex Ratts organizou o livro Eu sou atlântica, com textos dele esmiuçando a obra de Beatriz Nascimento, além de ter também artigos e poesias da autora. 

Um jeito novo de fazer a educação na pandemia

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Escolas da Maré se reinventam para levar conteúdo aos estudantes

Por Hélio Euclides em 29/10/2020 às 18h

Um livro que já foi muito recomendado por professores, Ensaio Sobre a Cegueira, do autor português José Saramago, fala de uma epidemia que atinge uma cidade e interrompe a vida dos moradores. Este ano, o mundo também foi atingindo por um vírus que deixou a grande maioria em casa, travou projetos e forçou o fechamento até de escolas. Professores não ficaram de braços cruzados, mesmo, cheios de incertezas e descobriram que o ambiente virtual podia ser um aliado para a continuidade das atividades. Cada escola criou o seu jeito de chamar a atenção dos alunos, e surgiram inúmeras iniciativas de professores e escolas, que já recebem, pelos esforços, a nota 10.

Uma dessas iniciativas é o Sarau Digital, da Escola Municipal IV Centenário,  uma das 46 escolas municipais da Maré. O projeto ocorria presencialmente da unidade que fica na Baixa do Sapateiro, antes da pandemia de covid-19, mas em junho de 2020, migrou para o on-line. Todo bimestre, os estudantes do 1º ao 6º ano das 11 turmas da unidade escolar se reuniam no pátio para realizar a apresentação de um livro. Hoje, a ação ocorre de forma on-line. A escola viu na internet uma oportunidade de manter os alunos aprendendo e trocando informações, mesmo que de casa. O Sarau se tornou digital e passou a acontecer toda quarta-feira e sábado, via Facebook e WhatsApp.

De casa, os alunos gravam histórias, cantam músicas e usam o canal de comunicação para levar mais diversão e ensinamentos aos colegas. Diariamente, são passadas atividades para os alunos, no intuito de se manter uma rotina e o vínculo com o projeto. Era desta forma que acontecia, em dias de operação policial, pelo WhatsApp, e que, agora, tornou-se rotina na pandemia. “Planejamos atividades que possam engrandecer as crianças e suas famílias neste momento tão diferenciado. A pandemia nos fez conhecer muito mais nossos alunos e suas famílias”, diz Alessandra da Cunha, diretora.

Para Laura Cristina Gomes, mãe de Caio Luís, do 4º ano e Helena, do 1º ano, o trabalho dos profissionais da escola merece todo reconhecimento. “Nesse período pandêmico, eles são totalmente acessíveis, se reinventaram para permanecer oferecendo uma educação pública de qualidade. Todos os desafios que enfrentamos em família para nos adaptarmos a esse novo formato de educação à distância foram minimizados pela parceria com a escola”, conclui.

Um programa de TV feito de alunos e informações

Alunas participam lendo poesias durante o programa Reconecta Bahia – Créditos: Escola Municipal Bahia

Segundo o Censo da Maré de 2019, as 16 favelas que compõe o bairro Maré têm 17.573 alunos na rede municipal. A  Escola Municipal Bahia atende a estudantes do 6º ao 9 e criou o  projeto Reconecta Bahia para fortalecer os laços dos alunos em tempos de pandemia. A iniciativa é realizada pelos professores com a Sala de Leitura e começou em julho, a partir da reunião realizada com a equipe de psicólogos da Secretaria Municipal de Educação. Ao perceber que os estudantes se sentiam distantes uns dos outros devido ao isolamento social, a equipe da escola decidiu criar um espaço para que eles pudessem se reconectar mesmo em quarentena.

A ideia do Reconecta Bahia é estimular o uso da internet, mostrando as habilidades dos colegas fora da escola. Toda sexta-feira, é publicado um vídeo, enviado por um estudante, no Facebook da escola. Em casa, eles gravam o que têm feito durante a pandemia. São aceitas várias atividades, como resenha de livros, textos autorais, músicas, jogos, receitas, prática de esportes, entre outras. “Isso tem elevado a autoestima deles, permitindo que os estudantes se percebam mais próximos uns dos outros. Os pais também se empolgam, entram nos vídeos e nos dão um retorno muito positivo”, destaca Flávio Aragão, diretor.

As pautas do programa são montadas de acordo com as respostas dos próprios alunos. As ideias vão surgindo a todo momento. “Toda edição exige muita determinação, paciência e compromisso. Mas, cada vez que conseguimos concluir um programa, ficamos mais empolgadas para fazer o próximo”, diz a professora Renata Lopes. O  projeto também quer mostrar que a escola é o espaço de interação, convivência, troca, lazer e aprendizado. “O distanciamento social causado pela pandemia quebrou o elo da escola com os alunos. O vínculo precisava ser resgatado. O Reconecta vem com a proposta de reintegrar e reconectar a comunidade escolar”, expõe Sandra Vieira, professora.

A apresentação dos programas é feita pela aluna Ana Julia Dantas, que revela ser difícil essa nova forma de estudar, pois exige muita concentração. “Precisamos de muito apoio dos pais que nem sempre estão disponíveis. Estudar sozinha tem sido um desafio, mas, para minha sorte, tenho tido apoio dos professores”, conta. Com relação ao programa, a estudante fala que está sendo uma experiência incrível, que a anima muito nesse período de pandemia, além de ser ótimo apresentar os talentos dos colegas. Ela já pensa em cursar jornalismo no futuro e, quem sabe, apresentar muitos outros programas.

Um aplicativo para o conhecimento

A Escola Municipal Ginásio Olimpíadas Rio 2016, que fica na Nova Holanda, implantou o Laboratório Ampliado de Convivência Escolar (LACE). O LACE é um projeto que oferece conteúdo aos alunos, mesmo quando eles estão em casa. A tecnologia está em funcionamento há quatro anos e era usada quando a escola ficava fechada durante as operações policiais ou quando os alunos ficam afastados da sala de aula por motivo de doença. Quando veio a pandemia, os alunos começaram a utilizar ainda mais a plataforma. Para os profissionais da unidade, esse foi o momento de ampliar o projeto, com foco em aperfeiçoar a ação. Hoje, o laboratório atende 648 alunos do 7º ao 9º ano.

A ferramenta tem o objetivo de garantir o direito à educação da criança e do adolescente. “Os alunos devem ter continuidade no acesso à escola. Mesmo sendo virtual, eles precisam receber o conteúdo e prosseguir o vínculo escolar. Percebo os professores engajados e os alunos interagindo” destacou Ana Flávia Teixeira, diretora. Em função de alguns alunos terem relatado dificuldade de acesso aos conteúdos on-line, a direção disponibiliza internet gratuita no pátio para os alunos que precisem baixar o conteúdo.

Se conhece alguma atividade que se reinventou com a pandemia envie para o Maré de Notícias. Vamos ilustrar positividade!

A educação em números

A rede municipal de ensino do Rio de Janeiro conta com 1.542 unidades escolares em funcionamento, com 643.053 alunos. Das 44 unidades escolares da Maré, 22 são de Ensino Fundamental, 14 Espaços de Desenvolvimento Infantil, sete creches e um Centro de Educação de Jovens e Adultos.

Nos 13 bairros da região da Leopoldina administrados pela 4ª CRE – Coordenadoria Regional de Ensino, incluindo a Maré,  são 67.599 alunos.  Destes, 47.273 são estudantes do Ensino Fundamental, que fizeram provas no final de 2019, com percentual de 93,1% de aprovação e outros 6,9 estudantes reprovados. 

O Censo da Maré (2019) mostrou uma taxa de analfabetismo de 6% entre pessoas com 15 anos ou mais idade, superando em mais que o dobro do índice na Cidade do Rio de Janeiro, que é 2,8%. Os dados do Censo apontam que 53,47% dos  moradores não completaram o Ensino Fundamental, 18,6% completaram e  8% nunca frequentaram a escola.

#CaiuNaRede: É falso que ex-boxeador Maguila esteja pedindo ajuda para sair de clínica

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O vídeo é de 2018 e foi desmentido pela esposa e por unidade onde está internado

Por Thaís Cavalcante, especialmente para a Agência Lupa, em 29/10/2020 às 18h56

Circula nas redes sociais um vídeo em que o ex-boxeador José Adilson Rodrigues, o Maguila, pede ajuda para sair da clínica onde está internado. A legenda afirma que ele não recebe visita dos familiares há dois anos. O conteúdo foi verificado no Caiu na rede: é fake?. Confira:

“Maguila pede ajuda! Dois anos num asilo, sem visita dos filhos, mulher, parentes… jogado lá; Vamos divulgar para ajudá-lo!”

Trecho da postagem publicada no Twitter que, até as 16h do dia 19 de outubro, tinha sido visualizada 14,8 mil vezes

FALSO

A informação é falsa. O vídeo foi gravado por um paciente da clínica e divulgado em novembro de 2018. Logo depois, foi desmentido pela esposa de Maguila, Irani Pinheiro. Neste ano, o vídeo voltou a ser compartilhado nas redes sociais.

Maguila faz tratamento contra demência pugilística em uma clínica em Itu, interior de São Paulo. Em setembro deste ano, a clínica publicou uma matéria  sobre o atual estado de saúde e a rotina do ex-boxeador. Em um trecho, Maguila diz “A pessoa meio debilitada fica meio fraca de cabeça, mas agora “tô” bem, graças a Deus”.

Nota da redação: o projeto Caiu na rede: é fake? é uma parceria da Agência Lupa com Voz das Comunidades, Favela em Pauta, Maré de Notícias e conta com o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil. 

#CaiuNaRede: É falso sorteio de Cartão Reforma no valor de R$ 5 mil

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Programa de auxílio à reforma de casas foi suspenso em 2018 pelo governo federal

Por Thaís Cavalcante, especialmente para Agência Lupa, em 29/10/2020 às 19h00

Circula nas redes sociais uma postagem que promete que os primeiros a comentarem com o nome e a cidade vão ganhar um Cartão Reforma de R$ 5 mil. O texto acompanha um vídeo de um deputado no Plenário Ulysses Guimarães, em Brasília  ?  a postagem não é dele. O conteúdo foi verificado no Caiu na rede: é fake?. Confira:

“Quer ganhar um cartão reforma? ABRA A LIVE E PARTICIPE DO SORTEIO !! AS PRIMEIRAS 700 PESSOAS QUE DIGITAREM SUA CIDADE GANHARAM UM CARTAO REFORMA NO VALOR DE R$ 5MIL REAIS!”

Trecho da postagem publicada no Facebook que, até as 13h do dia 29 de outubro, tinha 11 mil compartilhamentos

FALSO

A informação é falsa. O Programa Cartão Reforma não existe mais, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional. “Todas as ações da política nacional de habitação foram incorporadas ao novo programa habitacional, o Casa Verde e Amarela. Uma das ações do programa é a realização de melhorias habitacionais (reformas), mas em outros moldes do que havia sido desenhado para o Cartão Reforma.”


Nota da redação: o projeto Caiu na rede: é fake? é uma parceria da Agência Lupa com Voz das Comunidades, Favela em Pauta, Maré de Notícias e conta com o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil.