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Linguagem neutra: mais inclusão e diversidade para todes

A importância do uso de pronomes neutros na língua portuguesa e seus desafios

Maré de Notícias #120 – janeiro de 2021

Por Thaís Cavalcante

O movimento de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, Queer, Intersexo e Assexuais (LGBTQIA+) existe e resiste no Conjunto de Favelas da Maré há décadas, seja ocupando os palcos dos teatros, reivindicando direitos, criando ações de mobilização, produzindo Paradas LGBT, levando pautas para a Academia [Brasileira de Letras] e ocupando quaisquer espaços, seus por direito. 

Nesse grupo, existem pessoas não-binárias, aquelas que não se identificam com os gêneros masculino ou feminino. Isso quer dizer que a pessoa foi além da sua designação definida no nascimento. Sob o guarda-chuva não-binário, existem diversas identidades, como a de gênero neutro, por exemplo. Para facilitar o tratamento a essas e outras pessoas, é importante entender que “as línguas são, ao mesmo tempo, formadoras e informantes das realidades. Pessoas diferentes em tempos históricos diferentes e em realidades diferentes trabalham línguas diferentes”. Quem afirma isso é Rita Von Hunty, drag queen, atriz, professora e formada em Letras.

Segundo ela, falando ainda sobre a linguagem neutra, “as palavras carregam histórias de transformações sociais, e essas alterações da realidade provocam alterações da linguagem. Estas últimas ainda podem propor alterações na realidade. As línguas acompanham transições históricas”. Não à toa, é possível encontrar hoje esse debate nas redes sociais, na academia e no movimento LGBTQIA+. Por tratar da inclusão de uma parcela da população, essa é uma discussão que deveria estar não apenas nesses espaços, como também nas ruas da Maré.

Falando uma nova língua

Gabriel Horsth é muitos em um só: se apresenta como bicha, preta, favelada e artista. Também faz jornalismo e mora na Nova Holanda. Acredita que a discussão nasce a partir de uma demanda da própria comunidade gay e, daí, vai tomando força. “É como uma forma de criar um espaço na língua, que inclua outros gêneros para além dessa lógica binária, sexista e machista de ver o mundo, na qual a língua portuguesa está aprisionada”. 

Ele percebe essa discussão em diversos espaços da sociedade, como em política, educação e saúde, além de ocupar as redes sociais e os movimentos sociais. Acredita-se que a origem do movimento é feminista. O gênero masculino normalmente é usado na língua portuguesa para designar o coletivo, por isso basta um homem entre mulheres para que os participantes do grupo sejam designados como “eles” e não como “elas”, mesmo que elas sejam maioria. Este é apenas um dos reflexos práticos da sociedade patriarcal em que as pessoas estão inseridas.

“É sobre possibilidades. Eu me apresento muito no feminino, acho que ser bicha tem essa relação com o feminino. Mas me identifico com o gênero masculino, da mesma forma como as pessoas me chamam como me veem. Minhas amigas próximas, por exemplo, já sabem e entendem que a sexualidade influencia a forma como eu me identifico e como eu me relaciono em sociedade, e eu adoro”, conta Gabriel.

“A língua não é adotada como um direito, mas sim como um privilégio. Umas pessoas vão ter; outras, não. O debate sobre política, raça, gênero e classe na favela ainda só chega a uma pequena parcela da população. Acredito que a língua é um instrumento de poder. Sendo assim, nem todo mundo tem acesso a ela”

Laerte Breno, educador popular, coordenador do pré-vestibular UniFavela e morador da favela Salsa e Merengue

Mais visibilidade, mais enfrentamento

Laerte Breno, educador popular, coordenador do pré-vestibular UniFavela e morador da favela Salsa e Merengue, na Maré, tem consciência da importância do debate e o pratica em suas aulas. “Estou falando enquanto homem, cisgênero, negro e heterossexual. Acho importantíssima essa temática. De certo modo, abrange a diversidade que a gente tem na língua portuguesa. A língua é a leitura do nosso mundo. Quando a gente neutraliza a língua, principalmente para o público não-binário, é uma preocupação que vale destacar nas saudações, como por exemplo ‘Bom dia a todos, a todas e a todes’. Isso é convidar o público para o debate.” 

Ele admite, ainda, que há um caminho longo para popularizar o tema. “A língua não é adotada como um direito, mas sim, como um privilégio. Umas pessoas vão ter; outras, não. O debate sobre política, raça, gênero e classe na favela ainda só chega a uma pequena parcela da população. Acredito que a língua é um instrumento de poder. Sendo assim, nem todo mundo tem acesso a ela”. Gabriel concorda e levanta a discussão não-binária e de gênero como causadora de fissuras na favela. “Ela está sendo introduzida aos poucos dentro dessa estrutura historicamente sexista, e isso é bom, mas vem de um processo lento e doloroso. Acho que a favela está avançando, e reconhecer isso é fundamental”, conclui.

O aprendizado que valoriza a inclusão e o respeito deve ser estimulado, assim como a diversidade que existe nos territórios populares. Uma discussão inicial do tema usava o X nas palavras, como “todxs”. Seu uso foi interrompido a partir do alerta de que ele prejudica a leitura de programas de computador usados por pessoas com deficiência visual. Surgiram então propostas de uso de pronomes neutros como “ilu” e “el” (veja a tabela abaixo) e terminações como em “menine”. É possível, também, usar palavras que são conhecidas como comuns a todas as pessoas: no lugar de “aluno” ou “aluna”, pode-se adotar “estudante”, que é uma palavra já existente na língua e não flexiona para nenhum gênero. Isso traduz respeito à identidade da pessoa, não somente à sua aparência. 

Essa mudança vem para promover mais inclusão, diversidade, tolerância e entendimento de que todas as pessoas devem ser tratadas como elas assim preferirem. Gabriel sugere caminhos: “Se grandes comunicadores locais, como pastores (entendendo que a maioria dos mareenses é cristã), comerciantes de feira, jornalistas comunitários, radialistas e artistas começarem a usar a nomenclatura, de forma direta, isso vai impactar o território. Não agora, mas a longo prazo”.

O desafio só começou. O debate que chegou às favelas do Brasil também está em outros países, como França e Espanha. Nesses países mencionados, as instituições que cuidam do idioma se posicionaram, em sua maioria, contrárias à mudança que vem ocorrendo. Já em Portugal, em setembro de 2020, o Ministério da Defesa recomendou o uso da linguagem neutra nas certidões de nascimento e no registro civil. A chamada linguagem inclusiva é, no espectro político, pauta para a criação de guias linguísticos, conselhos e leis, e caminha, aos poucos, para ampliar o debate em nível global. Procurada para falar sobre o tema, a Academia Brasileira de Letras não respondeu ao Maré de Notícias até o fechamento desta matéria.

Veja os pronomes tradicionais e as propostas de pronomes neutros


O conhecimento como prática humanizadora e antirracista

Por Paloma Oliveira , em 04/01/2021, às 18h40
Editado por Andressa Cabral Botelho

Que o Rio de Janeiro é uma cidade surpreendente, isso muitos sabem, mas as surpresas nem sempre são positivas. Facilmente podemos ouvir que “O Rio de Janeiro não é para amadores” e quem vive aqui ainda se assusta com os fatos improváveis que acontecem na cidade e região metropolitana. No primeiro final de semana de 2021 nos deparamos com a notícia de uma aliança incomum: traficantes evangélicos unem-se a milicianos para manter o poder no que chamam de Complexo de Israel, constituído pelas favelas de Vigário Geral, Cidade Alta, Parada de Lucas, Cinco Bocas, Pica-Pau e Quitungo, essa última, localizada em Braz de Pina, incorporada recentemente.

Dois pontos fundamentais unem essas forças antagônicas: o poderio territorial e a intolerância religiosa, tendo em vista que uma das premissas da liderança do Complexo de Israel é proibir que espaços de religiões de matriz africana existam nesse local, assim como coibir que pessoas usem roupas brancas, associadas ao candomblé e umbanda. Apesar da união inusitada com objetivos comuns, a intolerância religiosa não é um caso isolado.

A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro registrou 200 casos de ataques a terreiros de umbanda e candomblé entre janeiro e setembro de 2019, sendo 35% deles na Baixada Fluminense. Este número pode ser maior, já que é comum a subnotificação desse tipo de crime: em muitas ocasiões, as pessoas se sentem desmotivadas e com medo de sofrer retaliações por irem à delegacia registrar ocorrência.

Ainda no Rio de Janeiro, tem crescido o número de casos de umbandistas e candomblecistas expulsos das favelas onde moram. Assim como no Complexo de Israel, grupos neopentecostais, ligados ao tráfico de drogas do Terceiro Comando Puro, impõem regras de culto cristão dentro daqueles territórios, proibindo outras expressões religiosas nesses locais. 

A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º, inciso VI, a inviolabilidade da liberdade de culto e de crença; isso quer dizer que não há exceção quando o assunto é respeito a todas as religiões. Além disso, o Estado é laico; logo, deve haver uma separação entre Estado e religião, não existindo a possibilidade de uma religião ser mais importante que outra.

Merece ser abordado mais a fundo, em ambientes escolares e profissionais, o significado de racismo religioso, para que ele possa ser combatido de fato. A desinformação quanto às religiões de matriz africana se dá também porque existe a ideia cristã de bem e mal, onde o mal representa o demônio – inexistente nas religiões de matriz africana.

Parte do cristianismo faz um julgamento muito equivocado de Exu. Tal orixá tem o poder da comunicação, da abertura de caminhos. Que mal há em ser um agente comunicador, em ser responsável por construir pontes para outros – não é isso que o movimento negro vem fazendo há tanto tempo?

O candomblé é pautado na mitologia iorubá, que é de origem africana – convém dizer que ele está muito mais conectado à natureza do que se imagina. A comprovação disso é um dito iorubá: Kò sí ewé, kò sí òrìsà (Sem orixá não há folha). Logo, é preciso preservar a natureza para se cultuar orixá.

Por isso, é importante conhecermos mais e melhor a nossa história, pois o candomblé era uma maneira de os escravizados no Brasil colonial se conectarem com sua ancestralidade, assim como tentar minimizar um pouco o sofrimento advindo do tratamento desumano de ser sequestrado de suas terras e obrigado a trabalhar gratuitamente para enriquecer outrem.

A representação de um pequeno avanço, no que tange ao combate à intolerância religiosa, é o fato de, em agosto deste ano, mais de 200 peças históricas de religião de matriz africana terem sido recuperadas e destinadas ao Museu da República. As peças foram confiscadas pela polícia entre 1889 e 1945, num período em que o antigo Código Penal criminalizava a umbanda e o candomblé; vitória garantida graças ao movimento Liberte Nosso Sagrado.

É possível verificar, através de breve pesquisa, que o Estado sempre criou maneiras de criminalizar o povo negro, pois isso não se deu apenas com as religiões afro, mas também com a capoeira e o samba.

Atualmente, tem se falado bastante sobre sermos antirracistas, pois assim evitaríamos as desigualdades sociais sofridas em grande parte pela população negra; então, é extremamente urgente incluir, nessa pauta, o respeito às religiões de matriz africana e, parafraseando Mãe Beata de Yemonjá o respeito é lei. E claro, não resgatar essa pauta somente em janeiro ou setembro, quando é realizada a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa.

Lei para combater a intolerância religiosa

O dia 21 de janeiro é conhecido como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, instituído pela lei federal nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, em homenagem à Yalorixá Gildária dos Santos, do Ilê Axé Abassá de Ogum, localizado na Bahia.

O jornal da Igreja Universal do Reino de Deus publicou uma reportagem caluniosa sobre charlatanismo contra a Yalorixá, o que motivou integrantes da Assembleia de Deus a invadirem o terreiro da Sacerdotisa e a agredirem física e verbalmente. Depois deste episódio, Mãe Gilda sofreu um enfarte e morreu.

Em 2020, completaram-se 20 anos de sua morte e, infelizmente, ainda são recorrentes ataques a terreiros de umbanda e candomblé por todo o país, fruto de um desdobramento do racismo.

Sobre a autora
Paloma Oliveira é advogada, Pós-graduanda em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global, graduanda em Filosofia, e Abiyan D’Ogun no Ilê Axé Omiojuarô

Homem é morto na Cidade de Deus e moradores protestam

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 Mototaxista havia deixado filho na escolinha de futebol quando foi alvejado

Por Edu Carvalho em 04/01/2021 às 15h30

Editado por Andressa Cabral Botelho

 Fabiano Rocha / Agência O Globo

Marcelo Guimarães, mototaxista de 38 anos, passava pela Avenida Edgar Werneck, na Cidade de Deus, na manhã desta segunda-feira (04) quando foi atingido embaixo do viaduto que dá acesso à Linha Amarela. No início da tarde, moradores fecharam a Linha Amarela, sentido Fundão, com pedaços de madeira e de móveis em protesto contra a morte de Marcelo. No sentido oposto, foram feitos alguns bloqueios. 

De acordo com a assessoria da Polícia Militar, policiais do 18º BPM (Jacarepaguá) faziam patrulhamento na região e alegaram ter ocorrido um confronto no local. Entretanto, a versão é negada pelos moradores, que ouviram apenas um disparo. A perícia da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) foi acionada para averiguar. 

Ele havia acabado de deixar o filho mais novo, de 5 anos, na escolinha de futebol, na Gardênia Azul, próximo à região. Nas redes sociais, a filha mais velha de Marcelo, Vitória Guimarães, fez uma publicação em homenagem ao pai: ‘’Te mataram, pai, na crueldade. O senhor era trabalhador, estava indo trabalhar e te mataram. Tão novo, 38 anos, cheio de vida, coração bom!!!! Eu, minha mãe, meu irmão (que tem apenas 5 anos), família e amigos não estamos aguentando com tanta dor. #justiçapormarcelo’’. 

Marcelo era casado e completaria 22 anos junto à esposa. Carla Roberta, viúva de Marcelo, desmente o comunicado da Polícia Militar sobre o possível confronto. “Infelizmente eu cheguei lá e meu marido estava no chão. Só quero justiça, só isso que eu quero. Eu não sei o que eu vou falar pro meu filhinho de cinco, falar que o pai dele foi viajar pra muito longe, nunca mais vai voltar”. 

Um Inquérito Policial Militar (IPM) será aberto.

Fiocruz tem liberação para importar 2 milhões de vacinas

Primeiro lote deve ser entregue entre 8 e 12 de janeiro 

Por Edu Carvalho, em 04/01/2021 às 11h15

Editado por Andressa Cabral Botelho

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou um pedido de importação excepcional de 2 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A decisão ocorreu no dia 31 de dezembro de 2020, mesmo dia em que o pedido de importação foi protocolado pela Fiocruz. A indicação é que as vacinas cheguem ao país ainda neste mês de janeiro.

No Brasil, a Fiocruz é responsável por produzir a vacina desenvolvida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford. “As doses importadas foram fabricadas pelo Serum Institute of India PVT. LTD, que é uma das empresas participantes do Covaxx Facility, o programa de aceleração e alocação global de recursos contra o novo coronavírus co-liderada pela OMS”, informa nota da Anvisa.

A Fiocruz será a responsável por produzir a vacina no Brasil, sob licença. O governo já fechou acordo com o AstraZeneca para a compra de 100 milhões de doses. Na nota divulgada, a fundação reitera que, até julho de 2021, “entregará 110,4 milhões de doses ao Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, sendo a primeira entrega, de um milhão de doses, na semana de 8 a 12 de fevereiro”. “Com a incorporação da tecnologia concluída, a Fiocruz terá a capacidade de produzir mais 110 milhões ao longo do segundo semestre de 2021”, diz a instituição.

Rio já tem plano de vacinação para covid-19

Em coletiva realizada no último domingo, dia 03/01, a Prefeitura do Rio afirma começar a vacinação ainda em janeiro. Foi o que disse o secretário municipal de saúde Daniel Soranz. O objetivo do município é criar 450 postos de aplicação do imunizante, aproveitando a estrutura das Clínicas da Família, que são unidades municipais de atenção básica de saúde. A expectativa é que 2,6 milhões sejam vacinados nas primeiras 4 fases de vacinação, todas pertencendo aos prioritários, como idosos, profissionais de saúde, indígenas e quilombolas.

Veja abaixo as características de cada grupo:

Primeira fase: trabalhadores de saúde; pessoas de 75 anos ou mais; pessoas de 60 anos ou mais institucionalizadas; população indígena aldeada em terras demarcadas; povos e comunidades tradicionais ribeirinhas.

Segunda fase: pessoas de 60 a 74 anos.

Terceira fase: pessoas com comorbidades.

Quarta fase: professores e profissionais das forças de segurança e salvamento, funcionários do sistema prisional e outros trabalhadores de serviços essenciais.

Uma família nas quatro linhas

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Apesar do funil que limita as possibilidades no futebol, irmãos da Maré superam obstáculos e se tornam jogadores.

Por Hélio Euclides

Kaká e Digão, Sócrates e Rai, Alecsandro e Richarlyson, Túlio Maravilha e Télvio, Assis e Ronaldinho Gaúcho, Junior Baiano e Jorginho, e os três: Zico, Edu e Antunes. Todos eles, além de serem jogadores, compartilham mais uma parceria: são irmãos. Marcos Oliveira e Marcelinho são moradores da Praia de Ramos e seguem o mesmo caminho: além do parentesco, ambos têm no sangue o amor pela bola de futebol.

Os jogadores Digão e Kaká foram bem-sucedidos na carreira, sendo negociados por valores até hoje alto para o mercado futebolístico. Digão teve seu passe adquirido pelo Milan por 500 mil Euros, já o irmão teve 67 milhões de Euros pago pelo Real Madrid. Mas no mundo da bola nem sempre é assim. Segundo levantamento da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) de 2016, estima-se que mais de 80% dos jogadores no Brasil ganham menos do que um salário mínimo. Do outro lado da pirâmide, apenas 1,77% entre R$ 10 mil e R$ 50 mil.

Jogador Marcos Oliveira

Apesar do funil que é se tornar jogador de futebol, os irmãos do Piscinão não desistiram do sonho. Marcos Oliveira, de 22 anos, começou no futebol de salão, com apenas cinco anos, num projeto conhecido como Time do Velho, depois migrou para a categoria de campo. Já com sete anos estava defendendo as cores azul e vermelho do Bonsucesso. Chegou a jogar pelo Olaria, CFZ, Santo Ângelo do Rio Grande do Sul e Svesnka Palestinska da Suécia. “Meu irmão, que é três anos mais velho, sempre foi um espelho para mim. Desde quando eu não tinha nem idade para jogar, já o acompanhava em todos os jogos e ficava na torcida. Sempre foi minha referência. Hoje ver meu irmão bem na modalidade é, com certeza, uma alegria“, diz.

Em sua curta carreira, Oliveira lembra que a vida de jogador sempre tem altos e baixos. Ele teve que largar o sonho aos 21 anos por lesões que sofreu desde os 15 anos. Essas contusões o fizeram sair de três clubes e perder diversas outras oportunidades como escolher entre voltar para Europa ou estudar e jogar nos Estados Unidos. Esses percalços deixaram frustrações no jogador. “Não é fácil ter que largar um sonho, pois infelizmente meu corpo não aguentava mais tantas lesões. A vida de um jogador de futebol em 98% das vezes é bem cruel, por lidar com frustrações, saudades, lesões, enganações e até muitas vezes as covardias que acontecem nos bastidores. As pessoas acham que é uma vida dos sonhos, mas a realidade é que essa é a vida só de 2% dos jogadores profissionais”, diz. 

Como todo menino, Oliveira sempre foi um apaixonado pela bola e sempre quis ser jogador de futebol. Ele conta que o principal motivo era dar uma vida melhor aos meus pais. “Futebol sempre foi e sempre vai ser a paixão da favela, e até mesmo um caminho para poder buscar um futuro melhor”, expõe. Ele acredita que é preciso não deixar o sonho morrer. “Para a criança que está começando, eu falaria que mesmo com todas as dificuldades, as físicas e emocionais, sempre correr atrás e se mantenha focado que uma hora a oportunidade vai aparecer e a gente precisa estar preparado. Também é preciso valorizar e investir mais nas crianças da favela. Não tenham dúvidas que os maiores talentos estão nas periferias”, conta. Seu próximo passo será estudar bastante sobre futebol e futuramente viver do esporte. 

Apoio primordial

Jogador Marcello Junior

Os irmãos contam que para a família sempre foi um orgulho ter dois jogadores próximos. Lembram que tudo só foi possível graças ao incentivo e acompanhamento, tanto nas fases boas, quanto nas ruins. “O apoio da família é essencial para as crianças que estão começando”, ressalta Marcello Junior, conhecido como Marcelinho, que joga como ala direito. Ele defende as cores do Flamengo, com a camisa 20, na categoria do Futebol 7, modalidade também conhecida como society ou fut7, que reúne sete jogadores de cada lado e dois árbitros.

Junior, igualmente ao seu irmão, começou aos cinco anos, num projeto social da Praia de Ramos. No mesmo ano, após teste no Vasco, foi aprovado. No Futebol de Salão também teve passagem pelo Flamengo, Casa de España/Botafogo e Mackenzie. Com 17 anos migrou para o futebol de campo, onde jogou no Olaria e num projeto da Nike, que rendeu uma viagem à Inglaterra. Depois remanejou para o Fut7, onde jogou no Vasco, antes se se efetivar no rubro-negro carioca. Ele espera que o Fut7 cresça e tenha mais visibilidade, para o surgimento de mais investimentos. 

“É muito bom poder saber que meu irmão faz a mesma coisa que eu e, às vezes, até jogar junto. Eu tento ser um exemplo para ele e para as crianças que gostam de mim e de me ver jogar. Futebol é alegria, sempre que tem alguém da comunidade jogando, quase todos param para assistir aos jogos do Flamengo, por causa do João Gomes, ou do clube Éverton da Inglaterra, para ver o Allan Marques. No Flamengo Fut7, uma galera acompanha, por causa de mim, do Jeffinho e do Sidney, todos da comunidade”, ressalta. Ele defende que o Piscinão é um verdadeiro celeiro de craques.

Como o irmão, ele destaca que a trajetória de um jogador é difícil. No caso dele, lembra que perdeu parte da infância para conseguir focar nos estudos e no futebol. Outra barreira é ser um jogador de favela, pois esbarra no preconceito. Para quem está começando, ensina que é preciso superar esse obstáculo e focar no futebol, para viver do esporte. “É preciso treinar muito, porque o esforço vence o talento, sempre que o talento não se esforça”, conclui. A mãe dos dois meninos, Valdirene Militão, moradora da Roquete Pinto, diz que tem muito orgulho do caminho que os filhos seguiram. Mas acrescenta que não foi fácil, especialmente por ser uma mãe moradora de favela que precisou viabilizar dinheiro para alimentação e passagem dos atletas. “Hoje sou feliz com o resultado, de muitas crianças que se espelham neles, não por serem bons atletas, mas ao se tornarem grandes homens, responsáveis. O futebol vai mais além de se virar um Neymar, é preciso ter estudo, disciplina e dedicação. O que falta no mundo do futebol é oportunidades para as meninas da favela, que precisam ser apoiadas”, afirma. Ela completa que a filha não se tornou atleta, mas também tem orgulho da primogênita Juliana Militão, que cursa nutrição.